açaí - arquivo pessoal20240625_0759.jpeg
AGRICULTURA

Tecnologias sustentáveis têm menor impacto ambiental

Projetos executados pela Embrapa Amazônia Oriental levam técnicas para pequenos produtores rurais, com benefícios ambientais, econômicos e sociais

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

06/07/2024

A agricultura é vital para a humanidade e seu poder econômico não se resume à oferta de alimentos: suas atividades abrangem manejos de matérias-primas para vários produtos, como tecidos, remédios, cosméticos, papéis ou biocombustíveis. Por isso é grande a preocupação com os impactos que uma atividade provoca, a depender das práticas adotadas. Na Amazônia, essa atenção é redobrada e ganha importância entre atores ligados a vários setores produtivos e a comunidades: os efeitos ao meio ambiente pedem cuidados e esforços para se minimizar resultados que podem ir da poluição do ar, do solo e das águas até desmatamento, erosão do solo, perda da biodiversidade e alto consumo de água - a atividade econômica que mais consome o recurso no planeta.

Por isso, um dos grandes desafios do setor agrícola é continuar fornecendo alimentos e demais produtos agrícolas à população, ao mesmo tempo em que reduz os impactos ambientais causados. A chamada agricultura sustentável é aquela que respeita o meio ambiente e é responsável socialmente e economicamente viável.

No Pará, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária da Amazônia Oriental (Embrapa Amazônia Oriental) desenvolveram tecnologias simples e econômicas para práticas mais sustentáveis na agricultura, levando estes conhecimentos a pequenos produtores rurais do estado. Em três iniciativas diferentes, as técnicas envolvem supervisão com água da chuva, planejamento com menor desmatamento e manejo da área produtiva com conservação da biodiversidade.

Irrigapote

Desenvolvido pela agrometeorologista Lucieta Martorano, da Embrapa, e pesquisadoras da Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Bionorte), a tecnologia do “irrigapote” permite plantios por meio da reutilização da água da chuva. O sistema envolve a coleta de águas pluviais por calhas instaladas nos telhados das casas dos produtores, armazenamento em caixas d'água e escoamento por canos que direcionam para potes de argila, de baixo custo, que são enterrados no solo.

O sistema é um método acessível de segurança que beneficia os agricultores, pelo baixo custo e baixa necessidade de manutenção, e o meio ambiente, já que promove a economia de água. Além de reaproveitar a água da chuva, irrigar diretamente as raízes das plantas, por meio dos potes de argila, minimiza perdas por evaporação e escoamento superficial.

igarapote - arquivo pessoal20240625_0757.jpeg
Tecnologia do “irrigapote” garante solução sustentável reutilizando água da chuva (Foto: Arquivo pessoal)

“O irrigapote é uma tecnologia em que você protege a água da chuva e quando a caixa d'água está cheia, um cano PVC leva a água até o potinho. Esse pote tem uma tampa e dentro dele tem uma boia. Quando o pote vai secando, a boia abre e mantém o pote sempre cheio”, explica Lucieta.

“O agricultor não se preocupa em irrigar, porque é um processo independente. Quando o solo seca, a planta emite uma raizinha fina até a parede do potinho. Ela gruda na parede do pote e suga só o que ela precisa”, completa a pesquisadora.

A tecnologia é especialmente importante no período de estiagem. “A tecnologia de supervisão com potes de argila se mostrou eficaz ao fornecer água de forma controlada às plantas, sendo especialmente útil em locais com acesso limitado à água ou onde a supervisão convencional é desafiadora devido à falta de energia elétrica”, diz a agrometeorologista.

Tecnologia social

O irrigapote recebeu a certificação na 12ª Edição do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social e Desafio para Reaplicação de Tecnologia Social, concorrendo com 1.012 iniciativas de todo o território nacional, em 2024.

A tecnologia foi inicialmente implantada na Unidade de Referência Tecnológica da Embrapa na comunidade de Lavras, em Santarém. Já foi replicada na Fazenda Experimental da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), também em Santarém, e em Capitão Poço. Atualmente, está em fase de implantação em Tucuruí.

O agricultor João Alberto Nascimento, da comunidade Barro Vermelho, em Capitão Poço, começou a utilizar o irrigapote no fim do ano passado. Apesar do pouco tempo, ele diz que já percebeu algumas melhorias. “As plantas são mais viçosas e saudáveis do que nas áreas sem essa segurança”, garante.

Para o produtor, a técnica será especialmente importante com a chegada do verão. “Mesmo no período quente, vamos ter aquela umidade do pote que as plantas vão absorver. Assim, não desperdiçamos água e protegemos o meio ambiente”, reforça.

Solução garante cultivo sem desmatamento

O Pará é o segundo maior produtor de pimenta-do-reino no Brasil, ficando atrás do Espírito Santo. A produção da pimenta-do-reino da forma tradicional, porém, pode ser responsável pela derrubada de muitas árvores, pois a pimenteira é uma trepadeira e precisa de um suporte, chamado de tutor, para poder se desenvolver. Normalmente, são usadas estações de madeira de lei para oferecer esse suporte. A cada hectare plantado, cortam-se em torno de 25 a 35 árvores para fazer os estacões. Como a área plantada no estado é de aproximadamente 16 mil hectares, foi preciso derrubar em torno de 320 a 400 mil árvores para este cultivo.

Uma tecnologia desenvolvida pela Embrapa, e atualmente capitaneada pelo agrônomo João Paulo Both, fornece uma forma mais sustentável de produzir a pimenta-do-reino: utilizando, como tutor vivo, uma árvore chamada gliricídia.

aérea pimental tropoc estacão foto Ronaldo Rosa (1).JPG
O manejo da gliricídia melhorou também a condição do solo, com maior fixação de nitrogênio e incorporação da matéria orgânica (Foto: Ronaldo Rosa)

Com a técnica, a pimenteira-do-reino passa a ser cultivada no tronco da gliricídia. Isso não apenas evita o uso das estações, mas planta novas árvores, o que contribui para o sequestro de carbono. O manejo da gliricídia melhorou também a condição do solo, com maior fixação de nitrogênio e incorporação da matéria orgânica, como as folhas que caem dela, mantendo o solo mais úmido e dispensando o uso de adubos e fertilizantes. Há ainda o conforto térmico que as copas das árvores oferecem ao produtor na hora da colheita.

Economia

O cultivo da pimenta-do-reino no tutor vivo também representa menos gastos para o agricultor. “A gliricídia custa em média R$ 5 e o estacão, R$ 30. Na implantação de um hectare, o agricultor tem uma economia de aproximadamente 28%. Além disso, a gliricídia é uma planta que ‘pega de galho’, então o produtor só compra uma vez e pode produzir novos tutores vivos a partir dos primeiros adquiridos”, explica Both.

aérea pimental tropoc estacão foto Ronaldo Rosa (.jpg
“O diferencial da produção brasileira é justamente a qualidade, aliada à sustentabilidade, que agrega valor ao produto”, destaca o pesquisador (Foto: Ronaldo Rosa)

Pesquisas da Embrapa, informa ele, descobriram que a pimenta-do-reino cultivada no tutor vivo apresenta maior qualidade, com maior concentração de piperina, que é o que dá a picância da pimenta. “O diferencial da produção brasileira é justamente a qualidade, aliada à sustentabilidade, que agrega valor ao produto”, destaca o pesquisador.

Municípios

Em relação ao total plantado no estado, o uso do tutor vivo ainda ocupa poucos hectares, mas tem aumentado. Dos 70 hectares em 2014, passaram para 315 hectares atualmente. O município que mais utiliza a tecnologia é Capitão Poço, seguido por Tomé-Açu, Baião, Igarapé-Açu e Castanhal.

O produtor Maciel Ferreira, de Baião, aprova a tecnologia. “A gliricídia é uma planta que veio para ficar, para somar. É o futuro desse tipo de produção. O tutor vivo mostra muitas vantagens para as pessoas: a sombra que ajuda na hora da colheita, um produto com mais densidade e peso na hora de vender, sem contar o que deixa para o solo, como a folha, que é rico em ureia e traz benefícios. A plantação também fica mais livre de pragas”, relata. “E tem também a importância ambiental, porque a gente não derrubou mais árvores grandes, como acapu, que você já quase não vê, já foi tudo destruído”, analisa.

Maciel Ferreira - produtor pimenta - arquivo pessoal (6).jpeg
“A gliricídia é uma planta que veio para ficar, para somar. É o futuro desse tipo de produção", diz Maciel (Foto: Arquivo pessoal)

Manejo garante açaí o ano todo

O Pará detém a hegemonia na produção de açaí no País, responsável por cerca de 94% do que é produzido no Brasil. Porém, a intensificação da atividade para suprir as altas demandas do mercado causa o empobrecimento das regiões de várzea, que se tornam praticamente monoculturas do açaí. O normal dessas regiões é contar com até 70 espécies de árvores diferentes, mas com o manejo intensivo para a exploração do açaí sobram apenas açaizeiros. Isso, além de prejudicar a biodiversidade, reduz a produtividade do próprio açaí, cuja palmeira precisa de outras espécies ao redor para se desenvolver, por conta dos nutrientes fornecidos por elas.

No âmbito do projeto “Bem Diverso”, uma parceria entre a Embrapa, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Fundo Global para o Meio Ambiente (Global Environment Facility, GEF), foi criado o Manejaí - Centro de Referência em Manejo de Açaizais Nativos do Marajó, na comunidade de Santo Ezequiel Moreno, em Portel. O projeto adota a Tecnologia de Manejo de Mínimo Impacto para a produção do açaí, desenvolvida pelo engenheiro florestal José Antônio Leite.

Com essa tecnologia, os produtores são capacitados para o manejo sustentável: recebem orientações de como manter um número adequado de açaizeiros e outras espécies dentro de uma mesma área, bem como o espaçamento entre eles. Também são indicadas as espécies nativas que podem ser melhores consorciadas com o açaizeiro.

Cópia de instrucao2-cred-vinicius-braga.jpg
“Um açaizal não manejado ou manejado de forma indevida tem o período de produção muito concentrado em três ou quatro meses, que é o período de safra”, explica o engenheiro florestal José Antônio Leite (Foto: Vinícius Braga)

“Um açaizal não manejado ou manejado de forma indevida tem o período de produção muito concentrado em três ou quatro meses, que é o período de safra. Conforme as recomendações de manejo da Embrapa, temos casos de áreas que produzem até o ano todo; não em grande quantidade, mas o suficiente para o consumo da família e um pequeno excedente para a venda. Essa sempre foi uma grande preocupação nossa, a segurança alimentar da família ribeirinha. Mas percebemos que o uso da tecnologia proporciona também um aumento específico na produção de frutos, de até 30%”, explica Leite.

Multiplicadores

De acordo com o especialista, a ideia do projeto também foi capacitar a comunidade, com treinamentos de grupos que se tornaram multiplicadores para outras famílias. Na etapa inicial foram formadas 50 pessoas para transmitir o manejo de mínimo impacto para outros ribeirinhos. Isso resultou em 54 comunidades da região já capacitadas pelos facilitadores.

Gracionice Corrêa, da comunidade Monte Hermon, em Portel, acredita que a tecnologia é transformadora. “Uma área que não produzia ou tinha produção muito baixa, que estava produzindo uma tonelada, aumenta a produtividade e pode chegar a quatro ou cinco toneladas ao ano. Outra vantagem é que não agride o meio ambiente, porque é um manejo controlado, e é uma produção de qualidade. É uma educação ambiental para as pessoas, e que ao mesmo tempo está de acordo com a nossa realidade, nossas raízes e nossa identidade”, afirma o agroextrativista marajoara.