O território marítimo brasileiro tem cerca de 8 mil km de extensão litorânea e é conhecido como “Amazônia Azul”, denominação criada pela Marinha para enfatizar a importância desta área em biodiversidade, dimensão e papel econômico para o país. O que muitas pessoas desconhecem é que quase 38% desse total está, de fato, na Amazônia: cerca de 3 mil km. A costa marítima da Amazônia se estende desde o rio Oiapoque, no Amapá, até a Ilha de São Marcos, no Maranhão, e nesse território estão os maiores e mais preservados manguezais do mundo, segundo informações do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).
A riqueza e as oportunidades dessa extensão litorânea da Amazônia são o foco de pesquisa do Programa de Estudos Costeiros (PEC) do MPEG. “A zona costeira tem um papel estratégico na geopolítica porque, historicamente, foi a porta de entrada para a Amazônia e também tem uma importância econômica muito forte até hoje, porque é através dessa saída, do estuário amazônico, que boa parte das nossas riquezas minerais são exportadas”, aponta Cristina Senna, pesquisadora e uma das fundadoras do PEC, criado em 1997.
Dentre outros aspectos, a pesquisadora destaca que há uma robusta produção pesqueira obtida ao longo da costa, especialmente na costa do Amapá. “Serve também para exploração petrolífera, algo que vem sendo bastante discutido, recentemente. Todos esses aspectos nos mostram a importância de estudar, conservar e preservar tudo aquilo que está nos três estados da costa marítima amazônica (Amapá, Pará e Maranhão)”, ressalta. Senna explica ainda que as comunidades que ali vivem têm como subsídio especialmente a pesca, mas as mulheres também coletam mariscos e criam pequenos animais, como galinhas, geralmente para consumo próprio.
Em termos de flora e fauna, os principais ecossistemas da costa marítima amazônica são os manguezais, que “são berçários de aves, peixes e caranguejos”, conforme assinala a pesquisadora. Funcionam como uma espécie de transição entre o mar e a terra firme e são caracterizados por um terreno de lama, com árvores que têm as raízes expostas acima do solo. Toda a vida no mangue é regida pelo ritmo das marés e as idas e vindas da água fazem com que aquele solo seja muito rico em nutrientes. Por tamanha abundância, é ali onde diversas espécies encontram abrigo para se reproduzirem, por isso são chamados de “berçários”.
Plástico e processos de erosão são ameaças constantes
Com o passar do tempo, a zona costeira da Amazônia tem, cada vez mais, passado por mudanças causadas pelo ser humano, seja na construção de estradas, portos e cidades próximas ao mar, ou pela exploração indevida de recursos naturais e ambientais. Essas interferências mudam o ritmo da natureza e causam impactos na biodiversidade. “A principal atividade que temos visto recentemente é a questão ligada ao plástico. Temos identificado uma grande quantidade de plástico no território marítimo, que acaba impactando na vida tanto dos seres que ali vivem como do próprio ser humano, que consome os peixes e outros frutos do mar. Hoje, já é comprovado que os animais ingerem o microplástico no mar e passam para o ser humano em seguida”, alerta Senna.
Para se ter uma ideia, em 2020 foi divulgado uma pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA), que descobriu que 98% dos peixes analisados tinham plástico no organismo. Foram encontradas 383 partículas plásticas, em 67 dos 68 peixes de nascentes e riachos da Amazônia, estudados pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Ecologia e Conservação (Labeco), da UFPA.
A pesquisadora Valdenira Santos, do Instituto de Estudos do Amapá (IEPA), também tem observado as mudanças que tem percebido na costa do Amapá. Dentre elas, está a aceleração dos processos de erosão, em alguns locais devido à intervenção humana e, em outros, devido ao processo contínuo dos agentes oceanográficos no litoral. Para a pesquisadora, a solução para mitigar os efeitos do ser humano no meio ambiente passa por pesquisa científica: “Quanto mais conhecimento sobre o sistema, melhor o encontro das soluções mitigadoras. Esse conhecimento depende de monitoramento contínuo de todos os aspectos envolvidos, desde a dinâmica sedimentar da região, dos processos hidrológicos, oceanográficos e da qualidade de água”, acentua Santos.
Margem Equatorial envolve investimentos de R$ 10 bilhões
A exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial está no planejamento estratégico da Petrobras, com investimentos previstos da ordem de R$ 10 bilhões. A Margem Equatorial passa pela Amazônia, pelas bacias da foz do Amazonas, Pará-Maranhão e Barreirinhas, estendendo-se também pelas bacias Ceará e Potiguar, no nordeste brasileiro. Essa área é vista pelo setor como uma área estratégica e uma fronteira promissora de águas profundas para a produção de petróleo e gás natural.
A Petrobras, no momento, aguarda a emissão da licença ambiental necessária, emitida pelo Governo do Pará, ainda sem previsão de data para isso acontecer. A assessoria da Petrobras informou, em nota ao Grupo Liberal, que “a expectativa é a de que a perfuração do poço exploratório seja iniciada logo após a aprovação da Avaliação Pré-Operacional (APO) e emissão da Licença Operacional pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)”. A Petrobras informou ainda que “está envidando todos os esforços e mobilizando a estrutura necessária para a realização da APO, que é iminente e um requisito do processo do licenciamento ambiental, que consiste em simular um evento acidental envolvendo vazamento de óleo no mar, com o objetivo de avaliar a eficácia do Plano de Emergência Individual (PEI) da Petrobras para a atividade de perfuração”.
O projeto de exploração petroleira na Margem Equatorial é visto com otimismo por alguns e com críticas por outros. Em audiência pública da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia da Câmara dos Deputados, no final de novembro, Bruno Terribas, do Sindicato dos Petroleiros da Região Amazônica (SindPetro Amazônia), reivindicou que os ganhos obtidos com o petróleo da margem equatorial sejam usados na preservação do meio ambiente. “Que a renda da exploração e produção de petróleo e gás se transforme em investimento na redução das emissões de carbono, na segurança operacional, a fim de evitar acidentes terríveis como a gente viu no Golfo do México e no próprio Campo de Frade, aqui no Brasil”, declarou. “Que parcela dessa renda petroleira seja investida na transição energética com fontes renováveis, que são parte da nossa defesa da soberania energética nacional”, complementou. A pesquisadora Valdenira Santos, do Instituto de Estudos do Amapá (IEPA), pontua que, no caso de uma exploração petrolífera na região, “um dos desafios será gerenciar os riscos de derramamento de óleo em um cenário de desastre ambiental.”
Um mar de aprendizado a desbravar
A necessidade de aprender mais sobre o território marítimo brasileiro foi o que impulsionou o Ministério da Educação (MEC) a criar os navios Ciências do Mar. São quatro embarcações entregues pelo MEC para servir como um laboratório flutuante e apoiar as pesquisas das universidades públicas de cada região. Para a Amazônia, o Navio Ciências do Mar II é responsável por proporcionar o aprendizado dos estudantes de graduação e pós-graduação na prática e dar espaço para fazer descobertas que podem auxiliar, inclusive, na exploração de petróleo na Amazônia.
O navio foi entregue em 2018 e fica sob gestão da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), mas está à disposição de todas as universidades públicas da Amazônia Legal e também do Piauí. Segundo João Luiz de Carvalho, professor que coordena o Ciências do Mar II na UFMA, o navio atende aos cursos de oceanografia, engenharia de pesca e biologia marinha. Tem capacidade de embarcar 18 pessoas, dentre professores e estudantes (além de oito membros da tripulação fixa) e serve tanto para pesquisas mais específicas quanto para treinamentos gerais, como de navegação e segurança no mar. “Antes, essa prática era feita junto a Marinha do Brasil, aproveitando os embarques que eles mesmos já faziam. Mas, tendo nosso próprio navio de pesquisa, temos mais autonomia para organizar as saídas conforme nossos objetivos”, destaca Carvalho.
Desde 2018, quase mil pessoas já embarcaram no Navio Ciências do Mar II, em mais de 50 viagens. “Esse número poderia ter sido maior, mas foi impactado pela pandemia e também pela falta de recursos.”, aponta o professor da UFMA.
No entanto, mesmo com os desafios, o Navio Ciências do Mar II tem sido um importante instrumento para os grupos que participam das expedições e para toda a sociedade. Isso porque as pesquisas feitas em campo, no mar aberto, podem ajudar a obter informações qualificadas necessárias para a exploração do petróleo e mesmo para instalação de energia eólica, pois é possível fazer a medição dos ventos no meio do oceano, dentre outras possibilidades. “A nossa costa marítima é uma área imensa que ainda se tem muito a desbravar. Potencializar o uso do navio pode, inclusive, apoiar a fundamentar políticas públicas e iniciativas privadas em diversos segmentos”, acredita Carvalho.
As expedições das universidades costumam durar entre três a sete dias de duração. Para a professora Rosália Furtado, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), que também organiza expedições com seus alunos, há ainda mais um diferencial a salientar: “Antes, quando os estudantes precisavam contar com as viagens da Marinha ou de barcos de pesca, tornava muito difícil para as mulheres participarem, pois não tinham como integrar uma expedição por tantos dias com uma tripulação exclusivamente masculina. Não tinha um dormitório próprio ou nada que garantisse esse conforto. Agora, essa oportunidade de embarcar se tornou mais igualitária. Nós separamos nos dormitórios apenas mulheres ou homens e todo mundo tem as mesmas condições”, aponta.