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EXPEDIÇÕES

Caminhos que ultrapassam as paisagens urbanas

Pessoas dos 20 e poucos aos 60 anos falam sobre suas expedições pelos rios, céus e estradas da Amazônia. Por onde passam, colecionam histórias e memórias de lugares inesquecíveis.

Alice Martins

13/01/2023

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Cássio Brito se apaixonou pela pesca ainda na infância e hoje segue viajando pelos rios - Foto: Arquivo pessoal

O advogado Cássio Brito, 55 anos, desde criança viaja pelos rios da Amazônia. Por volta dos seis anos de idade, começou a acompanhar o pai e o irmão em pescarias pelo Baixo Amazonas, no Pará, e, mesmo depois de adulto, seguiu desbravando a região pelas águas. Suas aventuras o levam a lugares que não costumam aparecer em blogs, sites e guias turísticos, mas revelam belas paisagens e geram memórias afetuosas em família.

Apesar de ter nascido e até hoje morar na capital do Pará, Belém, seus pais nasceram no município de Óbidos, na região do Baixo Amazonas, e, por isso, as férias por essa região eram frequentes. A primeira parada costumava ser em Santarém, próximo de Óbidos, e a viagem saindo de Belém a Santarém, que hoje tem opção aérea, costumava ser feita de barco, com uma duração de aproximadamente dois dias. Viagem essa que, aos seus olhos de menino, já era uma aventura em si, pois era feita em embarcações sem acomodações privadas, onde todos os passageiros dormem em redes, umas por cima das outras, como ainda hoje é costumeiro nas viagens pelos rios da região. “Para mim, é sempre uma lembrança positiva e eu peguei esse gosto de estar próximo à natureza, de ficar viajando para o interior do estado e de pescar”, conta. De Santarém a Óbidos, o tempo de viagem pelo rio é de aproximadamente três horas.

Cássio, que já viajou por vários lugares do Brasil e do mundo, conta que, para ele, nada é melhor que sentir o vento no rosto enquanto está no barco e a animação quando se depara com uma fartura de peixes para pescar, além da sensação incomparável de comer um peixe fresquinho, que ele mesmo pescou. Além disso, a convivência com a população ribeirinha, sempre muito receptiva, torna a viagem ainda mais especial para o advogado.

Veja o vídeo abaixo: 

Quando criança, descobriu junto ao pai e ao irmão diversos pontos “escondidos” em meio à floresta amazônica e ao longo dos rios, em especial nas proximidades dos municípios de Óbidos, Santarém e Juruti, todos na região oeste do Pará. Um dos pontos era no Rio Nhamundá, na fronteira entre os estados do Pará e Amazonas. O lugar é, atualmente, um destino conhecido por quem gosta de pescaria, em especial de tucunaré. Seu pai Rider Brito, hoje com 83 anos, tornou essa ida ao Nhamundá uma tradição. Por décadas, foi ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), morando em Brasília (DF). Mesmo assim, todos os anos retornava ao local para sua pescaria. “Lá, nós viajamos três horas até o alto do rio em busca dos grandes peixes e, com a ajuda de ribeirinhos, encontramos os melhores pontos”, comenta Cássio.

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Foto: Cássio Brito

Para ele, o local que tem virado uma tradição pessoal fica no rio Uatumã, no Amazonas. Há cerca de 10 anos, conheceu o refúgio por meio de um grupo turístico de pesca saindo de Santarém. A viagem, a partir deste município, dura cerca de 1 dia e meio, até chegar em uma pousada que é o ponto de referência para os pescadores esportivos. Nessa viagem, que ocorre em uma reserva biológica, de preservação do ecossistema natural, Cássio pratica a atividade de pesca esportiva, devolvendo o peixe à água após pescá-lo. “A gente fica bem isolado do mundo, é uma sensação de contato com a natureza inestimável”, pontua. Ali, existem poucas opções de hospedagem, e as que estão disponíveis são resultado do investimento que a população ribeirinha fez, ao adaptar suas casas para transformá-las em pousadas.

Além do caminho saindo de Santarém, existe também um outro trajeto, indo de avião até Manaus (AM), depois, mais três horas de viagem de estrada e duas horas de barco até chegar à pousada onde Cássio costuma ficar. Mas essas viagens para pesca demandam conhecimento e apoio de guias locais para garantir segurança e sucesso na atividade. “São lugares difíceis de chegar e não é qualquer um que vai saber onde é o melhor ponto para pegar peixe. Por isso, é muito importante, antes de fazer qualquer pescaria como essa, conhecer os donos de fazenda ou pousadas onde se faz pescaria e combinar direitinho quem vai lhe buscar e como você vai se deslocar. Até porque geralmente nesses locais nem conexão boa de telefone e internet se tem”, alerta.

A satisfação de eternizar a beleza em fotos

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Fernando Sette é fotógrafo e tem um projeto que mostra as belezas do Pará - Foto: Arquivo pessoal 

O fotógrafo Fernando Sette, 48 anos, aproveita viagens a trabalho e passeios pessoais para capturar imagens das belezas do Pará e compartilhar os cliques no site e redes sociais “Expedição Pará”. “Eu sempre gostei muito de viajar pelo Pará e queria que as pessoas que moram aqui conhecessem mais sobre o que temos e se encantassem da mesma forma que eu me encanto por cada local que passo”, conta Fernando.

Desde 2016, ele começou a publicar fotografias e também vídeos apresentando cenários e histórias de pessoas que encontra por onde passa. “O que eu mais gosto é conhecer pessoas, estar próximo de comunidades”, revela Fernando. O projeto é mantido de forma independente, sem patrocínios, tendo apenas parceria com o jornalista Antônio Carlos Pimentel, que atua como editor.

Fernando já não sabe dizer, ao certo, por quantos municípios passou. Para ele, a prioridade é mostrar o que há de belo no estado. “Cada vez que vou para algum lugar, descubro algo novo. Mas um local que me impressionou bastante foi Fortalezinha. O que senti ali foi fantástico, sem comparação”, destaca. O local é uma praia do Arquipélago de Maiandeua, município de Maracanã, no Pará, dentro de uma unidade de conservação.

Conhecida como um destino paradisíaco, para os fãs do turismo mais rústico (ou “raiz”, como é chamado comumente no estado), Fortalezinha tem areias brancas, muito vento e, por ser uma área de preservação ambiental, permite contato direto com a natureza - inclusive não são permitidos carros ou motocicletas. “É um lugar para você se desconectar do mundo e relaxar. Minha sugestão do que fazer lá é simplesmente sentar no Mirante que tem na praia e ficar apreciando a vista, apenas curtindo aquele momento”, recomenda Fernando. O fotógrafo tem vontade de conhecer outros lugares da Amazônia e seguir contando histórias pela região. Por enquanto, segue explorando o território paraense.

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Praia de Fortalezinha  é uma das belezas do Pará  - Foto: Fernando Sette

Do escritório na capital à expedição pelo Pará

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Rômulo Dias está viajando por todos os 144 municípios do Pará - Foto: Arquivo pessoal

Nascido em Belém (PA), o contador Rômulo Dias, 27 anos, decidiu largar a vida de escritório para se aventurar pelo próprio estado e percorrer cada um dos 144 municípios paraenses. Amante de viagens, na infância costumava ir sempre para o mesmo destino, Salinópolis, e, ao se tornar adulto, decidiu aproveitar para conhecer além desses horizontes. Depois de ter visitado mais de 10 estados do Brasil, resolveu voltar seu olhar para o local de origem. “Sempre que eu viajava, voltava com saudade do Pará, sabia que a gente tinha destinos incríveis, mas eu não conhecia”, diz. Foi então que, em 2019, se lançou o desafio de conhecer mais cidades do estado e mostrar, nas redes sociais, o que encontrava pelo caminho. Nasceu, assim, a página “Visite o Pará”, com os registros e dicas de Rômulo.

Mas, até então, o perfil na rede social era só um hobby, aproveitando suas viagens pessoais para gerar conteúdo digital de turismo. Após dois anos de pandemia, em janeiro de 2022, Rômulo resolveu investir mais tempo e recursos para se dedicar à página e traçou a meta de conhecer todo o estado. Com um carro baixo, um celular e uma câmera que era de seu pai, ele partiu para a estrada em junho e o resultado veio rápido: passou de 60 mil a 100 mil seguidores em dois meses. Nesse meio tempo, também foi conseguindo patrocinadores, provendo desde hospedagem até o próprio carro que utiliza no momento, que é mais alto e apropriado para as rodovias com as quais se depara, e adquiriu também um drone, que deu um toque a mais às suas publicações, com imagens aéreas.

Foram 89 municípios visitados desde então e a expectativa é completar essa turnê em 2023. “No meu planejamento inicial, eu já estaria mais avançado, mas acabei me permitindo ir mais devagar, para aproveitar mais cada local, conhecer mais as histórias”, conta. Rômulo se surpreendeu com a quantidade de atrações descobertas, superou a timidez para fazer suas postagens e diz que o projeto o instigou a estudar mais sobre marketing, fotografia, dentre outros assuntos.

“Posso visitar o lugar várias vezes e cada uma é diferente, tem mais a se descobrir. Já viajei de trem, carro, moto, barco, lancha, avião, de tudo, e é sempre um aprendizado, uma adrenalina, sou apaixonado por essa vida”, revela. A praia de Maguari, em Belterra, é um dos locais que mais lhe chamaram a atenção. É formada por um banco de areia e fica a uma hora de distância, de barco, de Alter do Chão (Santarém, PA) ou a uma hora de carro, saindo de Belterra. Tem uma paisagem paradisíaca, com barracas de palha e as águas ao fundo. “É a melhor praia de água doce que já fui. Quero voltar para dormir lá, sob as estrelas”, compartilha Rômulo.

Filhos criados, caminhos a serem desbravados

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Ronie e Keila Caleffi - Foto: Arquivo pessoal 

Imagine poder viajar por quanto tempo quiser, no seu próprio ritmo, seguindo de um canto para o outro e descobrindo, a cada parada, novos sabores, sotaques, músicas e paisagens? Esse foi o estilo de vida que o catarinense Ronie Caleffi, de 60 anos, e a maranhense Keila Caleffi, 55, decidiram adotar para aproveitar a aposentadoria.

Ele, fuzileiro naval, e ela, empresária, estão casados há 36 anos. Em 2015, resolveram se aposentar, comprar um trailer e explorar o Brasil e o mundo. “A gente só estava esperando nosso filho caçula se formar. Passou alguns dias, colocamos o pé na estrada e nunca mais paramos”, lembra Ronie. Vivendo agora da aposentadoria dele e de um valor que recebem mensalmente da empresa que deixaram aos filhos, há sete anos vêm administrando esse novo formato de vida, sem pressa e com muita energia e curiosidade.

Desde então, já conheceram todos os estados do Brasil e só faltam dois países para completar a América do Sul (Suriname e Guiana Francesa). “De início, a gente ficava muito numa rotina fixa ainda, de acordar cedo, cumprir horário para chegar a um destino ou outro, mas logo a gente se desprendeu disso e pensamos: por que não ir no nosso próprio tempo?”, recorda. Agora, o casal segue conforme sua vontade, podendo passar dias e semanas em um mesmo lugar, dependendo do seu interesse.

“Na estrada e viajando, nós gastamos até menos do que estando em casa. Nosso trailer é como uma kitnet, então compramos todas as coisas em supermercado normal, cozinhamos aqui, não saímos gastando igual um turista normal. Só o que gasta mais é o combustível, mas, se a situação aperta, a gente estaciona num lugar e aguarda o próximo mês”, explica. O trailer em que vivem é acoplado a uma caminhonete e possui sala de estar com sofá-cama, televisão, geladeira, micro-ondas, fogão, banheiro, quarto, dentre outras comodidades.

Em toda essa jornada, conheceram desertos, cachoeiras, rios e muitas outras atrações. Mas a Amazônia tem um cantinho especial no coração dos Caleffi. Enquanto era fuzileiro naval, Ronie trabalhou no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, mas foi na última base, em Manaus, no Amazonas, que o casal decidiu ficar até a aposentadoria e é onde sua família vive até hoje. “Gosto muito do calor, o clima mesmo da região, e a quantidade de belezas naturais. É impressionante. Povo muito acolhedor, a gente gosta demais de estar viajando pela Amazônia”, diz. O último destino deles em 2022, inclusive, foi em Salinópolis (PA), onde passaram o Réveillon.

A ideia é seguir viajando. O casal planeja viajar com os netos quando fizerem 10 anos (o mais velho hoje tem seis anos) e tem um grande sonho em mente: conhecer o Alasca, nos Estados Unidos. Desde 2016, os Callefi registram os seus passos pelo mundo em um canal do Youtube e redes sociais “Férias constantes”, tudo feito pelos dois, desde a filmagem à edição, por lazer.