Compartilhar conhecimento é uma das chaves para que a região pan-amazônica combata as mudanças climáticas. Por isso, os oito países que compartilham o bioma (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) decidiram formalizar cooperações internacionais para proteger a fauna, a flora, os recursos hídricos e os habitantes da região. Uma delas é a criação do chamado IPCC da Amazônia, um painel que reunirá informações científicas da região, para gerar relatórios que auxiliem na tomada de decisões políticas.
O nome IPCC se refere ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC, em inglês), que é um grupo de trabalho formado por cientistas e estabelecido pelas Nações Unidas para monitorar e assessorar a ciência global relacionada às mudanças climáticas. O IPCC gera relatórios que mostram como o planeta está reagindo às interferências humanas e fornecem aos governos dados cruciais para a tomada de decisões políticas climáticas nacionais e regionais, assim como servem de base para as negociações internacionais sobre as mudanças climáticas.
Se o IPCC atua na esfera global, o IPCC da Amazônia agora trará uma visão conjunta da região. Essa foi uma das novidades anunciadas durante a “Cúpula da Amazônia”, realizada nos últimos dias 8 e 9, em Belém (PA). Foi um encontro promovido pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que reuniu os chefes de Estado dos oito países da região.
"A proposta aprovada foi criar um mecanismo similar para reunir, em uma única plataforma, os dados científicos disponibilizados sobre essa grande região", explica a diretora de políticas públicas e relações governamentais da The Nature Conservancy (TNC), Karen Oliveira. A diretora acrescenta que a Amazônia já é um bioma altamente estudado, ainda que se tenha muito a se investigar. "Existem, inclusive, espécies vegetais e animais que ainda não foram descobertas e que estão na Amazônia", aponta.
CENTRALIZAÇÃO
Porém, as informações científicas estão muito dispersas, espalhadas entre as instituições de pesquisa. "Algumas informações nem no Brasil estão. Então, a criação desse painel, junto com os cientistas que já se dedicam e construíram outras plataformas, é um excelente caminho para centralizar as informações em um único local, recebendo diferentes aportes, tendo uma governança participativa e democrática, no sentido de também tornar esses dados mais acessíveis", ressalta Karen.
De acordo com ela, pode-se esperar que o painel amazônico tenha grupos de trabalho similares ao IPCC, abordando temas como a biodiversidade; o uso sustentável da floresta (inclusive a bioeconomia); a Amazônia urbana (as cidades pan-amazônicas); e a relação entre mudanças climáticas, os gases de efeito estufa e os estoques de carbono existentes na região.
Os trabalhos do IPCC da Amazônia serão liderados pelo Brasil através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). "A Amazônia é chave no processo do combate às mudanças climáticas. É o bioma que concentra a maior diversidade do planeta e tem um papel fundamental para o equilíbrio. Com esses dados científicos, vamos poder acelerar a criação e a implementação de soluções", reforça Karen.
Brasil vai transferir tecnologia para os países vizinhos
Outra cooperação firmada durante a "Cúpula da Amazônia" é a que estabelece que o Brasil vai transferir a tecnologia de monitoramento por satélite para os países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
Em entrevista à imprensa, a ministra do MCTI, Luciana Santos, informou que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que acompanha o desmatamento da floresta através de imagens de satélite de observação da Terra, fará uma capacitação de pesquisadores e especialistas dos países da Amazônia para a implementação de programas de monitoramento do bioma em seus territórios.
“Todos sabem que o Inpe é referência global no monitoramento dos biomas brasileiros, em especial, da Amazônia. É essa competência que nos coloca como potência científica na América Latina e como importante elo na construção das relações internacionais do Brasil”, disse a ministra.
MONITORAMENTO
Os países da OTCA poderão, então, aprender como usar essas tecnologias para fazer previsões e basear políticas públicas, como o Brasil já faz. Desde 1973, o País usa imagens de satélites para ter uma imagem precisa, vista de cima, de seus territórios. A partir de 1988, o projeto Prodes, do Inpe, passou a monitorar o desmatamento por corte raso (remoção completa da floresta em uma área) na Amazônia Legal. Basicamente, as imagens mostram como estava um território antes e depois e, pela comparação, é possível observar o quanto foi retirado da cobertura vegetal. Anualmente, obtém-se a taxa de crescimento ou redução desse desmatamento. Com essa informação, os governos e os órgãos que atuam na preservação da floresta podem observar em quais locais a situação está mais crítica, onde é preciso ter mais atenção e, assim, desenvolver estratégias de atuação.
Em 2004, foi criado o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real, o Deter, que faz o monitoramento diário (diferente do Prodes, que é anual) e serve para agilizar a fiscalização ambiental e o uso de força policial se necessário. O Deter gera alertas rápidos para que órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) possam agir imediatamente contra o desmatamento. (A.M.)
Inteligência artificial é usada para analisar imagens geradas por satélites
São diversos os satélites que provêm as imagens analisadas pelo Inpe, como o norte-americano Landsat, o CBERS-6 (resultado de uma parceria China-Brasil) e o Amazônia 1, o primeiro satélite de observação da Terra completamente projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil. Contudo, mais importante que apenas ter acesso a esses dados, é aprender como interpretá-los. Por isso, a importância de se capacitar os países vizinhos.
Coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e demais Biomas Brasileiros, do Inpe, Cláudio Almeida esclarece que já foi feito um treinamento do tipo com os demais países da OTCA, entre os anos de 2010 e 2014, por meio de um projeto financiado pelo Fundo Amazônia, um mecanismo que capta e gere as doações em dinheiro para a preservação da biodiversidade amazônica. "Compartilhar o conhecimento é um ganha-ganha. Às vezes você cria uma ferramenta, mas só conhece uma parte da informação e nem imagina outras possibilidades de uso. Quando outros colegas passam a usar também, enxergam novas funcionalidades e a tendência é ir aprimorando cada vez mais", acredita o coordenador.
Agora, a ideia é compartilhar a tecnologia mais recente desenvolvida pelo Inpe, que utiliza inteligência artificial para analisar as imagens com alto poder computacional, um composto chamado BDC (Brazilian Data Cube ou Dados em Cubo Brasileiros, em tradução livre) e SITS (Satellite Image Time Series Analysis ou Análise em Série Temporal por Imagens de Satélite, em tradução livre). Em menos tempo, verifica-se não apenas onde era floresta e virou área desmatada, mas também as informações são organizadas em padrões, separando o que foi corte raso ou que virou pastagem, por exemplo.
"Você consegue ter mais rapidez nesse monitoramento. Mas, além dessa inteligência artificial, nós continuamos fazendo uma verificação completa dos dados, com uma equipe altamente capacitada que revisa o que a máquina produz. A nossa precisão atualmente é de 94% para mais da análise desses dados", destaca Cláudio. A próxima etapa é formatar o projeto e organizar a provisão de recursos para dar sequência à capacitação aos demais países da OTCA.
"A visão do governo brasileiro é ajudar os vizinhos a desenvolverem seus próprios sistemas de monitoramento, garantindo a soberania de cada nação e seu protagonismo na análise desses dados que são tão sensíveis e estratégicos", destaca Cláudio.
EXPECTATIVA
O Equador é um dos países que receberão o treinamento e, de acordo com Gabriela Saavedra, especialista em administração e controle florestal do Ministério do Meio Ambiente, Água e Transição Ecológica do país, há uma enorme expectativa. Isso porque seu próprio sistema nacional de monitoramento das florestas, que existe desde 2014, nasceu a partir de uma cooperação da OTCA.
O sistema compila, valida e reporta os dados, utilizando imagens de satélite de livre acesso, junto a uma avaliação de campo. "O intercâmbio de conhecimentos é fundamental para que possamos saber como está sendo feito nos outros países, como o Brasil, que sabemos que tem uma fortaleza em termos de medição das florestas. Isso é muito importante para que nós possamos desenvolver nossa pesquisa e nossos processos sobre o tema", afirma Gabriela.
Para a especialista, ter esse suporte por meio da OTCA também pode aprimorar a definição de conceitos e metodologias em comum. Basicamente, se todos falarem "a mesma língua" e seguirem os mesmos parâmetros, podem unir forças para tomar decisões em nível regional e até global. "Como região amazônica, é fundamental adotarmos uma posição conjunta, como bloco de países, o que pode garantir mais representatividade", salienta.
"Tudo isso culmina em um objetivo macro: a conservação do bioma amazônico, porque sabemos que aqui temos o pulmão do planeta. Os povos indígenas e os recursos hídricos e florestais que temos aqui não são substituíveis", alerta. (A.M.)
Aldo Rebelo condena a internacionalização da Amazônia
Se por um lado estão as vantagens de se compartilhar informações, por outro existe um receio de como as parcerias internacionais podem influenciar a soberania nacional. É o que alerta o ex-deputado federal e ex-ministro de Estado Aldo Rebelo. "O que eu creio é que o governo federal está dando passos importantes no processo de internacionalizaçao da Amazônia, o que considero condenável. Não vemos uma criação de IPCC de florestas da Europa, dos Estados Unidos, porque os países não compartilham a sua soberania seja na vigilância e no controle. Acho que o governo brasileiro está perdendo a noção neste sentido", declara.
Para o senador Plínio Valério (PSDB-AM), que é presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Não Governamentais (ONGs), as notícias das cooperações pan-amazônicas também acenderam um alerta. "Sempre me preocupo quando a gente fala em compartilhar conhecimento, informações ou alguns dados que possam penetrar e influenciar na nossa soberania, porque conhecimento é poder", justifica o senador.
PODER PARALELO
Convidado pela CPI das ONGs, Rebelo afirmou aos parlamentares, no dia 11 de julho deste ano, que a Amazônia convive com três Estados paralelos. O primeiro é o oficial, que, segundo ele, é exercido por prefeituras, agências e órgãos do governo. Já o segundo consiste no narcotráfico e no crime organizado. O terceiro seria o das ONGs, o qual Rebelo avaliou como o mais poderoso e importante, pois opera com ajuda do Estado. Segundo ele, que atuou como relator do Código Florestal Brasileiro, as organizações utilizam recursos do Fundo Amazônia apenas para o cumprimento de interesses de agenda internacional, deixando de lado as áreas importantes para o bem-estar da população como a saúde e o saneamento básico.
Aos integrantes da CPI, Rebelo sugeriu que o Fundo Amazônia seja atualizado a fim de que os recursos sejam apenas destinados aos órgãos públicos e que as ONGs não tenham mais acesso. Para ele, a CPI das ONGs tem papel fundamental para alterar as normas e conseguir limitar o papel dessas organizações na região amazônica. (A.M.)