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AGRICULTURA URBANA

Modelo de produção familiar se torna alternativa para o desenvolvimento sustentável na região amazônica

Cultivos nas cidades crescem como soluções para os desafios do clima, da insegurança alimentar e de déficits econômicos

Camila Azevedo

11/01/2024

Colocar em prática um modelo de produção sustentável, com potencial de alimentar os mais de 1,3 milhão de habitantes de Belém, uma das principais metrópoles da Amazônia, já é uma realidade. A agricultura urbana e periurbana, aquela feita na periferia das cidades, é um conjunto de técnicas que envolve o cultivo de hortaliças e frutas, e criação de animais nos grandes centros. 

A prática vem sendo desenvolvida no mundo há vários anos. Mas, na capital paraense, pesquisadores afirmam que a atividade, que passou a ganhar destaque a partir da década de 1970, se tornou uma grande aliada para reduzir os efeitos das mudanças climáticas - além de contribuir como uma solução eficaz para combater a insegurança alimentar e os déficits econômicos encontrados na região.

As percepções sobre a prática foram compiladas no estudo “Os desafios e o potencial da Agricultura Urbana e Periurbana em Belém”, desenvolvido pelo Instituto Escolhas. A pesquisa apontou dois cenários para produções distintas que, juntas, poderiam gerar 3.267 empregos para a população da cidade. No primeiro, 344 hectares (entre áreas não utilizadas e utilizadas) têm capacidade de abastecer 1,7 milhão de pessoas com 19.405 toneladas de verduras e legumes. Já o segundo modelo projeta que 5.348 hectares (terras ociosas e em atividade) podem ser usados para suprir mais de 951 mil moradores da capital com bebida de açaí, uma vez que 30.431 toneladas do grão seriam produzidas.

A importância da agricultura familiar é traduzida, ainda, em segurança alimentar para Belém. A pesquisa do Instituto identificou que no bairro do Tenoné, com histórico de vulnerabilidade econômica, há 48 hectares de espaços potenciais que poderiam ser utilizados para o cultivo. Caso fossem ocupadas, essas áreas poderiam produzir 2.683 toneladas de alimentos por ano, abastecendo 230 mil pessoas - a região possui quase 6 mil famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), sistema que permite acessar políticas de assistência, entre elas, ajuda para custos com alimentação. Junto a isso, a geração de emprego e renda alcançaria 191 pessoas que moram no local.

Entre gargalos e desafios

O principal desafio encontrado para que a agricultura familiar seja aproveitada de forma plena em Belém é a falta de incentivos governamentais para apoiar a produção dentro da cidade. 

Juliana Luiz, gerente de projetos do Instituto Escolhas, explica que as ações de fomento da prática devem partir do entendimento do que é produzido no território e quais as dificuldades existentes nesse processo, como por exemplo, os altos custos com transporte de mercadorias. “É uma produção economicamente viável. Há área para produzir e para expandir. Onde essa expansão vai ser localizada é dever do poder público, que vai olhar quais as áreas em risco climático, ambiental, com vulnerabilidade social, e investir”, pondera.

“Além de fomentar a expansão, cabe aos municípios também solucionar os entraves e gargalos enfrentados pelos agricultores que já produzem no ambiente urbano, para que possam otimizar a produção, beneficiamento, distribuição ou a comercialização dessa produção dentro do município”, diz a gerente. “O caminho agora passa pela estruturação das ações federais e municipais, com implementação de políticas e programas, além, é claro, do trabalho de mobilização constante do setor privado, não-governamental e da sociedade civil. Vale mencionar que o foco na produção de alimentos está muito alinhado com o atual propósito do Brasil de sair do mapa da fome até 2030”, complementa Juliana.

Agricultura ajuda a amenizar focos de calor nos centros urbanos

O último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2017, aponta a existência de 601 estabelecimentos com produção agropecuária em Belém. E em torno de 89% deles são de origem familiar. Os dados foram reunidos na pesquisa do Escolhas e mostram que os esforços são válidos para além da produção de alimentos e a geração de renda que isso traz: um outro ponto importante é a mudança climática em evidência e o quanto a prática do plantio em centros urbanos pode ajudar a diminuir e combater esses efeitos.

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Cotijuba e Mosqueiro concentram tipos específicos de produção, que vão desde o extrativismo e o cultivo agrícola, até uma relação com remanescentes florestais nos quintais dos sítios (Foto: Igor Mota)

Segundo Juliana, os assuntos não são distintos, por uma série de fatores, entre elas a diminuição das emissões de gases do efeito estufa. “Gestão de resíduos sólidos, conservação e ampliação de áreas verdes urbanas, melhoria da permeabilidade do solo. A agricultura urbana tem potencial de endereçar tanto desafios da mitigação quanto adaptação das mudanças climáticas. A discussão sobre planos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas têm cada vez mais incluído a discussão sobre sistemas alimentares, responsáveis por 1/3 das emissões dos gases de efeito estufa. Além do firme combate ao desmatamento ilegal, a capital do Pará pode e deve abraçar a produção local de alimentos como um caso de sucesso para um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico sustentável, saudável e justo”, destaca Juliana.

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“Além de fomentar a expansão, cabe aos municípios também solucionar os entraves e gargalos enfrentados pelos agricultores que já produzem no ambiente urbano", diz Juliana (Foto: Instituto Escolhas)

Além dos benefícios para o clima como um todo, a agricultura urbana é capaz de mitigar problemas muito específicos existentes em grandes cidades como Belém: o aumento do calor, resultante da aglomeração de prédios e da diminuição das áreas verdes urbanas. 

A engenheira ambiental Nathália Obando, mestranda em agricultura familiar, ressalta que o conforto ambiental sentido com a prática é um verdadeiro diferencial a ser levado em consideração. “Quando colocamos [a agricultura] dentro dos centros urbanos, que são aglomerados de calor, mobilidade. Conseguimos diminuir esses focos, aumentando o conforto e valorizando esses espaços verdes com fatores térmicos”, afirma.

Pelas ilhas de Belém

O foco da pesquisa de Nathália é a agricultura nas ilhas que fazem parte da capital do Pará. O estudo do Escolhas monitorou que regiões como o Combu, Caratateua (distrito de Outeiro), Cotijuba e Mosqueiro concentram tipos específicos de produção, que vão desde o extrativismo e o cultivo agrícola, até uma relação com remanescentes florestais nos quintais dos sítios. Com as diferenças, a engenheira aponta também as dificuldades que fazem parte da rotina de cada agricultor. “Vemos uma escassez muito grande de estudos. É um grande problema, porque, quando ocorre, tem escassez de políticas públicas, não há valorização”, lamenta.

“Quando começamos a ir com os agricultores, vemos que nem eles se enxergam assim, não sabem que são, não conhecem. Quando vamos falando, eles vão entendendo”, diz Nathália. “Em Mosqueiro, Cotijuba e Outeiro não tinham nenhum conhecimento sobre a agricultura urbana, nem benefício para a cidade e para eles mesmos. A agricultura é uma estratégia de sobrevivência, econômica, social, e precisa verificar como trazer essa cultura do rural. A gente não fica sendo uma cidade apenas com prédio, é uma cidade que pode ver um pouco do rural, da cultura misturada e não envolve só alimentos, mas animais e plantas ornamentais que podem ser vendidas”, acrescenta a engenheira.

Agricultor destaca a falta de valorização da produção local

Natural de Tomé–Açu, no nordeste do Pará, o agricultor Francisco Silva reside há 33 anos na ilha de Cotijuba. Ele conta que as dificuldades encontradas em manter a produção na região nunca foram impedimentos para continuar, mas reconhece a necessidade de maior valorização, com o objetivo de aumentar a renda e o reconhecimento da prática. “Cotijuba sempre foi uma área de produção agrícola, como legumes, alface, pimenta, maracujá. Produzimos no passado com mais dificuldades em termos de vendas. Eram bem fracas, só os atravessadores vendiam. Hoje, já temos mercado na ilha mesmo, além de Icoaraci, por exemplo. Estamos com essa demanda de trabalho”, afirma.

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"Ainda não encontramos uma alternativa para melhorar a questão da travessia. Continua caro" (Foto: Igor Mota)

Além dos altos gastos com o transporte, que chegam a R$ 300 por mês, Francisco lembra que investir em insumos para a produção, sem qualquer auxílio financeiro, compromete os lucros, uma vez que gasta cerca de R$ 20 por saco de adubo - a estimativa é que cada produtor precise de 100 unidades dessas para manter o plantio. “Em outros lugares, contratam o insumo e ele já chega. Mas, aqui, a logística é pesada e ‘salgada’. Nós compramos o saco de insumo e também precisamos pagar transporte, embarque e desembarque no trapiche. Se a gente não tem adubo, não tem produção elevada. Não é fácil, a gente trabalha na coragem, no capricho e na raça”.

Francisco também lembra que, em uma antiga gestão municipal de Cotijuba, havia ajuda com transporte. O cenário evitava atrasos na entrega e permitia que os agricultores conseguissem concorrer com outros vendedores nas feiras. “Ainda não encontramos uma alternativa para melhorar a questão da travessia. Continua caro. Antes, tínhamos um barco para levar a produção de todo mundo, mas a associação se desfez, os projetos caíram e hoje nós pegamos um navio ou barco particular para levar. Porém, nem sempre é no horário que pretendemos, temos um compromisso para vender na hora certa. A preferência é chegar às 5h”, diz.

Agricultura garante renda mensal de família em ilha da capital  

Rosilene de Souza e Eli de Souza trabalham com a plantação de frutas e verduras desde 2015. O casal vive há 24 anos na ilha de Caratateua, em Outeiro, e tem na agricultura que desenvolvem no terreno de 120m x 50m quase que 100% do rendimento mensal.

Eles também sentem na rotina de trabalho todos os desafios pontuados, como a falta de reconhecimento e auxílio para manter a produção. “Eu vejo que a ilha precisa de uma estrutura, um porto, como tem em Icoaraci, um ponto para quem vive de colheita, por exemplo, do açaí, que vende aqui mesmo, para beneficiar o local, para que o dinheiro possa girar aqui”, pontua Eli.

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Rosilene de Souza e Eli de Souza trabalham com a plantação de frutas e verduras desde 2015 (Foto: Igor Mota)

“Antes da pandemia, a gente tinha em média 200 galinhas. Quase 100% da nossa renda vem daqui da nossa casa, do nosso quintal. Tem muitas plantas: cupuaçu, taperebá, jaca, açaí, bacuri, cacau. A gente tem diversas frutas e a gente vive daqui da nossa agricultura. Tudo que a gente produz, a gente comercializa aqui dentro da ilha mesmo, por conta do transporte. Estar levando para Icoaraci e Belém é um custo mais alto, por isso, a gente vende aqui. Algumas coisas na nossa casa e o meu esposo vende aqui mesmo, dentro da ilha”, diz Rosilene.

Além de frutas e plantas ornamentais, o casal aposta na venda de caranguejos. Futuramente, planejam adicionar mel - já investiram na criação de abelhas - e peixes na produção, junto com um turismo rural para exploração da área. O rendimento total adquirido com o negócio gira em torno de R$ 2 mil por mês em época de safra. Fora, cai para R$ 1,5 mil. Entretanto, a mesma preocupação que assombra o dia a dia de Francisco, em Cotijuba, alcança a rotina de Rosilene e Eli. “Nosso solo é pedregoso, tem muita pedra no quintal. Nós iríamos produzir mais com uma terra preparada. Não temos produção de hortaliças por esse motivo. O adubo seria comprado”, diz Eli.