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INSETOS

Pequenos protetores da floresta

Insetos representam 70% das espécies de animais no planeta. Mesmo pequenos em tamanho, possuem grande papel na polinização das plantas e decomposição da matéria orgânica, além de servirem de alimento para outros animais e, em alguns casos, até gerarem renda para comunidades

Alice Martins

28/10/2022

Mosquitos, abelhas e insetos, em geral, fazem parte da realidade de quem vive na Amazônia, mesmo nos centros urbanos. Para alguns, eles podem ser considerados um incômodo e, para muitos, passar despercebidos. Mas os insetos têm papel fundamental para a preservação da biodiversidade na região, pois são responsáveis por espalharem nutrientes e sementes na floresta, fazendo com que mais plantas possam crescer, além de atuarem na decomposição de matéria orgânica e servirem de alimento para outros animais.

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Segundo o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), José Albertino Rafael, 70% das espécies de animais que existem na natureza em todo o planeta são de insetos. “Muitos não têm ideia do quanto eles são importantes. São a base da cadeia alimentar. É a partir deles que animais maiores se alimentam, como os próprios peixes que, em seguida, servem de alimento para os seres humanos. Se não houvesse insetos, não existiria vida”, enfatiza.

O peixe Pacu, por exemplo, come, dentre outras coisas, os insetos aquáticos, que são aqueles que têm pelo menos uma fase do desenvolvimento de sua vida na água. “A vida na água é mais difícil de perceber, então muita gente não sabe que existem insetos aquáticos mesmo que conheçam algumas espécies, como as libélulas”, explica a bióloga Cecília Gontijo Leal, pesquisadora da Lancaster University, no Reino Unido, e membro da Rede Amazônia Sustentável (RAS). “Os insetos aquáticos são muito importantes para o funcionamento dos cursos d’água, porque além de serem fonte de alimentos para outros animais maiores, fazem a decomposição da matéria orgânica (flores, folhas e frutos) que vem das margens para dentro dos rios, igarapés, riachos…”.

Eles também servem como “bioindicadores”, ou seja, indicam como está a qualidade da água e do ambiente como um todo. “Muitos desses insetos vivem em contato direto com o fundo do leito dos cursos d’água, então, são sensíveis à poluição, assoreamento de rios, entrada de agrotóxicos, desmatamento da mata, na margem…”, descreve. Assim, em lugares poluídos, habitam espécies muito diferentes das que estão em espaços preservados. “Isso porque algumas espécies são mais sensíveis a esses efeitos que outras. Por exemplo, algumas libélulas são bem sensíveis, então, se elas estão presentes em um ambiente, significa que ali está com um nível de preservação maior”, conclui.

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Borboletário, em Belém (PA) - Foto: Thiago Gomes

No topo das árvores, um universo a ser descoberto

Do fundo da água ao topo das árvores, em toda a floresta amazônica podemos encontrar insetos. José Albertino Rafael (INPA) foi um dos integrantes de um grupo de trabalho de diversas instituições brasileiras e de outros países que estudou a vida dos insetos na copa das árvores. O estudo teve caráter inovador porque, normalmente, o levantamento desses animais é feito no solo. Desta vez, foram montadas armadilhas ao longo de uma torre de 32 metros de altura para capturar os insetos a cada 8m de distância. Durante 14 meses, os pesquisadores monitoraram e coletaram amostras e o resultado foi surpreendente: apenas em uma amostra de 15 dias, foram catalogados quase 38 mil exemplares de insetos.  “Foi uma surpresa para nós. Não esperávamos encontrar tanta novidade e tantas espécies diferentes”, declara.

Segundo o pesquisador, do total de quase 17 mil espécies coletadas nessa amostra, 60% estavam apenas nas armadilhas mais altas, da copa. “Esses resultados nos mostram que existe um mundo dos insetos, acima de nós, ainda muito desconhecido”, pondera.

Nas alturas, esses animais cumprem seu papel de manter o equilíbrio da natureza, seja na polinização, como as borboletas, ou na ciclagem de nutrientes, quando um inseto mastiga uma planta ou a quebra em pequenos pedaços para que possa se decompor mais facilmente quando chegar ao solo. 

O grupo continua a pesquisa e pretende captar recursos financeiros e mais profissionais, para analisar outras amostras e dar um passo adiante: fazer o sequenciamento de DNA desses exemplares, para ter mais certeza da categorização de espécies.

Borboletas são indicadores da qualidade do ambiente

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Bióloga Ananda Martins - Foto: Betzi Perez

No dossel, como é chamada a área da copa das árvores, foram encontradas muitas borboletas, objeto de estudo da bióloga Ananda Martins, doutoranda no programa de Biologia da McGill University (Canadá) e Smithsonian Tropical Research Institute (Panamá). “As borboletas são animais polinizadores, que geralmente são responsáveis pela reprodução de várias plantas e estão inseridos em diversas cadeias alimentares, servindo de alimento para diferentes predadores como aranhas, sapos e aves. O desequilíbrio do número de borboletas pode afetar diversas espécies da fauna e flora”, ressalta.

Tal qual os insetos aquáticos, elas são importantes bioindicadores. “Por serem animais sensíveis, qualquer alteração na sua população, seja redução ou uma superpopulação, pode mostrar se a área está sofrendo alterações no ecossistema”, informa. A Hamadryas februa, popularmente conhecida como borboleta-estaladeira, ou Pardinha, por exemplo, é uma espécie generalista, ou seja, que não tem tanta restrição a respeito das condições do ambiente habitado. Quando uma área registra uma superpopulação desta espécie é sinal de que o local está degradado, pois espécies especialistas (mais “exigentes”) não conseguiram se manter ali.

Martins comenta ainda que há pesquisas recentes que mostram como a cor das asas das borboletas também podem ser bioindicadores. Um estudo divulgado no ano passado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em parceria com a Universidade Federal de Pelotas e a University of Exeter (Inglaterra), por exemplo, constatou que borboletas são menos coloridas em áreas recentemente desmatadas, em comparação a ambientes preservados.

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Pesquisadora Camila Lemke - Foto: Acervo IPÊ

Comunidades do Norte são treinadas para monitorar borboletas

Por ter um visual mais cativante, com diferentes formatos de asas, cores e tamanhos, as borboletas podem ser atrativas para a educação ambiental e envolvimento das comunidades. É o que constata Camila Lemke, bióloga e pesquisadora do projeto “Monitoramento Participativo da Biodiversidade”, do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). 

O projeto é um desdobramento do programa “Monitora”, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que já desenvolve de forma regular o monitoramento das espécies nas unidades de conservação (UCs) do país. O IPÊ, por sua vez, oferece apoio em 18 UCs de todos os estados da região Norte, à exceção de Roraima. A iniciativa envolve as comunidades que vivem nas áreas ao redor no monitoramento das espécies de fauna e flora ali existentes. Dentre elas, estão as borboletas frugívoras (que se alimentam de frutos). 

Mais de 500 pessoas de comunidades vizinhas das UCs participaram de um treinamento para aprender os protocolos de monitoramento e também receberam um guia, que mostra fotos e informações das espécies de borboletas. 
“Esse conhecimento científico é só um suporte a mais, porque os monitores comunitários já têm o conhecimento tradicional, já conhecem aquelas borboletas, mas com os nomes populares. Assim, unimos os dois tipos de saberes para chegar a resultados melhores”, exalta a pesquisadora Camila Lemke.

Os resultados do monitoramento são cruciais para basear as estratégias do ICMBio. Para Lemke, a participação da comunidade é impulsionador da conservação da natureza. “Durante esse processo todo, de nove anos de duração, pudemos ver como o engajamento das comunidades foi forte”, relata. 

“Antes de ser monitor, eu não tinha ideia do que era monitoramento e não sabia da importância do parque nacional para a manutenção da natureza, não apenas da comunidade ao entorno, mas da biodiversidade em geral, de todo o planeta”, declara Jeckiel Cássio, que atuou como monitor no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Amapá, desde 2014. Apesar do projeto ter finalizado este ano, o monitoramento participativo permanece por meio do programa “Monitora”, do ICMBio.

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Em Carajás, Vale resgata abelhas nativas e as mantém em um meliponário (coleção de colmeias de abelhas) para posterior reintrodução à natureza - Foto: Marcio Nagano

Dois terços das safras alimentares dependem das abelhas

Assim como as borboletas, as abelhas carregam a responsabilidade de polinização na natureza, levando grãos de pólen do local onde são produzidos (anteras) para o aparelho reprodutor da mesma flor ou de uma outra flor da mesma espécie. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de 90% das espécies de plantas com flores silvestres do mundo dependem total ou parcialmente da polinização animal. E, também segundo a organização, os impactos são vistos na produção agrícola: dois terços das safras alimentares dependem das abelhas, pois a polinização é fundamental para a produção de alimentos como a soja e o algodão.

Em áreas onde previamente houve intervenção humana e hoje passam por recuperação florestal, elas também são fortes aliadas. É por isso que a mineradora Vale, em Parauapebas, sudeste do Pará, resgata as abelhas nativas de uma área florestal antes de iniciar a atividade de mineração e as mantém em um meliponário (coleção de colmeias de abelhas) para fazer posteriormente a reintrodução à natureza. Nas áreas de minas recuperadas, onde houve mineração no passado, mas que hoje passa por reflorestamento, a atuação das abelhas é considerada imprescindível. “No momento, estamos mantendo as abelhas nas colmeias para que elas não parem sua rotina. Em breve, vamos levá-las a uma área de reflorestamento e elas vão ajudar muito a cultivar plantas, que, em consequência, vão atrair outros animais que se alimentam de frutos”, acredita Sérgio Souza Jr., coordenador de meio ambiente da Vale.

Geração de renda aliada à preservação

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Alice de Queiroz é membro-fundadora e presidente da "Filhas do Mel" - Foto: Marcio Nagano

Em Parauapebas (PA), famílias estão mudando de vida depois que perceberam que cuidar das abelhas pode significar tanto a preservação do meio ambiente, como também uma oportunidade de geração de renda. A Associação Filhas do Mel da Amazônia, fundada em 2012, hoje agrega 29 famílias que trabalham com apicultura (criação de abelhas com ferrão) e Meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão). 

Alice de Queiroz é membro-fundadora e presidente da Associação e tornou-se referência na comunidade, com sua atuação. “A gente, na criação de abelhas, fica observando muito e nos aproximamos das abelhas de uma forma incrível. Elas gostam de ambientes cheio de diversidade de plantas e nós que convivemos com isso sabemos até qual flor elas preferem”, reflete. 

Já Osvalinda Sacramento ingressou na Associação há menos de um ano. Costureira a vida toda, planejava se aposentar e encontrou na criação de abelhas uma atividade terapêutica. “Eu gostei demais, sou muito feliz com minhas abelhas. Uniu o útil ao agradável: meu marido estava desempregado e eu buscava outro tipo de atividade”, diz.

Desde 2017, a Associação recebe apoio da empresa Vale, que provê equipamentos e suporte técnico para a criação de abelhas. Naquela época, o volume total de produção das famílias era de 1,7 toneladas. Em comparação, apenas no primeiro semestre deste ano o grupo já atingiu 9 toneladas. O mel é comercializado na cidade e também vendido para outros municípios, inclusive para fora do estado do Pará.

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Projeto “Abelhas Nativas para Cidades Amazônicas” leva diversas atividades a espaços públicos - Foto: Thiago Gomes

Espaços educativos despertam o interesse da população

Ações e espaços educativos nas cidades são formas de sensibilizar o público urbano para a proteção dos insetos. É com essa proposta que nasce o projeto “Abelhas Nativas para Cidades Amazônicas”, uma iniciativa de 13 pessoas, dentre estudantes universitários, biólogos, criadores de abelhas, agrônomos e outros profissionais, que leva atividades itinerantes de conscientização em Belém (PA).

O projeto é patrocinado pelo Banco da Amazônia e o Governo Federal, por meio de edital, e leva para espaços públicos diversas atividades para chamar a atenção da população, como exposição de espécie de abelhas, degustação de mel de abelhas sem ferrão e pinturas para crianças. “A recepção do público tem sido incrível. Crianças, adultos, idosos, jovens, todas as faixas etárias demonstraram querer conhecer mais”, aponta Lucas Bernardes, estudante de biologia e membro do projeto.

Um dos espaços que recebeu as atividades itinerantes foi o Parque Zoobotânico Mangal das Garças, em Belém (PA), onde está a Reserva José Márcio Ayres, conhecida como “borboletário”, que conta com mais de 3 mil borboletas. O ingresso, para acessar o borboletário, custa R$ 7,00 (R$ 3,50 para estudantes).