Pela ausência de meta de desmatamento zero e falta de discussões aprofundadas em relação à exploração de petróleo na região, os resultados da “Cúpula da Amazônia” foram avaliados como abaixo do esperado por especialistas em temas ambientais e a sociedade civil. A “Declaração de Belém”, documento que resultou da reunião dos representantes de oito países sul-americanos, possui 113 parágrafos que tratam de temas como ciência, inovação, gestão de recursos hídricos, mudanças climáticas, proteção das florestas, povos originários e combate aos crimes ambientais. A “Cúpula da Amazônia” aconteceu na terça-feira, 8, e quarta-feira, 9, no Hangar Centro de Convenções, em Belém.
"A negociação é sempre um processo mediado, porque ninguém pode impor a sua vontade ao outro. Então, são consensos progressivos. Na medida em que temos alguns consensos, a gente vai botando no documento", disse a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, em entrevista ao canal oficial do governo federal.
Para a coordenadora executiva do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns, Auri Arapiuns, foi importante o evento ocorrer no Pará, um Estado com elevadas taxas de desmatamento e onde indígenas sofrem ameaças de morte. Apesar do simbolismo, ela lamenta as divergências entre os presidentes dos oito países. "Nos causa estranheza... se é para discutir formas de controlar a crise climática, é preciso que todos os presidentes se comprometam a zerar o desmatamento e proteger as pessoas e territórios. Também tínhamos a perspectiva que o governo brasileiro iria anunciar novas demarcações de terras indígenas. Quando soubemos que isso foi cancelado, ficamos frustrados. Mas que bom que viemos até Belém para cobrar, participar e nos manifestar. Valeu a pena, pois não é possível uma discussão sobre nós sem nós. Somos responsáveis pela proteção do meio ambiente e valorização dos saberes tradicionais. Mas seguimos na luta e com esperança", afirma.
Para o professor Ivan Silva, da Universidade Federal do Amapá, um dos destaques foi a declaração do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, cobrando que os países mais ricos garantam as compensações financeiras aos países mais pobres, que arcam com os piores ônus das emissões do Norte Global. "Do ponto de vista nacional, esse governo tem um deslocamento de foco principal de preocupação, que era a região Nordeste nos primeiros governos petistas. A Amazônia ficou em segundo plano naquela época, mas, agora, é a bola da vez. Houve um vale-tudo generalizado no governo Jair Bolsonaro, que permitiu a solidificação de poderes paralelos relacionados ao garimpo ilegal e à grilagem em regiões amazônicas e isso aumentou a necessidade de se aprofundar nos debates sobre a região. Do ponto de vista político, as coisas nunca são oito ou 80. Avançamos muito, a despeito dessas lacunas. Então, a perspectiva futura é positiva", afirma o professor, que é vice-coordenador do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal.
A pesquisadora Ima Vieira, do Museu Paraense Emílio Goeldi, argumenta que o mais importante é que os países caminhem juntos para alcançar os objetivos comuns. Com os países mais próximos por meio do reavivamento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Ima acredita que é hora de planejar o futuro. "Um aspecto importante que deveria ser fortalecido é um programa conjunto de ciência e tecnologia entre os países. Isso poderá acelerar o conhecimento sobre a biodiversidade e processos ecológicos das florestas, que é a base científica necessária tanto para programas de bioeconomia quanto para análise dos impactos das mudanças climáticas", afirma a pesquisadora.
Acordo amazônico é criticado pela imprensa internacional
Na imprensa internacional, a repercussão da “Cúpula da Amazônia” foi alta, com destaque para o objetivo frustrado de um acordo para uma meta de desmatamento zero, bem como a ausência do termo "combustíveis fósseis" no documento final da reunião. O jornal “The New York Times”, dos Estados Unidos, publicou em seu site que o acordo projetou uma unidade simbólica significativa entre os países da região, mas ficou aquém das maiores ambições que Lula esperava realizar, especialmente após ele tornar a agenda ambiental uma parte central do terceiro mandato para o qual foi eleito.
"Nos meses que antecederam a ‘Cúpula da Amazônia’, Lula pressionou os líderes da Bolívia e da Venezuela para que firmassem o compromisso de acabar com o desmatamento nos seus países até 2030, um compromisso que os outros seis países da bacia amazônica já haviam assumido na COP 26, em Glasgow (Escócia), em 2021. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que adotou as políticas mais progressistas da região em matéria de conservação, pressionou Lula a se comprometer a proibir todas as perfurações de petróleo na floresta amazônica, mas o Brasil ainda tem planos para um enorme projeto na foz do rio Amazonas", apontou o jornal.
Também nos Estados Unidos, o site do jornal “Los Angeles Times” afirmou que apesar de ficar abaixo das expectativas, a reunião foi importante, já que "a cooperação transfronteiriça na Amazônia tem sido historicamente escassa, prejudicada pela pouca confiança, pelas diferenças ideológicas e pela falta de presença do governo. A crescente consciência ambiental e o reconhecimento generalizado da importância da Amazônia para travar as alterações climáticas revigoraram o impulso para uma mudança de paradigma". O jornal destacou ainda a ideia de Lula de criar o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia na cidade de Manaus, no Amazonas.
Para o jornal espanhol “El País”, a reunião pode até ser “política”, mas é vital para a existência da humanidade. O periódico acredita que foi uma boa oportunidade para o Brasil mostrar ao mundo que se preocupa com a conservação das florestas e que tem capacidade de agregar líderes em torno da pauta. "(A Cúpula) ocorre após anos de negação das mudanças climáticas e aceleração do desmatamento (durante o governo do) antigo presidente Jair Bolsonaro", destacou o “El País”.
DECEPÇÃO
Também na Europa, o jornal alemão “Deutsche Welle” destacou o clima generalizado de decepção entre os especialistas na área ambiental. O jornal salientou que após 14 anos de silêncio, os países da região reconheceram a urgência de trabalharem juntos pela proteção da Amazônia, mas não fixaram metas conjuntas ou prazos para acabar com o desmatamento.
"Enquanto o anfitrião Luiz Inácio Lula da Silva cobrou na cúpula que países ricos se responsabilizem por financiar o desenvolvimento sustentável da região, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, criticou a expansão de atividades petroleiras, apontada por cientistas como uma das principais causas da crise climática. Em seu discurso na abertura do evento, Petro diz enxergar um 'enorme conflito ético', sobretudo por 'forças progressistas', que deveriam ouvir a ciência. A mensagem do colombiano pareceu ser uma indireta ao governo de Lula, que considera avançar com os planos de extrair petróleo da foz do Amazonas", publicou o jornal.
Já a agência de notícias Reuters foi categórica ao afirmar que a reunião fracassou no objetivo de construir metas de desmatamento zero. Segundo a reportagem, a “Declaração de Belém” corrobora a visão de "muitos cientistas que afirmam que os políticos tomadores de decisão estão agindo com muita lentidão para evitar um aquecimento global catastrófico". O jornal também destacou que a “Cúpula da Amazônia” também não fixou um prazo para acabar com a mineração ilegal de ouro, embora os líderes tenham concordado em cooperar nessa questão e em combater melhor os crimes ambientais transfronteiriços. Por fim, o jornal colombiano “El Tiempo” destacou a proposta do presidente Gustavo Petro de criar um tribunal internacional cuja principal tarefa seria julgar crimes ambientais contra a Amazônia. (E.L.)
ONGs cobram medidas mais urgentes para solucionar a crise climática
Dezenas de Organizações Não Governamentais (ONGs) acompanharam de perto a programação da “Cúpula da Amazônia”. Para o diretor de Programas do Greenpeace Brasil, Leandro Ramos, a “Declaração de Belém” não traz medidas claras para responder à urgência das crises que o mundo vem enfrentando. "Sem essas medidas, os países amazônicos não conseguirão mudar a atual relação predatória com a floresta, a sua biodiversidade e seus povos. E o pior é que os compromissos assumidos na declaração não dão uma sinalização clara de como os governos amazônicos pretendem agir em conjunto para responder à crise climática, que já é uma realidade para a população amazônica, principalmente para aquelas que vivem nas periferias das cidades da região".
Diretora-executiva da The Nature Conservancy Brasil, Frineia Rezende avalia que a “Declaração de Belém” não possui compromissos efetivos. Segundo ela, embora haja pontos relacionados à energias renováveis, não há metas e prazos claros para uma transição justa e equitativa.
"Não fica explícito, tampouco, o compromisso com a descarbonização, uma bandeira defendida pela Colômbia. De positivo, há o esforço dado ao ponto de não retorno e à criação do Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia, no âmbito da OTCA. Porém, faltou mencionar o compromisso de manter o aquecimento global em 1,5ºC. O documento reconhece a necessidade de acelerar os processos de adaptação climática, como, por exemplo, cooperação na gestão de riscos e desastres, em particular no enfrentamento a inundações, secas intensas e incêndios florestais, para enfrentamento da emergência climática. As menções a respeito aos direitos indígenas e povos tradicionais são positivas, mas ainda é preciso garantir a promessa de inclusão”, argumenta.
CRÍTICAS
Já o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, afirma que "a ‘Declaração de Belém’ é um acordo bastante inicial. Um primeiro passo, mas que ainda não oferece nenhuma resposta concreta ao mundo em que estamos vivendo. O planeta está derretendo, estamos batendo recordes de temperatura todos os dias. Não é possível que, num cenário como esse, oito países amazônicos não consigam colocar numa declaração, em letras garrafais, que o desmatamento precisa ser zero e que explorar petróleo no meio da floresta não é uma boa ideia. Em resumo, o documento pecou pela falta de contundência. Ele é uma lista de desejos, e os desejos são insuficientes."
"Há ainda muitas perguntas sem respostas. Mas algo se tornou claro na ‘Cúpula da Amazônia’: não há mais tempo a perder ou agendas a serem adiadas. Qualquer coisa menor que a ação imediata e transformadora vai nos deixar sem floresta em pé, ameaçando a saúde global e das comunidades que dela dependem", declarou Rachel Biderman, vice-presidente sênior da Conservação Internacional.
CAMINHO
“A cúpula nos deixou com muita esperança de que os países amazônicos estejam se unindo por um melhor caminho para a floresta e seus habitantes, impulsionando um movimento global por uma economia mais sustentável. A ‘Declaração de Belém’ é um importante primeiro passo. Agora, os países amazônicos precisam colocar essas ideias em prática – criando um plano com ações específicas, políticas públicas e marcos temporais. E uma estratégia para a atração dos investimentos necessários para tornar isso realidade. Uma nova e mais forte economia para os países amazônicos não apenas é possível, mas vital para melhorar as condições de vida de seus habitantes e proteger a floresta, beneficiando toda a humanidade", afirma Adriana Lobo, do World Resource Institute. (E.L.)