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Na Amazônia

Ciência é a chave para combater pragas e doenças em plantações

Pesquisadores da região desenvolvem soluções inovadoras para fortalecer cultivos importantes como açaí e cupuaçu

Eduardo Laviano

07/07/2023

As pragas e doenças que afetam plantações na Amazônia não devem ser subestimadas. É que já foram identificadas perdas de 70% de mudas de açaizeiros cultivadas em viveiros por causa da antracnose. 

No município de Tomé-Açu, no nordeste do Estado do Pará, há o exemplo da chamada “morte progressiva”, que chegou a afetar 50% dos clones de cupuaçuzeiros no campo. 

São números observados de perto por pesquisadores que estudam o tema e que acendem um sinal de alerta para mais investimentos em pesquisas que promovam soluções de combate às pragas e doenças na floresta amazônica.

No caso da antracnose, o professor Allan Lobato, da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), destaca que os fungos que causam a doença têm sido observados tanto nos açaizeiros de terra firme quanto nos que são manejados em várzea. 

"À medida que vão se expandindo os plantios comerciais de açaí, a antracnose pode vir a ser um grande problema fitossanitário limitante à produção", diz.

Lobato comanda um estudo que busca aumentar a resistência dos açaizeiros às pragas, doenças e fungos. A pesquisa é dedicada aos brassinosteróides, esteróides vegetais que atuam na regulação do desenvolvimento e crescimento das plantas, com uma função similar aos esteróides utilizados em humanos e animais.

"Essas moléculas são produzidas nos vegetais em baixa concentração e as recentes pesquisas vêm revelando que a aplicação externa, por pulverização, pode trazer vários benefícios para os vegetais. Apesar de haver limitada literatura disponível sobre os mecanismos de ação destas moléculas, nas plantas, os brassinosteróides estimulam o metabolismo do vegetal, trazendo benefícios inclusive sobre a fotossíntese, melhorando o crescimento, floração e produção”, conta.

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Auxiliares das pesquisas da Ufra, os universitários Caio Pontes e Aline Santos colocam as sementes para germinar em laboratório (Ascom/Ufra)

Lobato salienta que toda ocorrência de doenças ou pragas em açaizeiros é preocupante, pois o fruto é garantia de segurança alimentar para uma parcela expressiva da população amazônica, além de ser responsável por uma cadeia econômica que gera mais de 25 mil empregos. 

A redução na taxa de fotossíntese causada pela antracnose retarda o desenvolvimento da muda, o que causa prejuízos severos. As possibilidades vislumbradas pelo pesquisador a partir do uso desses esteróides vegetais envolvem paredes celulares e epidermes mais espessas e fortes, o que dificultaria a penetração dos fungos. 
 


Ciclo



As pesquisas já são realizadas há quase dez anos com resultados positivos para além da defesa contra pragas e doenças, com testes já realizados na soja, arroz, tomate, feijão-caupi e eucalipto. 

O uso dos brassinosteróides pode acelerar o ciclo da planta, fazendo com que o agricultor possa plantar e colher em menor tempo, já que as plantas podem produzir mais flores, e, por conseguinte, mais frutos ou grãos, além de melhorar as estruturas anatômicas da folha e raiz, resultando em maiores taxas de fotossíntese.

"No cultivo em condições de campo, as plantas estão expostas às variações climáticas e os desequilíbrios gerados pelo aquecimento global. Então, quanto mais preparada a planta estiver para essas intempéries, haverá menor perda de produção. Temos muita esperança de que o uso desses esteróides vegetais reduzam os danos nos açaizeiros. Trabalhamos com a possibilidade da aplicação da tecnologia diretamente com o produtor”, comenta o pesquisador, que espera que o estudo científico receba mais recursos e fomento para produzir resultados consistentes.



Floresta amazônica é ambiente propício para as epidemias



Existem três fatores principais necessários para a ocorrência de uma doença em um vegetal. Em uma ponta do triângulo está o hospedeiro, uma planta suscetível. Na outra, um patógeno virulento que causa a doença. Por fim, é necessário também um ambiente favorável. 

"Na Amazônia, estamos em um clima equatorial, com temperaturas altas e umidade elevada ao longo do ano todo, ou seja, um ambiente altamente favorável ao desenvolvimento de fungos, com doenças possíveis ao longo dos doze meses do ano. O que define se a doença terá impacto é o manejo que se dá", aponta a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Ruth Linda Benchimol.  

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Orientação para os produtores rurais é o uso apenas de mudas e sementes certificadas por pessoas e empresas credenciadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Igor Mota/O Liberal)

Doutora em fitossanidade, Ruth lembra da importância dos produtores seguirem as instruções do Programa de Zoneamento Agrícola de Risco Climático, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), com estudos que produziram mapas com os melhores pontos para cada cultivo. 

"O desafio para controlar as doenças de plantas é enorme na Amazônia. É sempre imprescindível usar mudas e sementes certificadas por pessoas e empresas credenciadas pelo Mapa. Na região, ainda vemos muitos problemas de doenças com pessoas que compram estacas de pimenta abandonadas, de origens não certificadas. É um risco muito grande de disseminação de doenças", aponta. 

 

Cresce o número de casos de monilíase em cupuaçuzeiros



A monilíase, doença causada pelo fungo Moniliaphthora roreri, ganhou destaque na última década por conta do aumento na incidência do mal nos cupuaçuzeiros. Já há ocorrências da doença nos estados do Acre e do Amazonas. 

O fungo causa lesões no interior do fruto - no caso, o cupuaçu -, e progride para a parte externa, o que ocasiona manchas, necrose e a formação de um pó branco. 

A praga pode causar até 100% de perda na produção dessas frutas e, embora apresente grande capacidade reprodutiva no ambiente, não atinge os seres humanos. A doença também tem afetado o cacau.

Outra doença que afeta de maneira severa o cupuaçu é a vassoura de bruxa, causada pelo Moniliophthora perniciosa, um fungo que infecta tecidos da planta, levando à proliferação de gemas laterais em ramos infectados que vão ficando com um formato de vassoura, um sintoma bem característico que originou o nome da doença. 

Ruth Linda Benchimol ressalta que trata-se de um patógeno endêmico da floresta amazônica e que está presente nas áreas de cultivo durante todo o ano, sendo mais visível entre os meses de maio e agosto. 

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Ruth Benchimol afirma que "o estudo da genética visa encontrar plantas produtivas e resistentes a doenças" (Igor Mota/O Liberal)

A pesquisadora sublinha que, atualmente, o manejo da vassoura-de-bruxa no cupuaçuzeiro é realizado, principalmente, com medidas de controle cultural e genético, que podem reduzir a severidade da doença a níveis que não comprometam a viabilidade econômica do empreendimento.

"Há ainda a possibilidade das ditas espécies melhoradas: o estudo da genética visa encontrar plantas produtivas e resistentes à doenças. No caso de uma cultura de ciclo curto, isso é mais fácil de resolver, pois o melhoramento genético é mais rápido e pode definir culturas mais apropriadas de acordo com as necessidades e o ambiente ao redor. Já em culturas de ciclo longo, os estudos são mais demorados. No cupuaçuzeiro, acompanhamos a história da vassoura de bruxa, a doença mais prejudicial para a cultura do cupuaçu. Temos a cada dez anos o lançamento de uma tecnologia sobre. O sonho do fitopatologista é ter uma espécie de planta que seja resistente, claro, mas é difícil. No caso do cupuaçuzeiro, já tivemos uma grande evolução. Ano passado foi lançado o chamado Kit 5.0, com cinco cultivares melhorados de cupuaçu com baixa incidência de vassoura de bruxa. Você pode cortar as copas e fazer a substituição delas. Quando corta uma copa de até um metro e meio, ela vai emitir brotações lá em cima para sobreviver e você vem e enxerta clones e a planta fica com a raiz de uma planta e copa de outra. A seringueira resolveu o problema assim. São técnicas de controle que são amigáveis ao ambiente porque a gente não vai precisar usar fungicidas. Por isso é importante que haja cada vez mais investimentos nessas soluções", argumenta. 

 


Cultivo de pimenta-do-reino é prejudicado por fungo



A Amazônia já atravessou momentos sensíveis de alastramento de doenças em cultivos que tiveram forte impacto na socioeconomia da região. 

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“O desafio para controlar as doenças de plantas é enorme na Amazônia”, diz a pesquisadora Ruth Benchimol, da Embrapa

Introduzida na década de 1930 do século XX no Pará, a pimenta-do-reino rapidamente se tornou sinônimo de prosperidade no nordeste do Estado, em especial pelas mãos da colônia japonesa em Tomé-Açu. 

Tudo veio abaixo em meados da década de 1960 por conta da fusariose, doença causada pelo fungo Fusarium solani. Ruth Linda Benchimol frisa que a pimenta-do-reino é uma cultura perene, com 20 a 30 anos de produção quando bem manejada.

 "Quando esse fungo começou a incidir, houve uma mortandade total e ninguém sabia o que fazer. Houve também um abandono total de algumas áreas, com redução do ciclo de vida das plantas, que caiu para entre cinco e seis anos. Na época, acabou se tornando uma agricultura migratória, pois não se sabia como combater a doença", afirma Ruth Benchimol.



Fordlândia



Outro caso clássico foi o mal-das-folhas que afetou as seringueiras, justo quando a fabricante de automóveis Ford desembarcou na Amazônia em 1920 para estabelecer plantações de seringueiras em quatro mil hectares cultivados na cidade de Fordlândia, no Estado do Pará. 

Apesar das promessas de emprego e desenvolvimento, a multinacional norte-americana se deparou com a doença chamada de mal-das-folhas, que logo se disseminou pelo plantio da companhia e inviabilizou a produção de borracha, levando a Ford a abandonar os seringais em 1934. 

Houve ainda uma segunda tentativa na cidade de Belterra, também no oeste paraense, com novas técnicas, novos genótipos e enxertos de copa. 

O esforço até retardou a epidemia do mal-das-folhas pelo seringal, mas não o suficiente para controlar e erradicar de vez a doença. Com os pomares infestados novamente, os americanos tiveram de abandonar os seringais em 1945.

"Apesar da tecnologia ter evoluído muito de lá para cá, todo cultivo precisa ser fiscalizado e monitorado, para que se observem possíveis problemas e logo garantir uma intervenção eficiente. O objetivo é trabalhar cada vez mais para buscar soluções inovadoras e economicamente viáveis, em especial técnicas culturais que possam substituir o uso de agrotóxicos. Além de substituir as copas, podem ser usados fungos e agentes biológicos. Há um grande universo para enfrentar esse desafio. A ação do homem é fundamental, podendo auxiliar ou atrapalhar. Existem ações benéficas: o reflorestamento recupera solos, evita problemas, há os filtros nas indústrias que filtram os despejos em rios, o incentivo à educação ambiental também é muito importante. E a ação antrópica negativa é o desmatamento, poluição de rios, aumento nos gases de efeito estufa... Tudo isso afeta as plantações, pois a natureza é um sistema complexo com vários atores interligados", aponta Ruth Benchimol.