Os representantes de oito países-membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) - Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela - se reunirão na terça-feira, 8, e quarta-feira, 9, durante a Cúpula da Amazônia, na capital paraense.
As reuniões e debates devem resultar na assinatura da "Declaração de Belém", um acordo de 130 parágrafos entre os países. O documento deve iniciar uma caminhada conjunta rumo à próxima Conferência do Clima (COP 28), da Organização das Nações Unidas (ONU), que será realizada de 30 de novembro a 12 de dezembro deste ano, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Entre os principais temas do documento estarão o combate ao desmatamento, ao garimpo ilegal e ao crime organizado, bem como a geração de renda de maneira sustentável na região.
“Nós vamos cuidar do nosso planeta. Quem não acredita que as coisas estão ficando feias é só acompanhar o que está acontecendo no mundo, Chove demais onde não chovia, faz seca demais onde não fazia”, disse o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a live semanal do programa "Conversa com o Presidente", ao falar sobre a Cúpula da Amazônia. Lula afirmou que o evento reunirá mais de cinco mil “intelectuais, cientistas, pesquisadores e ambientalistas, para construir uma coisa sólida para apresentar ao mundo”.
Amazônidas
A secretária para América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Gisela Padovan, lembra que a OTCA já realizou outras três reuniões nos últimos 45 anos, mas que agora há novos atores e outras demandas.
"O Tratado previa um equilíbrio entre preservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico. Agora, temos um terceiro eixo: a participação social. E isso é parte fundamental. O governo estabeleceu um lema, que é nada sobre a Amazônia sem os amazônidas. Portanto, buscamos acomodar e incluir os mais diferentes atores e grupos da Amazônia, um espaço tão diverso com inúmeras demandas próprias", diz ela, ao lembrar que a Cúpula da Amazônia é o reconhecimento de que é necessário que haja uma atuação integrada entre os países para que todos possam defender os interesses do bioma e de quem habita ele.
Padovan lembra que, após um seminário em maio, uma sugestão de minuta foi enviada para os demais países, para que fosse analisada e sujeita a modificações. Logo após, em Leticia, na Colômbia, houve a Reunião Técnico-Científica da Amazônia, um evento organizado pelo governo colombiano para que mais debates fossem feitos. Lá, cinco porta-vozes da sociedade civil foram ouvidos. Eles conversaram diretamente com os presidentes e isso irá se repetir em Belém. Como diversos eventos foram organizados para anteceder a Cúpula da Amazônia, a exemplo da iniciativa "Diálogos Amazônicos", a ideia é que cinco relatores de cinco eixos temáticos diferentes participem dessas discussões e levem conclusões e sugestões para entregar nas mãos dos presidentes.
"Fizemos um processo bastante amplo, pois não dá para falar de Amazônia sem valorizar os conhecimentos tradicionais. O objetivo é fortalecer a OTCA. Inclusive, é o único organismo internacional com sede em Brasília (DF). Recomendo que todos conheçam, pois é uma realização que nos deixa orgulhosos de sermos brasileiros. A origem da OTCA, idealizada pelo embaixador (Rubens) Ricupero, era aumentar o conhecimento sobre os temas amazônicos. Isso é porque sem conhecimento profundo, não há como melhorar a vida da população. Os países da Amazônia não possuem um Índice de Desenvolvimento Humano excelente e, dentro deles, as regiões amazônicas são ainda mais vulneráveis. Então, nós precisamos discutir isso sob todos os aspectos, inclusive financiamento, pois a posição do governo é que o financiamento externo é bem-vindo e necessário por conta da magnitude dos desafios, sempre enfatizando que a gestão dos recursos deve ser dos países amazônicos", diz ela, que também destacou a importância de outras duas ideias anunciadas pelo presidente Lula: a criação de um centro policial de países da Amazônia, em Manaus (AM), e do Sistema Integrado de Tráfego Aéreo da Amazônia.
Encontro é para alinhar os discursos para a COP 28
Seis dos oito presidentes de países sul-americanos estarão presentes em Belém: Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia e Guiana. As exceções são Suriname e Equador. Por problemas nas agendas, os presidentes Chan Santokhi e Guillermo Lasso, respectivamente, enviarão representantes oficiais. Além disso, foram convidados para a Cúpula da Amazônia outros países em desenvolvimento com florestas tropicais: a Indonésia, a República do Congo e a República Democrática do Congo.
O convite foi estendido para a França, por conta da Guiana Francesa, e São Vicente e Granadinas, país que está na cadeira da presidência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos.
Entraram também na lista de convidados a Alemanha e Noruega, contribuintes do Fundo Amazônia, programa de financiamento de iniciativas sustentáveis retomado pelo governo federal em 2023. Antes da Cúpula propriamente dita, com as reuniões a portas fechadas entre os presidentes, os ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores dos países participantes vão se reunir amanhã.
"O presidente Lula quer caminhar junto com esses países para chegar bem alinhado na COP 28 em Dubai. O convite para a Indonésia, Congo e República Democrática do Congo faz parte da aliança criada em 2022 em comunicado conjunto, quando os países decidiram cooperar na área de florestas e mudanças climáticas. Isso amplia e internacionaliza esse debate tão importante. Os dois Congos participarão com presidentes e São Vicente e Granadinas enviará o primeiro-ministro. Estamos negociando bastante, pois nem todos os países possuem metas de desmatamento zero na região. Nossa principal urgência é evitar que a Amazônia chegue a um ponto de não retorno em relação à degradação", diz Maria Angélica Ikeda, diretora de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores.
Protagonismo
Para o secretário de Meio Ambiente, Energia e Clima do Ministério das Relações Exteriores, André Lago, nada comprova mais a soberania de um grupo de países do que demonstrar a capacidade de dialogar e atuar em conjunto em prol dos próprios territórios. "Temos ciência, temos instituições, temos conhecimento... Será uma oportunidade de demonstrar para o mundo que estamos conscientes dos desafios e cientes de que é hora de se debater soluções. Cada vez mais, precisamos nos colocar nesse protagonismo, reafirmar que temos uma sociedade civil forte e uma população local disposta a capitanear essas discussões. Essa integração é valiosa, pois se o Brasil combate de maneira super eficiente o desmatamento, talvez esses crimes se desloquem para países com menor poder de fiscalização. Por isso, é importante essa coordenação", defende.
Segundo André Lago, eventos como a Cúpula da Amazônia e a COP 30, que ocorrerá em 2025, em Belém, possuem efeito similar ao da Rio 92. "Foi um momento em que o Brasil era muito criticado pelos focos de incêndio na Amazônia e decidiu convidar todos para uma conferência aqui. Uma atitude interessante e objetiva que permitiu que as delegações se dessem conta das proporções dos desafios do país. A COP 30 será um exercício similar, para o mundo ver, enfim, a Amazônia. E ir além das florestas, pois precisamos debater as cidades. Afinal, dez milhões de amazônidas moram em cidades acima de 100 mil habitantes. A Amazônia não é essa entidade igualitária e única. É um centro de diversas realidades distintas que precisam ser compreendidas", aponta. Também participarão do evento o presidente da COP 28, Sultan Ahmed al-Jaber, e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff.
Vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Alcebias Constantino conta que a entidade organizou a viagem de mais de mil representantes dos povos indígenas até Belém, com foco nos eventos paralelos à Cúpula da Amazônia.
"Somos povos tradicionais que precisam ter de volta os próprios territórios. Defendemos a vida e, para nós, a vida são os nossos territórios. Sem isso, não temos nada, nem saúde e educação. Temos uma ligação muito intensa com a nossa terra, algo que a física e a biologia não conseguiriam explicar. É uma conexão nossa, espiritual, ancestral... Quando estamos ameaçados, buscamos refúgio na natureza, nessa dimensão própria que envolve a água, a natureza e a floresta. Para nós, nosso território é sagrado", diz Alcebias, que espera ver discussões sobre desenvolvimento sustentável e inclusivo ao longo da Cúpula da Amazônia, bem como uma atenção especial para a questão da demarcação territorial. "É uma briga de 523 anos. Mais do que pautar os planos para frear as mudanças climáticas, é preciso dar oportunidade para quem está fazendo as coisas acontecerem, ter voz. Quem está sofrendo com isso diretamente? Quem passa por isso no dia-a-dia? Quem coloca a mão na massa? Essa é a reflexão que precisa ser feita", sublinha Alcebias, que vive na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Direitos
O tesoureiro da Federação dos Povos Indígenas do Pará, Ronaldo Amanayé, conta que oito diretórios étnico-regionais da entidade estarão nos eventos derivados da Cúpula da Amazônia, com representantes de mais de 60 povos.
"É um ensaio para a COP 30. Queremos ouvir, ter voz e denunciar o desmatamento, a invasão de terras indígenas e o garimpo ilegal. Estamos nessa expectativa boa, pois é um passo para que mais políticas públicas cheguem aos nossos territórios. Sempre falo que temos que ter territórios demarcados, homologados e protegidos. E devemos ter um acordo para que, na prática, possamos construir planos de ação entre os oito países para combater a crise climática. Para nós, indígenas, guardiões da natureza, é essencial ter ajuda do governo, seja com transporte ou equipamentos, fazendo uma preservação ambiental com fiscalização de maneira integrada. Precisamos estar integrados nas estratégias de proteger o planeta", comenta.
Ideias
A bióloga Karen Oliveira, que atua como diretora para políticas públicas e relações governamentais da organização The Nature Conservancy, visualiza a Cúpula da Amazônia como um momento de debate ampliado que vai gerar diversas discussões que irão perdurar por meses. Segundo ela, os eventos devem buscar ideias para um desenvolvimento sustentável, que utilize a floresta de maneira responsável.
"Um dos desafios é fazer uma escuta ativa e realmente participativa. O processo de decisão para a realização da Cúpula da Amazônia ocorreu em um espaço de tempo muito curto, o que afetou o processo de escuta e participação. Mas temos que reconhecer o esforço da iniciativa. A sociedade civil vai promover vários diálogos e eventos paralelos e esperamos que isso possa ser levado para as reuniões dos altos níveis ministeriais e presidenciais, para que seja incorporado na declaração final de acordos assinados pelos presidentes", argumenta.
Urgência
Para Thamiris Cardoso, representante da Associação de Moradores e Produtores Quilombolas do Abacatal - Sítio Bom Jesus, a expectativa é que a reunião entre os líderes amazônicos reconheça as demandas dos povos tradicionais como urgentes. "É um evento que deve trazer visibilidade aos povos tradicionais. A gente espera mostrar as demandas, onde o Estado falta, pois há muitos problemas a serem resolvidos. Queremos estradas de qualidade, educação de qualidade, atendimento em saúde de qualidade. Queremos dignidade e que líderes de outros países entendam a realidade dos povos tradicionais no Brasil. Nosso território tem 313 anos e a estrada nunca foi asfaltada, nunca tivemos pavimentação digna ou infraestrutura boa. E estamos dentro da Região Metropolitana de Belém. Nos sentimos esquecidos. Somos taxados como um quilombo que só quer confusão e mídia, mas queremos somente nossos direitos atendidos e levaremos nossas demandas à Cúpula da Amazônia. Não queremos privilégios: queremos que nossos direitos sejam reconhecidos, pois temos todos nossos direitos garantidos por lei na Constituição Federal. Queremos respeito, pois somos cidadãos brasileiros como todos. No fundo, todo amazônida quer isso: viver com dignidade na Amazônia", afirmou.