Em meados da década de 1860, o deputado alagoano Aureliano Tavares Bastos já tinha certeza que a Amazônia era o caminho para a prosperidade do Brasil.
Afinal, se todas as grandes economias da civilização giraram em torno de rios, qual rio melhor para mudar o curso da história do Brasil do que o Amazonas, o maior e mais caudaloso do mundo?
Foram muitos textos publicados no jornal "Correio Mercantil" defendendo que navios estrangeiros navegassem pelo Amazonas e afluentes para que o comércio despertasse na região.
No parlamento, não faltaram discursos propondo incentivos ao livre comércio na Amazônia.
Quando Bastos conheceu Manaus (AM) pela primeira vez, em 1865, declarou que a cidade seria o "Porto Franco, o empório dos países amazônicos".
Demorou cerca de 80 anos até o deputado federal amazonense Francisco Pereira da Silva apresentar, em 1951, o projeto de lei que propôs a criação de um porto franco na capital amazonense.
A Zona Franca de Manaus (ZFM), porém, só saiu do papel seis anos depois, com lei sancionada pelo presidente Juscelino Kubitschek, em 1957.
Hoje, o Polo Industrial de Manaus (PIM) abriga cerca de 600 indústrias, é responsável por 108.373 empregos e por um faturamento de R$ 174,1 bilhões por parte das empresas que fazem parte do programa de incentivos financeiros e fiscais, segundo os dados consolidados em 2022 pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).Trata-se de um aumento de 6,84% em relação ao faturamento do ano anterior.
Já o número de empregos aumentou 3,67% no mesmo período. Já o volume de exportações foi de US$ 583.63 milhões, 29,08% a mais do que em 2021.
Desenvolvimento
As Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) não são criação brasileira. Tratam-se de áreas geográficas demarcadas nas quais as regras de negócios são diferentes, com menos impostos e taxas, munidas de condições de investimento e infraestrutura para comércio exterior, alfândega, tributação e ambiente regulatório.
O que é criação brasileira, porém, é o caráter de política de desenvolvimento regional dado à empreitada, ao contrário das experiências chinesas, por exemplo, focadas no incentivo às exportações.
Para o pesquisador Luiz Ricardo Cavalcante, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, essa visão cabe na concepção da importância de se ocupar e industrializar a Amazônia, muito em voga à época em que a ZFM foi concebida, bem como o fornecimento de produtos para mercados consumidores do Sul e Sudeste do Brasil. Além disso, fortalece a absorção de tecnologias vinda de países estrangeiros.
"Opostamente ao que se observa no caso das principais Zonas Econômicas Especiais do mundo, cujo foco recai sobre as exportações, o objetivo da Zona Franca de Manaus é a promoção do desenvolvimento regional por meio da concessão de incentivos destinados à superação das desvantagens locacionais de Manaus - ou, mais genericamente, da Amazônia. Na prática, o modelo adotado acabou convertendo a ZFM em uma espécie singular de zona de processamento de importações, uma vez que os incentivos fiscais oferecidos favorecem o processamento local de componentes provenientes do exterior e sua subsequente comercialização no mercado interno. Esse é o caso, por exemplo, dos produtos eletrônicos produzidos na região", diz Luiz Ricardo.
Fatores institucionais e conjuntura geopolítica ergueram a ZFM
A pesquisadora Kamyle Medina, da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), imputa quatro marcos definitivos que estruturam o caráter singular da Zona Franca de Manaus (ZFM), sem os quais a história do Polo Industrial de Manaus (PIM) teria sido outra.
O primeiro deles é que, de maneira inédita, o governo federal resolveu incentivar na Amazônia uma atividade de maior valor agregado que não compreendesse apenas atividades extrativistas, como foi o caso da agricultura de subsistência ou a extração de borracha in natura para exportação.
Em segundo lugar, veio o contexto mundial de Guerra Fria, que fez com que a necessidade de ocupação do território, sobretudo das fronteiras, como forma de garantir a soberania nacional, se tornasse uma prioridade do governo militar, colocando a ocupação da Amazônia no centro da agenda governamental da época.
Em terceiro, Kamyle argumenta que diferentemente da maioria das políticas aplicadas no país até então, a ZFM não foi pensada para atender aos interesses das principais oligarquias regionais, que se situavam na região Centro-sul do país. O modelo foi planejado para resolver problemas estratégicos do país e, por ser implementado por um governo autoritário, as pressões oligárquicas, que sempre se deram, não desempenharam um papel tão forte quanto em outros momentos da história brasileira.
"(Por fim, houve) a criação da Superintendência da Zona Franca de Manaus (a Suframa). Pela primeira vez na região, foi criado um arranjo institucional robusto, com autonomia e dotado de força política e econômica para implementar a política pública sob sua custódia, como apoio dos governos federal e local, e recursos próprios, com destaque para a receita própria e para as terras concedidas à autarquia, fatores que contribuíram para transformá-la em uma ponte entre o governo central e os interesses locais. Ao mesmo tempo em que a autarquia representa um braço do governo federal na região, atua como advogada dos interesses regionais em Brasília", aponta Kamyle, que também destaca uma conjuntura internacional favorável graças ao desenvolvimento da Ásia, que, buscando maior acesso a mercados para o escoamento de produtos, decidiu expandir a produção no Brasil a partir de Manaus.
Por volta da década de 1980, o modelo já estava bem consolidado e o impacto da zona econômica em Manaus era notável: a cidade contava com 63 mil habitantes em 1960 e, em 1992, já tinha mais de um milhão de moradores.
Em 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital amazonense já havia ultrapassado os dois milhões de habitantes.
A jornada teve alguns percalços. A desaceleração da economia brasileira a partir de 2015 foi um baque para a Zona Franca de Manaus.
Se em 2014 o polo industrial bateu recorde de geração de empregos, com 122.116 postos de trabalho ocupados, o ano seguinte viu o número de trabalhadores cair para 104.721.
Em 2016, o número chegou a 85.574, o que representa 37 mil empregos a menos do que em 2014. Foi neste cenário que a Zona Franca de Manaus foi prorrogada até 2073.
Polo emprega 5,2% da população da capital amazonense
Entre 2010 e 2018, a balança comercial da Zona Franca de Manaus contou com um déficit de cerca de US$ 10 bilhões.
No mesmo período, as exportações da ZFM corresponderam a apenas 7,49% das importações de matérias-primas.
É um dado que reforça a opinião de críticos que avaliam que as renúncias fiscais concedidas pelo governo federal não compensam.
Hoje, a Zona Franca de Manaus responde por 7% dos incentivos fiscais classificados pela Receita Federal como gastos tributários, com uma renúncia estimada em cerca de R$ 30 bilhões para 2023 em tributos federais para as empresas que integram o Polo Industrial de Manaus. A matemática revela, portanto, que para cada emprego gerado na Zona Franca com média salarial de R$ 56 mil ao ano, o governo federal renuncia R$ 276 mil em arrecadação.
Fora da frieza dos números, o tema desperta paixões. Afinal, 5,2% da população da capital amazonense estão empregados no PIM.
Luiz Ricardo Cavalcante, que é doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia, lembra que a Zona Franca de Manaus está prevista na Constituição Federal de 1988 e terá que ser mantida até 2073.
O desafio, portanto, é torná-la mais aderente às vocações da Amazônia, com uma produção que se beneficie do fato de haver uma zona econômica especial nas proximidades de uma floresta rica em biodiversidade, já que a produção de artigos como motocicletas e TVs padece de déficit logístico.
Mudanças
O tema veio à tona ao longo das discussões da reforma tributária, recém-aprovada pela Câmara dos Deputados e a caminho do Senado, onde se definiu que a Zona Franca de Manaus e áreas de livre comércio serão preservadas.
O texto final também estabelece outras garantias com foco na competitividade das empresas instaladas na região.
Entre elas está um fundo para compensar perdas de arrecadação da Zona Franca de Manaus, com recursos destinados à diversificação da economia do Amazonas até a expiração do modelo, em 2073.
Haverá ainda a manutenção temporária do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para produtos industrializados fora da Zona Franca, que funcionará como instrumento de preservação do tratamento favorecido da região amazônica. O mesmo valerá para o PIS e Cofins a partir de 2027.
O governo federal também deu sinais que pretende expandir cada vez mais a atuação da Zona Franca de Manaus neste ano.
Um decreto estabeleceu o livre comércio de mercadorias produzidas em Zonas Francas e Áreas Aduaneiras Especiais entre Brasil e Uruguai, abrangendo, inclusive, as mercadorias produzidas no Polo Industrial de Manaus, o que abre portas para mais um mercado em ascensão aos exportadores regionais.
Zona Franca de Manaus em números:
- Cerca de 600 indústrias
- 108.373 empregos
- R$ 174,1 bilhões em faturamento
Participação de cada setor no faturamento da Zona Franca de Manaus:
- Informática: R$ 51,3 bilhões (29,49%)
- Eletrônicos: R$ 32,1 bilhões (18,45%)
- Veículos de duas rodas: R$ 26,09 bilhões (14,99%)
- Termoplásticos: R$ 15,07 bilhões (8,66%)
- Químico: R$14,7 bilhões (8,47%)
- Metalúrgico: R$13,73 bilhões (7,89%)
- Mecânico: R$ 9,92 bilhões (5,70%)