O que esperar do futuro da Amazônia, considerando todos os desafios que a região vive no presente? Existe uma fórmula mágica que não foi utilizada até hoje para conter o avanço das mudanças climáticas causadas, muitas vezes, pela ação humana? E quanto tempo a fauna, a flora e os habitantes da região ainda têm antes que seja tarde demais?
Estas foram algumas das perguntas que nortearam o lançamento, no dia 12 de dezembro, em Belém, da pesquisa intitulada “Futuros urbanos amazônicos”. A iniciativa inédita, liderada pelo MIT Media Lab – do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o Instituto de Tecnologia de Massachusetts –, é uma parceria com o Laboratório da Cidade, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA (FAU-UFPA) e o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). O objetivo dessas instituições é desenvolver estudos e formular alternativas capazes de solucionar problemas socioambientais nos centros urbanos da Amazônia.
De acordo com Gabriela Bilá, pesquisadora do MIT City Science Group em Brasília (DF), a pesquisa reúne diferentes ângulos e várias mãos que podem contribuir para um trabalho de reconfiguração dos espaços da cidade. “A nossa ideia é que seja uma ação de longo prazo e multilateral, durante anos. Isso aqui é a nossa primeira centelha. A gente não está construindo corretamente os nossos bairros e recursos, mas o nosso sonho é ser uma pesquisa sobre o que pode ser uma cidade na Amazônia, porque a gente tem potencial, a gente poderia ser uma vitrine para o mundo, de novas formas de habitar uma floresta. A gente está na cidade, mas, antes de mais nada, está no meio de uma floresta”, argumenta Bilá.
TROCA
O MIT Media Lab é um laboratório de pesquisas sediado em Cambrigde, nos Estados Unidos, que explora a intersecção entre computação e artes - e engloba uma comunidade diversificada de estudantes, pesquisadores, docentes e funcionários que atuam em diferentes campos de estudo. Segundo a diretora do MIT Brasil, Rosabelli Coelho, a troca de experiências entre estudiosos de dentro e fora da Amazônia amplia a busca por novas iniciativas, baseadas no sucesso e no fracasso do que já vem acontecendo em outras partes do mundo.
“Eu acho que agora é a hora de fazer um levantamento do que está dando certo, tanto aqui quanto em outros lugares, para a gente ter uma escala. Sem escala, a gente não vai conseguir melhorar as condições. Então, essa troca de saberes é crucial para a gente fazer coisas que dão certo. Muitas vezes parece que a gente não trocou ideias, não olhou a história, não viu que foi feito em outros lugares. Temos que aproveitar esses conhecimentos e essas trocas para que a gente não fique continuando a fazer mais do mesmo”, afirma Rosabelli.
O passado é parte da solução
Ainda que o tema central seja o futuro da Amazônia, o passado também está no centro dos debates, como um caminho a ser explorado em busca de soluções inovadoras. A arqueóloga Helena Pinto Lima defende que é importante resgatar tradições dos povos pré-colombianos – sociedades que viviam na América antes da chegada de Cristóvão Colombo, em 1492 – para melhorar a relação dos habitantes com a natureza e entre eles mesmos.
“Nós temos muito que aprender com a forma de organizar, de interagir com o ambiente, de construir a natureza que esses povos indígenas do passado, ancestrais das nossas populações contemporâneas, podem nos ensinar. Eu penso que esses legados, seja da biodiversidade que nós encontramos na região, seja das formas de ser, viver, habitar os rios e a região amazônica como um todo, podem nos dar pistas para pensar um futuro em comunidade aqui na região”, diz a arqueóloga Helena Pinto.
A pesquisadora e curadora da Coleção Arqueológica do Museu Emílio Goeldi ressalta ainda que não adianta pensar no futuro como algo distante, que só deve afetar gerações posteriores. Para ela, é essencial que cada um compreenda o seu papel na formação de uma cidade mais justa.
COMUNIDADES
“Não há dúvidas que nós temos desafios globais, desafios para toda a região amazônica, que têm que ser pensados a partir de políticas públicas de grande envergadura. Mas eu também chamo as pessoas e as comunidades locais, sejam elas urbanas, centrais, periféricas, dos povos da floresta. Nós, das comunidades contemporâneas, temos muito o que trocar de experiências, e também aprender as formas de organização que os povos do passado nos legaram. O futuro que estamos construindo somos todos nós, nas cidades amazônicas, nas florestas, nas relações com os rios e com as paisagens. O futuro é agora e nós estamos construindo”, pondera Helena.
O futuro precisa ser imaginado com quem vive na cidade
Quando visitou a ilha do Combu, em Belém, pela primeira vez, o pesquisador do MIT Luis Alonso Pastor ficou surpreso com a cartografia paraense. É como se a capital estivesse distante da floresta, separada pela baía do Guajará. Mas não era, segundo ele, uma mera questão geográfica. Há diferentes distâncias que separam o núcleo urbano do imaginário que se tem de uma cidade que cresceu numa área de mata: “Eu tinha uma ideia sobre o que era a Amazônia, mas a realidade é muito diversa e muito complexa. A cidade está do outro lado do rio, separada de todo o resto”, afirma o pesquisador espanhol.
O choque de realidade, no entanto, levou o pesquisador a desafiar o público com uma proposta de pensar em como seria a Amazônia do futuro por meio da livre imaginação. Em sua apresentação, Pastor trouxe exemplos de como os cineastas projetam um mundo ideal em telas de aproximadamente 540 polegadas. Disse, ainda, que é preciso imaginar fora da caixa em conjunto com a população local para transformar qualquer lugar em um lugar mais justo.
HARMONIA
“Não podemos imaginar esse futuro de fora. Tem que ser vir aqui e imaginar com vocês qual Amazônia queremos construir. Eu imagino um futuro não somente para a região, mas para todo o planeta, em que os seres humanos vivam em harmonia com a natureza. Durante muitos séculos vivemos em harmonia, mas nos últimos milhares de anos começamos a separar-nos um pouco da natureza. Os últimos 100 anos foram dramáticos. Nós realmente nos separamos, não entendemos isso quando a natureza antes nos dava tudo. Então, por que não voltamos um pouco e encontramos aquele meio-termo onde podemos aprender com a natureza, a respeitá-la, e a natureza também continuará a nos dar quando dermos a ela? Não sei o que isso realmente significa, mas acredito que com as tecnologias que temos hoje, com a qualidade humana que temos hoje, podemos realmente ir na contramão para alcançar esse objetivo”, diz Pastor.
Laboratórios irmãos dão conta da diversidade
Segundo o diretor do MIT City Science, o norte-americano Kent Larson, há dois modelos de desenvolvimento urbano – formal e informal – que orientam o crescimento das cidades. Dirigir carros elétricos, realizar trabalho no formato híbrido (presencial e remoto), em que trabalhadores têm autonomia para cumprir as tarefas onde, quando e como quiser, e construir moradias em que a ocupação dinâmica do espaço reduz o tamanho do lar e aumenta a quantidade de residências, para atender ao maior número de moradores, sem aumentar a área construída, são algumas das possibilidades de furar a bolha e iniciar um novo ciclo de respeito à natureza e suas populações.
Experiência que deu muito certo em Boston, nos Estados Unidos.
No entanto, é o modelo informal que prevalece em diversas cidades amazônidas, com o predomínio da falta de saneamento básico, moradias precárias localizadas em áreas de palafitas e com vias construídas para favorecer o fluxo de automóveis em detrimento do transporte público e de meios de baixa emissão de carbono - e até mesmo dos rios, por onde populações ribeirinhas trafegam com o seu principal meio de transporte, os barcos.
COLABORAÇÃO
Entre o modelo ideal e o real, haveria uma terceira via, capaz de equilibrar duas realidades tão distintas? Larson descarta a possibilidade. “Certamente não existe uma abordagem única, porque há muita diversidade. Assim como o que funciona em Boston não funcionará em Belém. Então, é por isso que estamos aqui. Precisamos ter relacionamentos com pessoas que conheçam as culturas locais. Eles sabem que Belém é diferente de São Paulo ou do Rio, e precisam pegar os tipos de ferramentas e conceber ideias e políticas públicas e adaptá-las às suas necessidades locais”, destaca.
O diretor enfatiza o papel da City Science Network para tentar adequar soluções a cada realidade, conforme o resultado das pesquisas, elaboradas pelos colaboradores locais que ajudam no levantamento de dados para a instituição. “Sabemos que não podemos trabalhar em todos esses lugares diferentes do mundo. Portanto, temos pesquisadores locais que estão encontrando maneiras de causar impacto local, respondendo à cultura e à história locais, e a tudo o que há de único no lugar. A Amazônia é uma região muito diversificada, e por isso não tem como conseguirmos essa solução ideal que vai servir para todas as comunidades aqui. E é exatamente por isso que a forma como trabalhamos a ciência da cidade é criando laboratórios irmãos, em conjunto com pesquisadores locais, que são os especialistas dessa realidade”, explica Larson.
Amazônia deve ser enxergada no plural
Por ser considerada a região de maior biodiversidade do planeta, e o maior bioma do Brasil, a Amazônia não é vista como um espaço de complexo urbano, lembra a arquiteta Natalia Figueredo. E isso reitera conceitos que pesquisadores tentam derrubar, por não abarcar a pluralidade da região. Um deles diz respeito ao fato de a Amazônia ser “exótica”: concepções como essa não permitem que os territórios locais sejam tratados como patrimônios, e reforçam a injustiça social e climática que assola os habitantes locais.
“É preciso enxergar a Amazônia como um todo. Enxergar que ela é um território no plural. Porque é só com essa perspectiva que a gente vai realmente conseguir se engajar no problema que a gente tem no presente, nesse território, e no problema que o envolve globalmente. Para que a gente realmente entenda o significado dessa importância, é preciso que a gente saia desse lugar do invisível, do outro, do colonial, do exótico. E eu acredito que não existe sustentabilidade em territórios exóticos”, afirma Natalia.
HISTORICIDADE
A arquiteta paraense defende que a Amazônia é uma herança construída historicamente - e que, a partir dela, será possível formatar um novo futuro para a humanidade, respeitando a utopia que o passado carrega, e valorizando o renascimento de uma nova relação com a natureza.
“Não acredito que exista uma solução para esse futuro que a gente vai construir. O que existe é um convite para observar, para que a gente o construa coletivamente, para que a gente reconheça diferentes temporalidades. O nosso passado não começa com a chegada dos portugueses aqui. A gente tem uma Amazônia ancestral a esse momento. Nós podemos reconstruir, regenerar e, sobretudo, podemos dar conta desse patrimônio que é tão importante para o equilíbrio mundial”, afirma a arquiteta.
PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção do Liberal Amazon é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. A tradução do conteúdo é realizada pelo acordo, através do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multisemioses.