Garantia de segurança alimentar e econômica na Amazônia, o açaí tem ganhado cada vez mais destaque no Brasil e no cenário internacional. O Pará, um dos principais estados do bioma, é o maior produtor do fruto: em 2023, 94% da produção nacional teve como origem o estado, comprova o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo ano, números da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuária e da Pesca (Sedap) apontam que o valor das exportações chegou a US$ 27,74 milhões. Apesar do desempenho, os desafios para manter o ritmo produtivo persistem, afetam as comunidades tradicionais que dependem dessa economia e estão levando pesquisadores locais a desenvolver ainda mais métodos para potencializar o mercado.
Apesar da posição de liderança do Pará na produção do açaí, não é uma empresa nativa que detém a mesma colocação em quantidade produzida. Uma companhia do Paraná, a Polpanorte, se consolidou como líder nacional no setor, informa a startup de dados Scanntech. A indústria tem uma base localizada em Benevides, município da Região Metropolitana de Belém. Ao todo, 160 toneladas por dia do fruto são extraídas e exportadas para 16 países. O resultado é obtido através da verticalização - método que engloba todo o processo, desde o plantio, até a comercialização. Com extrativistas da Amazônia, essa prática é tímida, mas uma alternativa real para alavancar os números e melhorar a qualidade do produto.
Dificuldades
Os desafios ainda são rotina. O transporte do açaí para a venda em outras cidades é encarado como um fator determinante. Teóforo Gomes, de 46 anos, extrativista e diretor-presidente da Cooperativa Agroextrativista e Pecuária da Comunidade Santo Ezequiel, de Portel, município do Arquipélago do Marajó, atua em busca de melhorias. “A gente sabe que tem a venda, mas não é o mercado que a gente espera. Ainda fica tudo muito atrelado ao atravessador, porque a gente não tem estrutura para o negócio”, lamenta.
Segurança alimentar
No período de safra do açaí, que corresponde ao segundo semestre do ano (entre agosto e novembro), a comunidade Santo Ezequiel consegue de 10 mil a 15 mil rasas - paneiros com 14 quilos do fruto cada. Recentemente, diz Teóforo Gomes, os cerca de 200 moradores gastaram menos com cesta básica porque o produto natural tem substituído boa parte dos alimentos, dado o altíssimo valor nutricional do tradicional consumo. São 48 famílias trabalhando em conjunto para a manutenção da renda, baseada em agricultura familiar e extrativismo. “O consumo, dentro da comunidade, ultrapassa os 70% [do que é produzido]. A questão do açaí vem de família, tanto na extração, quanto na produção”, ressalta.
Manejo é opção para aumentar produtividade
A entressafra do açaí, logo nos primeiros meses do ano, é um problema para a comunidade de Portel. A quantidade diminui e os preços aumentam, junto com a falta de mercado e a consequente indisponibilidade de consumo. A solução pode estar no manejo de mínimo impacto de açaizais nativos de florestas de várzea para produção de frutos, uma iniciativa desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que já tem gerado resultados. José Leite, engenheiro florestal e analista da instituição, explica que um dos grandes benefícios da técnica consiste em melhorar a distribuição do fruto em todos os períodos. Para isso, a árvore de açaí é plantada junto com outras, de espécies variadas, permitindo um equilíbrio necessário para a produção.
A prática é feita, principalmente, no Pará e no Amapá, os maiores produtores. “Se deixar só o açaizeiro, não tem produção. Se for só as outras espécies, também não. Então, precisamos de equilíbrio. Ele vai permitir que haja uma boa produção do fruto do açaí, porque são árvores que puxam os nutrientes que servem de alimento para os açaizeiros, que não conseguem tirar nutrientes de lugares muito profundos. Recomendamos, então, 400 touceiras de açaizeiros por hectare e 250 indivíduos de outras espécies. O grande segredo da tecnologia está no tamanho desses indivíduos. É bom deixar 60% de indivíduos finos, que são árvores que têm entre 15 centímetros e 60 centímetros de circunferência. Isso é importante para a produção do açaí e para manter a diversidade”, diz José.
Desmatamento
O manejo de açaizais resolve um outro problema: o desmatamento na Amazônia. Diante do problema da escassez do alimento, as comunidades do bioma passaram a buscar formas de contornar a situação. “Quando os ribeirinhos começaram a perceber que havia uma procura e não tinha oferta suficiente [do açaí], o preço começou a aumentar e eles começaram a fazer intervenção na floresta para produzir mais frutos. Nós percebemos que isso estava ocorrendo. Então, desenvolvemos uma tecnologia que permite manter a floresta e aumentar a produção do fruto do açaí. O ribeirinho passa a ter frutos no açaizal durante o ano todo, passa a ter fruto para consumir e se alimentar e ainda sobra um pouco para vender, mesmo na entressafra”, afirma o analista.
“Em condições normais, a densidade do açaizeiro é baixa, não tem produção muito grande. Se for só para alimentar famílias ribeirinhas é suficiente e tem um pouco de excedente. Na década de 1990, eram em torno de 100 mil toneladas [produzidas], era pouco, mas suficiente, porque a procura não era tão grande. Mesmo no Pará, não era tão alto, não havia diferença significativa no preço na safra e entressafra. Agora, há uma procura grande e não há oferta no período [de entressafra]. Começou uma divulgação forte do valor nutricional do açaí, que é realmente excelente, e isso estimulou muito o consumo, inclusive entre nós paraenses. Continuamos sendo os maiores consumidores de açaí do planeta, mais de 80% do produzido aqui somos nós que consumimos”, afirma Leite.
Melhoramento genético reduz sazonalidade
Outra técnica estudada e desenvolvida pela Embrapa para aumentar a produção do açaí na Amazônia é o melhoramento genético dos açaizeiros. Redução da sazonalidade do fruto, maior rendimento da polpa e produção precoce são elencados pela pesquisa como os diferenciais da prática. A BRS Pai d’Égua, como foi batizado o método, produz 46% no período da entressafra e 54% na safra.
João Tomé, pesquisador da Embrapa, detalha que é fundamental esse tipo de ação para acompanhar a demanda vista nos últimos tempos. “O Pará é o maior produtor do Brasil. A característica da cadeia produtiva é a alta sazonalidade e isso traz problemas sérios para todos os atores envolvidos. Na entressafra ocorre o desemprego porque o preço é muito elevado e tem a insegurança alimentar”, explica.
Produtores rurais, associações, cooperativas, mercado varejista, exportadores e consumidores são atingidos positivamente com o melhoramento genético. Embora beneficie uma série de atores que participam diretamente da produção do açaí, o foco principal da pesquisa desenvolvida pela Embrapa é o trabalhador artesanal.
Pontos
“É aquilo que você encontra aqui, os pontos de açaí na cidade de Belém, ou na grande Belém. Ou seja, o foco dessa produção de açaí em condições de terra firme com irrigação e também o foco dessa pesquisa é mais para atender esses processadores, que a gente chama de artesanais, aqueles que trabalham, os filhos dele”, finaliza João Tomé.
Mudanças climáticas podem afetar produção na Amazônia
A produção de açaí na Amazônia brasileira ganha novos contornos a partir dos fenômenos que têm ocorrido no mundo. O estudo “Mudanças climáticas podem afetar o futuro do extrativismo na Amazônia brasileira”, publicado em 2021, mostra que a distribuição geográfica de 18 tipos de palmeiras e árvores usadas pelas populações do bioma pode ser afetada pelas mudanças climáticas até 2050 e por outros problemas presentes, como o desmatamento. A pesquisa, feita em Reservas Extrativistas (Resexs), mostra que 15 espécies perderiam entre 1% e 70% de sua área de adequação ambiental. A Euterpe precatoria e a Euterpe oleracea, ambas açaí, podem ser completamente extintas de duas das Resexs analisadas.
Exportações
Apesar das projeções climáticas e das dificuldades impostas por todo o contexto vivido na Amazônia, as exportações de açaí passam por um bom momento. No Pará, entre 2023 e 2024, os dados apontam um crescimento de 67,53% do setor. Isso corresponde a mais de R$ 45 milhões em produtos enviados para outros países - tendo os Estados Unidos como o principal comprador, com mais de 54% de participação -, segundo Cassandra Lobato, coordenadora do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa). “Cada vez mais, o açaí se posiciona como sendo um produto que ganha espaço e permanece na contribuição dos produtos da balança comercial do estado do Pará. É um produto que nós observamos”, comenta.
“Mais da metade do que é exportado hoje do açaí vai para as terras norte-americanas. Em segundo lugar vem a Austrália, em terceiro, Países Baixos, a Holanda, demonstrando também uma alta diversificação de compradores internacionais. Vendo esse cenário, a gente observa que houve realmente um trabalho de promoção comercial muito forte por parte da indústria exportadora, que entra agora no segundo semestre já com essa safra, com a safra do açaí, e já se preparando para o segundo semestre e para o primeiro semestre do ano de 2025”, afirma Cassandra Lobato.