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METAIS PESADOS

Pesquisa estuda técnicas para descontaminação de solos amazônicos

SOLUÇÃO - Uso de biocarvão e plantas fitorremediadoras é promessa para áreas degradadas por mineração e por lixões

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

03/05/2025

A contaminação do solo por metais pesados, como cádmio, zinco e arsênio, em níveis prejudiciais, pode ocorrer por diversos fatores, em função da atividade antrópica, ou seja, a ação humana. As causas vão desde a mineração, passando por atividades industriais e agricultura até o descarte incorreto de resíduos, inclusive lixo doméstico.


As consequências são várias: impactos ambientais aos ecossistemas, com perda da flora e da fauna; infertilidade do solo; contaminação da cadeia alimentar; contaminação dos lençóis freáticos; e prejuízos à saúde humana, podendo causar várias patologias, como alergias, doenças no sistema nervoso ou nos rins e, até mesmo, câncer.

 


Felizmente, existem várias técnicas que podem ser utilizadas na descontaminação de solo por esses materiais. Porém, nem todas são tão sustentáveis, baratas ou têm ação rápida ou eficaz, a depender do metal pesado em questão. 


A boa notícia é que uma pesquisa da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), liderada pelo agrônomo Cândido Ferreira Neto, apresenta resultados promissores, de baixo custo e sustentáveis, associando biocarvão e plantas fitorremediadoras, ou seja, vegetais capazes de absorver ou degradar substâncias tóxicas. O estudo, realizado pelo Grupo de Pesquisa de Estudos da Biodiversidade de Plantas Superiores (EBPS) e financiado pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), utiliza espécies nativas da região como solução para o problema.

 

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Uma pesquisa da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), liderada pelo agrônomo Cândido Ferreira Neto, apresenta resultados promissores, de baixo custo e sustentáveis, associando biocarvão e plantas fitorremediadoras para descontaminação do solo (Foto: Carmem Helena/O Liberal)

EPT

 

De acordo com o engenheiro agrônomo Gilson Matos, também professor da Ufra, o termo técnico para metais pesados é “elementos potencialmente tóxicos”, ou EPT. “Se nós formos pensar no ouro, ele é um metal pesado, mas não é tóxico para os animais, enquanto que outros elementos também metálicos, se estiverem em baixas concentrações, são nutritivos para as plantas. Então, os EPT abrangem alguns sem função biológica e que são tóxicos até em baixa concentração, como mercúrio, cádmio, cromo, arsênio, chumbo; ou elementos que até têm função biológica, mas são prejudiciais se tiverem em excesso, como ferro, cobre, zinco, alumínio e cobalto”, explica.

 
Segundo o especialista, são elementos que já existem naturalmente no ambiente, como parte dos minerais que compõem o solo, mas que podem se tornar tóxicos por conta das ações antrópicas. “Alguns exemplos são o descarte inadequado de resíduos líquidos e sólidos em lixões, atividade industrial desordenada, queima de combustíveis fósseis em excesso e o uso de fertilizantes ou defensivos agrícolas de forma inadequada. Um estudo da Ufra apontou níveis elevados de EPT no nordeste paraense, principalmente correlacionados ao saneamento básico inadequado das habitações, em uma situação crítica”, aponta Matos. 


O professor pontua que, para saber se o elemento potencialmente tóxico está acima dos seus níveis naturais, com risco de prejudicar o ecossistema, é preciso fazer a coleta do solo e análise laboratorial. “Os resultados são, então, comparados com valores de referência para cada elemento, que no Brasil são definidos por uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - Conama”, diz o engenheiro agrônomo. “A recuperação dos solos contaminados é totalmente viável, mas sua eficiência varia conforme o tipo de solo, natureza do contaminante e uso futuro da área”, complementa.

 

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Bolsistas de Iniciação Científica Luciana Chavez e Daiana Ferreira despejam o biocarvão em pó no solo testado (Foto: Carmem Helena)

Uso de biocarvão ajuda na regeneração da terra

 

É justamente por meio de testes com diferentes metais pesados, diferentes composições de biocarvão e diferentes plantas fitorremediadoras que o estudo capitaneado por Cândido Neto tenta descobrir as melhores opções para cada caso, na busca por soluções para a descontaminação. As duas frentes de trabalho envolvem o uso do biocarvão para recuperar o solo e os vegetais para reflorestá-lo. 


O biocarvão utilizado é principalmente obtido a partir do caroço do açaí, mas também de outros resíduos, como casca de cupuaçu, ouriço da castanha ou resíduos de podas. Para produzir do ativo, o caroço é colocado em um equipamento chamado mufla, que submete o material a altas temperaturas e ausência de oxigênio, em um processo denominado pirólise. Cada tipo de resíduo exige uma determinada temperatura para se transformar em biocarvão, mantendo propriedades que auxiliarão na nutrição do solo. 


Depois de passar pela mufla, o caroço é transformado em pó, que é despejado no solo testado. “O biocarvão é um condicionador de solo. Quando aplicado no local, na quantidade correta, feito do resíduo correto, ele vai ter uma resposta tanto física quanto química de melhorar a qualidade desse solo, com um alto poder de retenção do metal pesado. Então, aquele metal que estava disponível, livre no solo, é retido pelo biocarvão, onde vai ficar preso por anos ou décadas. Então, se diminui drasticamente a quantidade do metal naquele local”, destaca Cândido Neto.

 

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O biocarvão utilizado é principalmente obtido a partir do caroço do açaí, mas também de outros resíduos, como casca de cupuaçu, ouriço da castanha ou resíduos de podas (Foto: Carmem Helena/O Liberal)

BENEFÍCIOS

 

De acordo com o especialista, o solo amazônico é naturalmente pobre, com pH muito baixo e baixa fertilidade. “A gente verificou que, com a aplicação do biocarvão, há a melhora significativa do solo, com crescimento mais acelerado na produção de mudas, tanto de espécies florestais quanto frutíferas”, aponta. 


Nesse sentido, o material reduz a necessidade de adubação do solo. “O resíduo do caroço do açaí, por exemplo, tem vários nutrientes essenciais para as plantas. Ficamos espantados, porque a qualidade química dele é muito boa. Isso significa um gasto a menos para o produtor e menor uso de adubos químicos no solo, os quais ajudam a causar o efeito estufa”, enfatiza o agrônomo.


Além de promover a retenção dos metais pesados e melhorar a fertilidade do solo, o uso do biocarvão tem outra vantagem para a sustentabilidade: dar um destino aos resíduos de caroço de açaí. “São jogadas toneladas e toneladas desse resíduo no lixo, o que atrai doenças e libera chorume, com consequências para a nossa saúde e carbono liberado para a atmosfera. Mas, depois de transformado em biocarvão, a gente estabiliza esse carbono e contribui para reduzir as emissões de gases do efeito estufa”, enfatiza o pesquisador.

 

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De acordo com Cândido Neto, são realizados testes para saber quais espécies de plantas toleram os metais pesados, permanecendo vivas, e em que concentração (Foto: Carmem Helena/O Liberal)

Fitorremediadoras são opções de plantio

 

A outra frente de trabalho no processo de descontaminação do solo, após a aplicação do biocarvão, é o uso das plantas fitorremediadoras. “Com a diminuição drástica do metal naquela área, você consegue trabalhar mais facilmente, inserindo espécies que vão tolerar aquele solo. São espécies da Amazônia tolerantes aos metais pesados e que têm a capacidade de retirar esses metais do solo e mesmo assim crescer normalmente, sem que seu metabolismo seja afetado. Então, a jogada é trabalhar esses dois em conjunto, o biocarvão e as plantas”, conta Cândido Neto. 


De acordo com o pesquisador, são realizados testes para saber quais espécies toleram os metais pesados, permanecendo vivas, e em que concentração. “Existem as plantas que vão retirar o metal do solo, acumulando em suas raízes e caule, mas vão morrer. Existem as que são tolerantes a um metal mas não a outro, ou que toleram até uma determinada concentração ou período de tempo. Então, testamos as variáveis para indicar as plantas apropriadas para a descontaminação de solos degradados, dependendo dos metais e das concentrações”, aponta o agrônomo.


Até o momento, foram estudadas as espécies paricá, pau pretinho, mogno, ucuúba e palheteira, mas novas plantas já estão em vista, como andira-uxi e pau-brasil. As mudas são produzidas no chamado berçário, na própria Ufra, e depois levadas para a casa de vegetação, para serem plantadas nos solos contaminados e já com o biocarvão aplicado.

 

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Além de promover a retenção dos metais pesados e melhorar a fertilidade do solo, o uso do biocarvão tem outra vantagem para a sustentabilidade: dar um destino aos resíduos de caroço de açaí (Foto: Carmem Helena/O Liberal)

FUTURO

 

Além dos estudos sobre descontaminação, a pesquisa também foca na produção vegetal: como o biocarvão pode auxiliar a produtividade agrícola. Já foram realizados testes com milho, jambu e, mais recentemente, feijão. A ideia é sair dos laboratórios e levar os resultados para melhorar a produção de agricultores familiares.


“A gente vai fazendo uma série de testes na própria Ufra, para poder chegar com o produtor e dizer para ele em quais espécies o biocarvão vai funcionar bem, na fertilidade e correção do pH do solo. Além disso, o material também retém água no solo, o que ajuda na umidade durante os períodos de estiagem”, diz Cândido.


Segundo o agrônomo, a partir de julho, os testes começarão junto a agricultores familiares de  Santa Izabel. “Já estamos começando a fazer esses contatos, para fazer essa parceria com eles na produção de hortícolas, como alface e coentro”, adianta.


O outro passo é levar as técnicas para áreas degradadas. “Já estudamos a contaminação por cádmio, cromo e cobre, então, queremos colocar o biocarvão e as plantas fitorremediadoras em áreas contaminadas por esses tipos de metais. Muito se fala sobre a contaminação por conta da mineração, mas pouca ênfase se dá para os lixões, que também têm grandes níveis de metais pesados, porque nesses locais são jogadas baterias e pilhas de forma inadequada, que provocam uma liberação gigante de cádmio no solo. Por isso, vamos buscar parcerias com órgãos governamentais ou empresas privadas para fazer os testes nesses locais, para plantar lá e ver o comportamento das espécies”, diz. 


“No entorno daquele lixão, existe uma população que tem contato com o rio que passa ali, se alimenta do peixe pescado ali, ou produz suas hortaliças próximo, e acaba ingerindo essa contaminação. Então, queremos recuperar essas áreas, restaurando a biodiversidade e a saúde humana no local”, finaliza o pesquisador.

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
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