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MEIO AMBIENTE

Futuro da Amazônia em debate na COP 28

Expectativa é que os oito países pan-amazônicos se unam na defesa de propostas comuns durante a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Uma delas é a garantia de financiamentos oriundos de países ricos.

Alice Martins

18/08/2023

Centro das atenções da pauta socioambiental, a região amazônica deve ser um dos assuntos mais debatidos pelos participantes da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 28, que será realizada entre 30 de novembro e 12 de dezembro deste ano em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Espera-se que os países que compartilham o bioma (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) apresentem uma posição conjunta diante dos demais chefes de Estado.

É o que ficou determinado após a “Cúpula da Amazônia”, realizada nos últimos dias 8 e 9, em Belém (PA), quando os presidentes dos oito países se reuniram para discutir problemas e soluções em comum. O documento final, intitulado como "Declaração de Belém", determinou que essas oito nações da América do Sul estejam unidas durante a COP 28 para defender a candidatura de Belém como a sede da COP 30, em 2025, dentre outros interesses em comum. 

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Com a participação de Lula e outros sete chefes de Estado, a “Cúpula da Amazônia” definiu os interesses comuns dos oito países na “Declaração de Belém”. (Thiago Gomes/O Liberal)

"Acredito que a região deve levar para a conferência uma voz que não é só dos chefes de Estado, mas uma presença muito forte desde os povos originários, as populações ribeirinhas, aqueles que consideramos os povos da floresta...", comenta o professor Mário Almeida, economista e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia (Unama).

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“Temos que pensar a floresta como um conjunto de interligações de seres vivos", afirma o professor Mário Almeida, da Universidade da Amazônia

A COP - sigla para Conferência das Partes (do inglês, Conference of the Parties) - também se tornou conhecida como Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e teve sua primeira edição em 1995, na Alemanha. Desde então, a Organização das Nações Unidas (ONU) promove um encontro anual com o intuito de reunir países e firmar compromissos que podem mudar a direção das políticas públicas globais. Além de reuniões de chefes de Estado e diplomatas, o evento conta com ampla participação de movimentos sociais, pesquisadores e organizações não-governamentais, por meio de debates, palestras e ações de ativismo. É um espaço para trocar experiências e pensar em soluções para o clima em uma esfera global.

"Na COP 28, precisamos pensar em um conceito de floresta para além das árvores em si. E isso foi inserido, de certa forma, na ‘Declaração de Belém’. Temos que pensar a floresta como um conjunto de interligações de seres vivos. Essa é uma perspectiva muito interessante para os países levarem para a conferência", reflete o professor Almeida.

ANFITRIÃ

A COP deste ano, mesmo antes de ter iniciado, já pode ser considerada um ponto de partida para a edição que terá Belém como sede em 2025. É a primeira vez que a região amazônica será a anfitriã da conferência e a escolha deve ser formalizada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), em Dubai.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), já articulam parcerias com o presidente da COP 28, Ahmed Al Jaber. Lula e Helder já tiveram reuniões bilaterais com o Al Jaber durante a “Cúpula da Amazônia”. Lula  debateu a importância de ampliar a participação social na conferência e Helder assinou um termo de cooperação entre Dubai e Belém para unir esforços em torno da edição de 2025. "Trocamos informações, experiências e desafios. Queremos unir esforços para que Belém possa avançar no sentido de estar preparada para, em 2025, fazermos o mais extraordinário evento de mudanças climáticas do Brasil e do mundo. Eu dizia a ele que a cidade de Dubai está preparada, mas, se Belém ainda tem muitos desafios pela frente, nós temos a floresta amazônica que nos coloca num diferencial", exaltou Helder, na ocasião.

 

Único pavilhão poderá reunir os oito países da região

É possível que, desta vez, os países da Pan-Amazônia contem com um espaço próprio para representar a sua união, como fizeram, no ano passado, os países africanos e algumas nações que compartilham o mar Mediterrâneo. O professor Mário Almeida prospecta que esse ambiente deve vir em nome da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que reúne os oito países e que foi responsável por conduzir a “Cúpula da Amazônia”, em Belém.

"A gente percebeu que sozinhos somos frágeis. Acho que o mundo caminha para a superação daquelas ideias de unipolaridade, de que um é quem manda no restante. Nós vivemos em um mundo muito diferente, pensando no ponto de vista da multilateralidade. Ou seja, pensar em diversos polos de poder e da interrelação entre vários atores", observa o professor. "Criar um espaço da OTCA representaria essa ideia que a ‘Declaração de Belém’ trouxe, de sinergia entre os países que compartilham o bioma", assinala.

 

INTEGRAÇÃO

Na COP 27, o Brasil esteve com três linhas de frente: o estande do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, o pavilhão do Ministério do Meio Ambiente e o Brazil Climate Action Hub, este último composto por um grupo de ambientalistas, cientistas e quilombolas, dentre outros, que formou uma delegação à parte do governo federal para levar suas principais preocupações à conferência.

Para a Amazônia, foi um momento de firmar parcerias e angariar investimentos para fortalecer a preservação do meio ambiente. A região foi o foco dos pronunciamentos de Lula, que, naquele momento, havia sido eleito para o terceiro mandato como presidente da República.

Neste ano, o Brasil volta a ter uma representação integrada, sem o espaço do Brazil Climate Action Hub, como costumava ser até 2018. A informação foi divulgada pelo Instituto Clima Info, um dos responsáveis pela iniciativa, justificando que, agora, há um novo momento político, em que a sociedade civil e o governo federal podem estar juntos, mesmo que ocorram divergências. Ainda não se tem novidades de como será a participação do Consórcio da Amazônia neste ano. (A.M.)

 

Países ricos são pressionados a ajudar as nações mais vulneráveis

Os tópicos elencados na “Declaração de Belém” devem nortear os discursos dos presidentes pan-amazônicos, como a necessidade de se pensar um modelo de desenvolvimento sustentável que respeite os povos da floresta e que tenha os produtos da biodiversidade como base econômica. "Eu acho que a maior questão do financiamento, do fluxo, quem vai receber o recurso e quem vai implementar, deve estar na ordem do dia", aposta o professor Mário Almeida.

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Victor Salviati, da Fundação Amazônia Sustentável: transição para uma economia de baixo carbono. (Dirce Quintino/FAS)

Esse foi o principal tema da COP 27, no ano passado, mas ficaram lacunas a se preencher e, por isso, há a expectativa de que se retomem as negociações. Na ocasião, foi firmado um acordo inédito para fornecer financiamento de "perdas e danos" aos países vulneráveis, atingidos por desastres climáticos. No texto final da conferência, documento que formaliza as decisões tomadas pelos participantes, os governos estabeleceram novos arranjos de financiamento, assim como um fundo dedicado para ajudar os países em desenvolvimento a responder às perdas e danos.

O assunto se refere à ideia de que os países desenvolvidos assumam a responsabilidade e compensação por impactos sofridos por países vulneráveis e em desenvolvimento, já que são os mais ricos que historicamente mais poluíram e agora são os mais pobres que mais sofrem, juntamente com aqueles em posições mais delicadas geograficamente, como os que são ilhas ou arquipélagos (que mais facilmente sentem o aumento do nível do mar e alguns correm o risco de ter seu território totalmente coberto pela água dos oceanos caso não sejam implementadas ações de combate às mudanças climáticas). No entanto, quanto deve ser doado e quem deve receber esse dinheiro, assim como os mecanismos de controle desse repasse, permanecem em aberto. A expectativa de ambientalistas é que na COP 28 seja formalizado um acordo mais completo para lidar com as lacunas que ficaram na última edição.

"Acredito que vamos sair da COP com avanços, em especial sobre critérios de priorização de recursos e em vencer os desafios do artigo 6 do Acordo de Paris", avalia o superintendente de Inovação e Desenvolvimento Institucional da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Victor Salviati. O artigo citado se refere aos mecanismos de mercado necessários para que haja a transição para uma economia de baixo carbono.

Salviati acredita que será um passo a mais também para consolidar a aliança entre o grupo pan-amazônico. "Espero que possam conseguir defender pautas em conjunto. A semente de unificação desse bloco foi plantada na ‘Cúpula da Amazônia’ e deve ser consolidada cada vez mais, até a COP de Belém", avalia Salviati.
 

DESMATAMENTOS

"Há outras coisas à mesa para a COP 28 como, por exemplo, a regulamentação de como será a atuação das florestas tropicais para a mitigação das mudanças climáticas", alerta o pesquisador Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). De acordo com ele, o tema vem sendo discutido desde a COP de 2007, realizada na Indonésia. O país asiático, a Amazônia e os Congos concentram  52% das florestas tropicais nativas do mundo.

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Apesar dos esforços, ainda não há um compromisso global para a redução das taxas de desmatamento em florestas tropicais como a amazônica. (Vinícius Mendonça/Ibama)

Na época, foi estabelecida a necessidade de se ter "compromissos mensuráveis, transparentes e verificáveis para a redução das emissões causadas pelo desmatamento de florestas tropicais", mas, até o momento, não há um acordo formal a nível global.

Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo firmaram um acordo trilateral na COP 27, conhecido como “Opep" ou “Aliança das Florestas”, para cooperação na agenda ambiental e a proteção de florestas tropicais. Durante a “Cúpula da Amazônia”, a parceria foi ampliada para todos os países pan-amazônicos e São Vicente e Granadinas (país que ocupa a presidência da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos).

No novo documento de cooperação, a questão do financiamento climático veio à tona novamente, com a cobrança de que países desenvolvidos cumpram os compromissos anunciados em momentos anteriores, como a mobilização de US$ 200 bilhões por ano, até 2030, previstos pelo Marco Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal para a implementação dos planos de ação e estratégias nacionais de biodiversidade.
 

ENERGIA

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Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia: decisões da COP 28 podem ser influenciadas pelos países produtores de petróleo. (Cimone Barros/Inpa)

A COP deste ano também deve abordar a transição energética, a ideia de que se deve abandonar o uso de combustíveis fósseis (petróleo e seus derivados, o carvão mineral e o gás natural) para migrar a fontes renováveis (energia solar e eólica, por exemplo). "Aqui nós temos um problema de que na ‘Declaração de Belém’ não aparece uma condenação das fontes advindas de combustíveis fósseis. Isso não ficou muito claro no documento", aponta Almeida.

Fearnside destaca que a pressão da sociedade civil, de ambientalistas e pesquisadores deve ser forte quanto a isso. Ainda mais considerando que o país anfitrião, Emirados Árabes Unidos, é o maior produtor de petróleo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). "Uma preocupação é o quanto que essa influência do país e de financiadores da COP 28 deve impactar na tomada de decisões", compartilha. (A.M.)