A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, lar de uma rica biodiversidade de fauna e flora. Representa 67% das florestas tropicais do planeta, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), distribuída por nove países da América do Sul, sendo a maior parcela no Brasil (60%).
Com tamanha exuberância, não é de se surpreender que, no Brasil, a região atraia pessoas de diversos locais do país para estudar e proteger a sua biodiversidade. O técnico florestal paranaense Lourival Tyski, por exemplo, está na Amazônia há mais de 15 anos. Hoje, ele atua como curador do Herbário de Carajás, localizado no Bioparque da Amazônia da Vale, no município de Parauapebas, sudeste do Pará.
Apesar de ter se deslocado de tão distante, do sul ao norte do Brasil, de uma região com bioma e hábitos tão diferentes, hoje Lourival se sente em casa na Amazônia. Apesar do sotaque paranaense permanecer forte, ao andar pelo Bioparque ele fala com carinho de cada planta, como se fossem membros da própria família, e é capaz de identificar a maioria das espécies a olho nu. “Quando a gente começa a estudar planta, vê tudo verde. À medida que vamos entendendo, começamos a enxergar tudo colorido. É uma soma de cores, texturas e formatos que, com esse conhecimento, a gente ‘bate o olho’ e reconhece cada espécie”, diz. “É como se aprendesse um novo idioma, uma nova linguagem que aprendemos a dominar”, complementa.
O trabalho da equipe do Herbário, em linhas gerais, consiste em identificar e catalogar as espécies de flora encontradas na região de Carajás e proximidades. Esse trabalho exige atenção, organização e meticulosidade e um dos motivos de ser tão importante é porque, nesse processo, os profissionais podem descobrir a existência de uma espécie nunca antes registrada naquele local ou até mesmo no planeta. Ao identificar a existência de uma nova planta, é possível estudar melhor suas propriedades e monitorar a quantidade de espécimes presentes no bioma, para também mapear se ela está ameaçada de extinção.
O potencial de descobrir novas espécies e, com elas, novas oportunidades de soluções para a vida humana na Terra, é um dos principais fatores que desperta a paixão de Lourival até hoje e tem mantido seu interesse em permanecer na região. “A Amazônia é uma reserva de uma série de oportunidades, tanto do conhecimento das espécies em si quanto para o conhecimento das possibilidades de novos medicamentos e novos produtos. Mantendo a floresta em pé, preservada, mantemos a diversidade e essas oportunidades de evolução que podem fazer uma diferença gigantesca para o futuro, inclusive no campo da saúde”, reflete.
Proteção de animais aliada à educação ambiental
O Bioparque da Amazônia da Vale, criado em 1985, é mantido e administrado pela mineradora Vale, e abriga, exclusivamente, espécies nativas da fauna e flora amazônicas. Está localizado dentro da Floresta Nacional de Carajás, em uma Unidade de Conservação Federal, e ocupa uma área de 30 hectares preservados.
O mesmo carinho que Lourival demonstra pelas plantas, o biólogo mineiro César Neto apresenta pelos animais do Bioparque. Desde 2020, ele é supervisor do espaço e, sob sua gestão, César tenta transmitir aos visitantes o encantamento que ele teve ao conhecer a floresta pela primeira vez: “A experiência que a gente tem aqui é de estar conhecendo a floresta amazônica, com a vida livre, com os sons dos animais, o clima de floresta mesmo”, destaca.
O mineiro veio pela primeira vez à Amazônia em 2005, aproveitando uma oportunidade para trabalhar com a fauna da região de Carajás. “Todo mundo que trabalha com biodiversidade tem vontade de conhecer a Amazônia. Na época, eu já estava me preparando para seguir a carreira acadêmica em Minas, mas aqui era uma chance que eu não podia perder”, recorda.
Dentre os animais do Bioparque, estão algumas espécies ameaçadas de extinção, como o cachorro-do-mato-vinagre, harpia, ararajuba e onça-pintada. “Aqui foi o primeiro lugar no mundo a reproduzir a harpia de forma natural, em 2015. Pela qualidade do nosso espaço, não foi necessária uma intervenção humana, de levar o ovo a uma chocadeira”, compartilha, com orgulho, o mineiro.
César conhece as histórias dos animais do espaço e se envolve com a trajetória de cada um. Alguns deles foram resgatados, como a Chicó, uma macaca que ficou 20 anos presa num bar por uma coleira, e que não sabia nem ao menos usar seu rabo naturalmente. “Dói saber dessas histórias, é claro, mas ao mesmo tempo fico feliz de sabe,r que nosso trabalho contribui para que esses animais possam ter uma vida melhor, quando não têm condições de regressar à natureza, como é o caso da Chicó”, diz.
Mas o apego com esses habitantes do parque zoobotânico jamais é confundido com posse, ressalta: “Quem trabalha com conservação tem que ter uma visão muito clara de que os animais não são nossos. Nós só estamos cuidando deles no momento, mas eles podem ser reintroduzidos à natureza ou ser encaminhados para outra instituição para acasalarem, e aí precisamos desapegar, pensar no que é melhor para eles”.
Monitoramento do clima também ajuda nas previsões para outras regiões
Não apenas a floresta amazônica incita a curiosidade de profissionais do Brasil todo. A oceanógrafa gaúcha Cláudia Klose Parise trabalha há seis anos como professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde passou a estudar a costa marítima amazônica. Apaixonada pelo mar e pela ciência, quando surgiu a oportunidade de concurso público para a instituição, ela e o marido se mudaram para São Luís, capital do estado, e embarcaram em uma nova aventura.
Cláudia coordena o Laboratório de Estudos e Modelagem Climática e é coordenadora do curso de Graduação em Oceanografia da UFMA. Ela estuda a interação do oceano com a atmosfera, basicamente observando como as correntes marítimas e de ar impactam nos níveis de umidade e temperatura, e, em consequência, refletem no nível de chuvas e na agricultura, dentre outros fatores.
“Essa era uma linha de pesquisa que não era comum aqui na UFMA. Normalmente os estudos na área de oceanografia tinham um olhar mais local, não eram contextualizados em nível global, como fazemos agora”, informa. A rotina da professora junto aos alunos de graduação e pós-graduação se concentra no laboratório, onde analisam dados fornecidos pelo marégrafo, instrumento que mede o nível do mar e as variações de vento.
Por meio dessa metodologia, a equipe conseguiu observar o efeito da La Niña, um evento climático de resfriamento anormal que se inicia no oceano Pacífico, mas que impacta o mundo todo. “Em 15 anos, nunca se observou um evento de La Ninã tão duradouro como agora. E isso indica que está indo menos umidade para a região Sul do Brasil”, constata. A razão disso é que da Amazônia saem os vapores d’água pelo ar que levam a umidade para o sul do país. Com o resfriamento anormal, o fluxo desses vapores também é interferido e, por fim, menos umidade é transportada.
“Isso deve gerar um verão e outono mais secos no Sul do país. A gente, daqui, na Amazônia, monitorando o clima desde já, consegue prever os impactos que vai ter em alguns meses lá [no Sul] e, assim, podem se preparar para evitar desperdícios na colheita de grãos no Paraná, por exemplo”, explica.
Ironicamente, a pesquisadora conta que o principal impacto, pessoalmente, que sentiu ao morar na Amazônia foi o clima. “No Sul, temos estações bem definidas e aqui é calor o ano todo. O engraçado é que eu, estudando clima, me impactei com o clima da região”, comenta, rindo. “Por outro lado, foi justamente o calor humano das pessoas daqui o que mais me encantou. Todo mundo aqui se ajuda, a amizade é grande”, reflete.
Hoje com uma filha já nascida em São Luís, Cláudia revela que se considera maranhense honorária. “É nossa segunda casa, um lugar de muitas possibilidades e com uma cultura popular muito forte também”, conclui.
Legado para além de limites territoriais e fronteiras
Na história, muitos estrangeiros também se dedicaram a estudar e atuar para a preservação da Amazônia. Um deles é o biólogo norte-americano Thomas Lovejoy, que dedicou mais de 50, de seus 80 anos de vida, à preservação da Amazônia. Falecido em 2021, um dos seus legados foi o Amazon Biodiversity Center, organização sem fins lucrativos sediada em Washington, nos Estados Unidos (EUA), mas com base para pesquisa no estado do Amazonas.
Também nascido nos Estados Unidos, o biólogo Philip Fearnside é hoje um dos mais conceituados pesquisadores da floresta amazônica do mundo, tendo recebido inclusive o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. A primeira vez que veio à região foi em 1973. Na época, acabara de passar dois anos na Índia e pretendia voltar para o país asiático para fazer a tese de doutorado, mas as relações geopolíticas entre os EUA e a Índia, então, estavam fragilizadas e dificultaram seu regresso.
Fearnside, que já tinha vontade de conhecer a Amazônia, acabou viajando para algumas áreas da Amazônia, inclusive em outros países, como a Bolívia, mas foi em Altamira (PA) que decidiu ficar. Morou por dois anos em uma agrovila ao longo da rodovia transamazônica, para investigar quantas famílias poderiam ser sustentadas por aquele tipo de agricultura. “Era plena ditadura militar no Brasil, um clima bem pesado e, ao mesmo tempo, na Amazônia, tinha poucas estradas, era um cenário bem diferente”, lembra.
Logo após o doutorado, em 1978, recebeu uma proposta de emprego no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus, onde está até hoje. No decorrer dos anos, Fearnside focou no desmatamento, mudanças climáticas e seus variados impactos, inclusive nas relações humanas. “Trabalhar com ciência na Amazônia tem um grande desafio de fazer com que os resultados das nossas pesquisas não fiquem apenas no papel, que tenham desdobramentos na sociedade e nas políticas públicas. É isso que me motiva. É importante não ser otimista demais, achando que está tudo bem, nem ser pessimista e achar que está tudo perdido. Precisamos acreditar que expondo as situações de degradação do meio ambiente podemos mudar a forma como as coisas são feitas na Amazônia”, reitera.
Unir forças é fundamental para preservar o bioma
Para o professor Henrique Pereira, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o diálogo entre profissionais de diferentes regiões do país e do mundo tem grande relevância na produção do conhecimento sobre a Amazônia. Nascido e criado em Manaus (AM), hoje ele é Assessor Especial da Assessoria de Relações Internacionais e Interinstitucionais da UFAM, e sua rotina é marcada por buscar e intermediar parcerias com outras instituições.
“A ciência é universal e não pode ter isolamento de um grupo ou de outro. É com a colaboração que conseguimos crescer. Então, assim como temos um intenso fluxo de pesquisadores do Brasil em outras regiões do país e do mundo, recebemos aqui na Amazônia profissionais de fora também, é algo normal hoje em dia”, explica. O professor ressalta que há regras de participação para que as relações sejam igualitárias, ou seja, que o trabalho de um lado da parceria não se sobressaia ao do outro. “Temos que garantir a proteção intelectual de ambos os lados e proteger a região da biopirataria, por exemplo. Isso se constrói com ética e compromisso dos pesquisadores”, assinala.
Na sua avaliação, a vinda de pessoas de outra região é positiva, mas exige respeito ao lugar e às pessoas que ali vivem. “É preciso ter responsabilidade com a ciência e com a região onde você está atuando. A Amazônia não é um objeto de estudo apenas, existe uma dinâmica socioambiental e econômica muito complexa. Se um pesquisador quer fazer um estudo sobre a região, não basta apenas pegar dados ou imagens de satélite, fazendo tudo a distância, é importante vir até aqui, conviver e entender qual a realidade local”, conclui.