Talvez você ainda não tenha escutado falar nela, mas a tendência é que esse nome seja cada vez mais ouvido: golosa. Trata-se de mais uma opção no variado cardápio de frutas amazônicas e que, aos poucos, vem sendo descoberta pelos habitantes da região. A fruta já é sucesso no sudoeste do Estado do Pará, em especial no município de São Félix do Xingu. A espécie frutífera é predominante às margens dos rios Xingu e Fresco, foi catalogada com o nome científico Chrysophyllum cuneifolium e tem um sabor ácido e doce, com um gosto que para uns remete ao cupuaçu, enquanto outros percebem mais semelhanças com o da graviola. É um fruto de formato ovalado, que pesa entre 250 e 300 gramas, podendo ter de uma a quatro sementes - e pode virar doce, musse, suco e o que mais a imaginação gastronômica conseguir realizar.
A produção anual do fruto varia entre 10 mil e 15 mil quilos por ano e a maior parte é consumida pelos moradores de São Félix do Xingu. A estimativa é que a produção comece a ganhar escala, já que antes era restrita aos golosais nativos, mas, agora, já há plantios espalhados pela região.
Na região Norte, a fruta também já foi identificada nos Estados do Amapá e Amazonas. Nas comunidades ao longo do rio Fresco, a golosa é produto de consumo tradicional, incorporada à alimentação diária das famílias e muito apreciada. Foi daí, inclusive, que teria surgido o nome peculiar: a fruta é tão gostosa que desperta a gula de quem consome.
DIFERENCIAIS
Coordenador da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) em São Félix do Xingu, o extensionista rural Mario Gomes da Silva lembra que o papel da golosa vai além da alimentação. "É um plantio ideal para a recuperação de matas, pois é um espécie que lida muito bem com as margens de rios e córregos. É uma árvore que pode chegar a até 30 metros de altura. Então, além da recuperação de áreas degradadas, pode ser utilizada para o sombreamento do cacau", explica Mario. Essa função da árvore da golosa é importante porque os dados da Emater apontam que 104 hectares de terras degradadas precisam passar pelo processo de recuperação em São Félix do Xingu.
O potencial produtivo da golosa também é um diferencial, na visão de Mario.
"É uma fonte de renda que vale a pena investir, pois durante a safra gera-se muito dinheiro com o fruto e a polpa em si. A demanda é alta na região. A safra começa em dezembro e pode ir até fevereiro. De 2020 até 2023 foram distribuídas aproximadamente 15 mil mudas e queremos chegar a 20 mil até 2024. O principal desafio é aumentar a produção e ampliar a área plantada. É uma missão enorme, mas que terá muitas vantagens e retornos no quesito de geração de empregos e renda e também na recuperação de áreas degradadas. Vejo que o crescimento é uma questão de cultura, pois o cacau já está muito consolidado na região. Creio que a golosa seguirá no mesmo caminho: uma única árvore, adulta e nativa, chega a produzir 500 quilos de golosa por ano. Além disso, o início de produção é, em média, a partir de cinco anos após o plantio. Tem tudo para crescer e virar a bola da vez", aposta Mario.
Produção e comercialização de frutas une mulheres em associação
A moradora Josefa Machado começou a se interessar pelo plantio de mudas frutíferas na metade dos anos 2000, uma época em que o sítio dela ainda nem contava com energia elétrica. Ela foi se aproximando da associação de produtores do município de São Félix do Xingu e começou a plantar cacau. Mas a propriedade dela foi tomada por um incêndio em 2007 e toda a plantação foi queimada. Em outra chácara, Josefa retomou a ideia de trabalhar com o plantio e venda de frutas. Foi aí que a golosa entrou na vida dela. Hoje, Josefa preside a Associação das Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas de São Félix do Xingu, uma entidade que já conta com 55 associadas.
"Desde que formamos a associação e começamos a vender golosa, isso virou uma renda a mais para a família, com mais independência das mulheres produtoras. Você produzir algo seu e vender é sinônimo de autonomia, ajuda a gente a dar andamento nos nossos planos, projetos, sonhos... Antes tínhamos mais produção de leite e cacau, ou seja, algo pouco diversificado. Hoje se aproveita tudo que se planta nos quintais. É o que mantém as propriedades. Fico feliz vendo o interesse pela golosa. É uma fruta que é a cara do Xingu. Ela já é muito procurada pelo pessoal que vem de fora. Era só nativa, mas, agora, já temos plantio, e com dez anos de plantada ela já está produzindo em abundância. A golosa tem uma essência forte, nativa, diferente... O reconhecimento fora da cidade ainda precisa crescer mais, pois quem não conhece e experimenta sempre ama", garante a produtora.
Josefa conta que os plantios de golosa na região começaram com ela e um vizinho, já que o marido dela conhecia bem a fruta, hoje implantada no sistema agroflorestal que a família cuida. Josefa lembra que a golosa precisa ser escaldada antes de ser manipulada, tornando mais fácil a retirada do leite da fruta.
"Se não escaldar, até na hora de fazer o suco ele vai grudar no copo, dá uma liga... Tem que ser escaldada. Tem quem coma a fruta pura, faça musse ou bata como vitamina. É gostosa de todo o jeito", explica Josefa.
DIVULGAÇÃO
A produtora acredita que o potencial comercial da fruta é enorme, mas que a golosa precisa ser melhor divulgada. Além disso, há outros desafios para garantir uma produção do fruto in natura e polpas em larga escala.
"A gente ainda perde muita fruta por não ter como colher tudo em um curto período de tempo. Tem também o problema da falta de uma câmara fria, que seria ideal para garantirmos a conservação de grandes quantidades da fruta in natura e da polpa de golosa para iniciar as vendas para os compradores de fora do município. E precisamos aumentar também a capacidade de processamento, pois muitos golosais plantados há alguns anos vão dar frutos em breve. Isso vai demandar mais processamento", afirma.
Espécie é rica em nutrientes, aponta estudo
Mesmo quem recorre à internet encontra poucas informações sobre a golosa. A fruta tem se tornado, aos poucos, objeto de estudos em diferentes áreas. O engenheiro de alimentos Flávio Santos tem se dedicado a entender melhor os componentes e características da espécie. De acordo com ele, os estudos iniciais demonstram se tratar de uma fruta com alto potencial nutritivo.
"É uma fruta rica em nutrientes. As análises de laboratório já mostram uma presença alta de ácido cítrico, bem como de ácido ascórbico, vitamina C e fibras. Muitas fibras. Conseguimos mapear a fruta fisicamente e quimicamente e encontramos, inclusive, muita evidência de nutrientes com potencial até para a indústria farmacêutica, um uso clássico na região amazônica. Estamos pesquisando também os possíveis subprodutos dela, um caminho aberto para possibilidades além da alimentação", explica Flávio.
"Sabemos também que perde-se muita golosa pela competição com os animais na floresta. Ela cai no chão e atrai animais ao redor da planta e, quando é coletada, está muito mordida. Outro dado interessante é que ela tem uma massa polposa entre 75% e 80%, o que é considerado alto. É uma polpa de fácil extração e manuseio", relata Flávio.
Vanessa Kiua Macedo, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, é a autora de um trabalho para a determinação taxonômica da golosa. Ela argumenta que trata-se de uma espécie rara, e, portanto, deve ser prioridade em ações de conservação. Ela conta que a família Sapotaceae, ao qual a golosa pertence, apresenta diversos problemas em relação à taxonomia, pois há vários grupos de espécies em que limites e o status não estão bem definidos, mas que há três subespécies da golosa. As espécies estudadas por ela, coletadas durante o estudo, foram tombadas sob o nome Chrysophyllum cuneifolium, sendo então o primeiro registro botânico da espécie em São Félix do Xingu.
"Com o aumento do desmatamento na Amazônia, especialmente em São Félix do Xingu, as áreas dos golosais estão ameaçadas, o que pode levar a espécie ao risco de extinção local. Devido ao desmatamento avançado nesta região, buscam-se alternativas para a conservação da espécie, uma vez que estudos taxonômicos são a base para a conservação de espécies, no sentido de que é preciso conhecer para conservar. Além de conhecer, é importante para os estudos de diversidade, que tenha o registro da espécie na região, por meio da coleta botânica e tombamento de sua exsicata (exemplares de plantas secas, identificadas e armazenadas em herbários)", afirma.
Prefeitura e Imaflora apoiam a produção
O secretário municipal de Agricultura de São Félix do Xingu, Marlos Peterle, acredita que a fruta pode ganhar apelo mundial por conta da chamada marca "Amazônia". Ele diz que a fruta faz sucesso em feiras do setor e que até uma sorveteria de Belém já se interessou pela fruta, mas os pedidos de volumes expressivos ainda são um entrave.
"É uma fruta sazonal, então quantidades altas ao longo de todo ano é impossível. Mas agora que iniciaram os plantios comerciais isso vai mudar, creio que vamos conseguir alavancar a fruta", explica Marlos.
Atualmente, a secretaria incentiva o consumo da polpa na merenda escolar e o trabalho principal do órgão é a produção de mudas para distribuição, com coleta anual da semente no golosal nativo. "A gente colhe o fruto e faz parceria com a associação de produtoras. No viveiro, fazemos a germinação das sementes para as mudas, com distribuição gratuita e foco nos sistemas agroflorestais de cacau, que precisam de sombreamento. Então, para quem já planta cacau, acaba virando uma segunda fonte de renda. Queremos difundir as mudas com o maior número de produtores possíveis", afirma o secretário.
Hoje, entre 150 e 200 produtores recebem entre oito mil e dez mil mudas por ano. O período de frutificação chega a oito anos e os preços variam entre R$ 10 e R$ 20 por lata. No ápice da produção, a fruta fica ainda mais barata, com muitos ribeirinhos se dedicando à colheita.
"No futuro, esperamos trabalhar com sistemas de enxerto para expandir a golosa e deixar a fruta mais viável economicamente, além de buscar parcerias com quem possa aumentar o raio de alcance dos produtos dela", afirma Marlos.
MARKETING
A analista de projetos Celma de Oliveira, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, acredita que tudo o que a golosa precisa para deslanchar é um pouco mais de marketing. "Sempre que visitamos as comunidades, vemos aumentando o interesse dos agricultores na golosa. Já vemos moradores de outros municípios da região da rodovia PA-279 se deslocando até São Félix do Xingu para comprar. A associação de mulheres já possui um selo de produto artesanal vegetal emitido pela Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará, com a golosa sendo a 14ª fruta que elas fazem polpa. Ou seja, isso diversifica a produção, gerando emprego, renda e preservação", afirma Celma.