“O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo, a floresta amazônica”. A frase foi proferida por Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), em seu primeiro pronunciamento à nação, após ter sido eleito o próximo presidente do Brasil, em 30 de outubro. Por diversas vezes, Lula citou a Amazônia como uma das prioridades em seu mandato, ressaltando que “o Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva”, e que a cooperação internacional pode vir “em forma de investimento ou pesquisa científica, mas, sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania”. O novo presidente também reforçou o compromisso de criar o Ministério dos Povos Originários, colocando um indígena à frente da futura pasta.
Após o resultado das eleições, lideranças de diversos países manifestaram interesse em colaborar com o Brasil, sob direção de Lula. Um dos primeiros, foi o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, que anunciou, já em 31 de outubro, menos de 24 horas após o resultado das eleições no Brasil, a liberação dos recursos do Fundo Amazônia, bloqueados desde o início do governo atual. Ao longo da semana, o secretário de Estado do Ministério da Alemanha para Cooperação e Desenvolvimento, Jochen Flasbarth, outro país financiador do Fundo Amazônia, também se manifestou quanto à retomada da parceria.
O Fundo foi criado em 2008, com o objetivo de captar recursos de outros países para preservar a Amazônia e contribuir para o combate das mudanças climáticas. Noruega e Alemanha interromperam o envio de recursos em 2019, após uma série de desentendimentos com o atual presidente, Jair Bolsonaro. “Essa retomada de investimentos é muito importante para o Brasil, porque todo recurso que vem para a defesa da Amazônia é válido e também é um sinal de fortalecimento de parcerias internacionais que podem impactar em outros segmentos, como na economia do país”, acentua José Claudio Warken, professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e mestre em ciência política.
Desmatamento zero - Para o próximo mandato, Lula reforçou o compromisso de “lutar pelo desmatamento zero da Amazônia”. Segundo o projeto Mapbiomas, uma rede colaborativa, formada por Organizações Não Governamentais (ONGs), universidades e startups de tecnologia, a Amazônia concentrou 59% da área desmatada em 2021, com mais de 977 mil hectares de vegetação nativa destruídos no ano passado.
No discurso do dia 30 de outubro, Lula também disse que irá “retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia, e combater toda e qualquer atividade ilegal – seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida”, que são algumas das maiores preocupações de pesquisadores da área atualmente. A área de garimpo no Brasil dobrou em apenas uma década: passou de 99 mil hectares para 196 mil hectares, entre 2010 e 2021, segundo o MapBiomas.
Porém, cumprir essas promessas durante o próximo mandato deve ser um dos maiores desafios para Lula. Esta, foi a eleição presidencial com a menor diferença entre os candidatos desde a redemocratização: 50,90% dos votos para Lula contra 49,10% para Jair Bolsonaro, candidato do Partido Liberal (PL), que é o atual presidente do país. Com uma disputa tão acirrada e uma população dividida, o país enfrenta uma polarização desafiadora, cujos impactos refletem na Amazônia brasileira.
Estabilização interna pode refletir na confiança internacional
Um dos obstáculos que precisarão, de imediato, ser enfrentados e superados pelo novo presidente da República, de acordo com a profissional de Relações Internacionais Kellimeire Campos, será melhorar a relação com outros países, de modo efetivo e duradouro, ou seja, para além das primeiras sinalizações de parceria já recebidas. “Vai ser um trabalho muito intenso e árduo para o time de diplomacia que vai entrar em janeiro. Lula vai precisar estabilizar internamente o país para que, aos poucos, venha retomando a confiança internacional e isso deve ser conquistado por meio de políticas econômicas e ambientais”, explica Campos.
Segundo ela, historicamente, o Brasil manteve uma presença no cenário internacional, em especial por ter uma posição de Estado de defesa dos direitos humanos, promoção da paz e de cooperação e integração com o restante da América Latina. Para a pesquisadora, no entanto, no atual governo, houve um distanciamento desses elementos, gerando desconfiança internacional e desgaste dos laços com outros países, o que “também é reflexo das crises internas que a gente tem enfrentado, como os efeitos da pandemia da Covid-19 e os altos índices de desmatamento na Amazônia”, enfatiza.
Oposição tem força na bancada da Amazônia
Outro desafio para Lula, a partir de 2023, é a presença de uma oposição forte, tanto nos Executivos estaduais, quanto na Câmara e Senado. No cenário nacional, 14 governadores de estado são de oposição, 11 são aliados e 2 estão neutros até o momento. Na Amazônia, os governadores eleitos Helder Barbalho (MDB-Pará), Clécio Luís (Solidariedade-Amapá) e Carlos Brandão (PSB-Maranhão) são aliados, em contraponto a seis de oposição.
Rondônia, inclusive, foi a única unidade federativa brasileira, além do Distrito Federal, em que o Lula perdeu em todos os municípios, tanto no 1º quanto no 2º turno. Lá, o atual governador, Coronel Marcos Rocha (União Brasil), venceu em 2018 e foi reeleito neste ano, com apoio de Bolsonaro. No 1º turno, Lula ficou à frente no Amazonas, Pará, Tocantins, Maranhão e Amapá - neste último, o petista perdeu a liderança no 2º turno.
“Novas direitas” crescem na região
De acordo com Ivan Silva, vice-coordenador geral do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia (LEGAL), há um forte crescimento de candidatos, em todas as esferas, das chamadas “novas direitas”, um conjunto de expressões políticas, ideológicas e sociais. “Embora haja uma multiplicidade de linhagens das ‘novas direitas’, existe um traço em comum e que é novidade no Brasil: a junção de liberalismo econômico e conservadorismo moral”, sintetiza.
Exemplo disso é que os partidos União Brasil (centro-direita) e PL (direita) elegeram representantes em todas as nove Assembleias Legislativas Estaduais da Amazônia Brasileira. O PL também foi o partido com maior número de deputados federais eleitos da região e o União Brasil tem a maior quantidade de representantes eleitos no Senado dos nove estados. Silva, também cita o exemplo de Rondônia como um dos estados da Amazônia com fortes sinais de oposição ao futuro presidente, e com um crescimento expressivo das chamadas novas direitas.
O cientista político paraense Rodolfo Marques ressalta que, de maneira geral, eleitores consideram seu voto de forma diferente, para cada posição. Ou seja, mesmo em estados em que Lula, candidato da esquerda, venceu, pode haver maior expressão da direita na decisão para deputados, senadores e até mesmo governadores. Isso porque parte dos eleitores tende a considerar o candidato individualmente, não associando-o, necessariamente, à linha ideológica que representa. “São eleições descoladas, quanto à decisão do eleitor”, esclarece.
Agronegócio mostrou sua força nas urnas
O agronegócio foi um dos temas que impactaram nas eleições na Amazônia, em especial em estados como Rondônia, Roraima e Mato Grosso, de acordo com Ivan Silva, vice-coordenador do LEGAL. “Podemos ainda ver a presença de um discurso que foi muito usado nos anos 1970, como se preservar o meio ambiente fosse uma oposição ao desenvolvimento econômico, quando, na verdade, nós já sabemos que ambos podem e devem andar juntos”, argumenta.
O estado do Mato Grosso, por exemplo, obteve o terceiro maior índice de desmatamento em 2021, segundo pesquisa do MapBiomas. Ao mesmo tempo, foi o estado que teve o maior faturamento da agropecuária brasileira em 2020, de mais de R$ 118 bilhões. Ali, o atual governador, Mauro Mendes (União Brasil), foi reeleito ainda no 1º turno, com 68,45% dos votos. Seu vice é Otaviano Pivetta (Republicanos), um forte nome no setor rural de Mato Grosso.
Associação às causas sociais não garantiu vantagem expressiva
Na região amazônica, aproximadamente 42,24% da população está na linha de pobreza, totalizando mais de 12,5 milhões de pessoas. Quatro dos 10 estados com maior porcentagem de pobres do país estão na região, de acordo com a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os dois primeiros lugares nesse ranking são Maranhão e Amazonas, onde Lula venceu, o que, para o cientista político Rodolfo Marques, confirma uma associação maior de Lula às causas sociais. “Enquanto Jair Bolsonaro e aliados conseguem gerar maior identificação quando o assunto é agropecuária, quando a pauta é pobreza e questão ambiental, Lula parece conseguir dialogar mais”, avalia.
Ainda assim, em número de votos no segundo turno, a vitória de Lula na região foi bem estreita. No total, considerando os nove estados da Amazônia Legal, foram contabilizados 7.911.395 votos para Lula e 7.081.820 para Jair Bolsonaro, uma diferença inferior a 830 mil votos. Na contagem final de votos em todo Brasil, a diferença final entre os dois foi de exatos 2.139.645 votos.
Consórcio de Governadores pode ser via de entendimento
Dos nove estados da região, sete eleitos já são governadores e irão ao segundo mandato. Apesar da baixa renovação do cargo, o cientista político paraense Rodolfo Marques analisa que deve haver mudanças na dinâmica entre os governadores, em especial em relação ao Fórum de Governadores da Amazônia Legal, criado para ser um espaço de diálogo entre os estados, com foco no aumento da competitividade e sustentabilidade da região, e que, desde 2017, passou, também, a ser um consórcio. O atual presidente do grupo é o governador do Amapá, Waldez Góes, que fica na posição até dezembro de 2022, mas os governadores reeleitos do Pará, Helder Barbalho, e do Amazonas, Wilson Lima, despontam com grande protagonismo, segundo Rodolfo.
O Consórcio convidou na terça-feira (1º) Lula para integrar a comitiva dos governadores da Amazônia para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, que será no Egito, no período de 6 a 18 deste mês. “Estamos trabalhando muito pela regulamentação da economia de baixo carbono e Lula seria um reforço fundamental nesta luta para conjugar desenvolvimento econômico com sustentabilidade”, disse Helder Barbalho. Lula aceitou o convite e integrará a comitiva.
Veja, abaixo, pronunciamentos de alguns líderes internacionais ao presidente eleito, Lula
- Joe Biden (presidente dos Estados Unidos): "Envio meus cumprimentos a Luiz Inácio Lula da Silva pela eleição para ser o próximo presidente do Brasil após eleições livres, justas e confiáveis. Espero que possamos trabalhar juntos para continuar a cooperação entre nossos dois países nos meses e anos por vir”;
- Justin Trudeau (presidente do Canadá): “O povo do Brasil falou. Estou ansioso para trabalhar com Lula para fortalecer a parceria entre nossos países, entregar resultados para canadenses e brasileiros e avançar em prioridades compartilhadas - como proteger o meio ambiente. Parabéns, Lula!”;
- Pedro Sánchez (presidente da Espanha): “Parabéns, Lula, pela vitória nesta eleição na que o Brasil decidiu torcer pelo progresso e a esperança. Vamos trabalhar juntos pela justiça social, a igualdade e contra as mudanças climáticas. Seu sucesso vai ser do povo brasileiro. #BrasilDaEsperança;
- Emmanuel Macron (presidente da França): “Parabéns, querido Lula, por sua eleição que abre uma nova página na história do Brasil. Juntos, uniremos forças para enfrentar os muitos desafios comuns e renovar o vínculo de amizade entre nossos dois países”;
- Olaf Scholz (chanceler da Alemanha): “Parabéns, Lula, pela sua eleição! Aguardo com expectativa uma cooperação estreita e confiante com o Brasil - especialmente em questões de comércio e proteção climática”;
- Alberto Fernández (presidente da Argentina): “Parabéns, Lula! Sua vitória inicia uma nova era da história da América Latina. Uma era de esperança e de um futuro que inicia hoje mesmo”;
- António Costa (primeiro-ministro de Portugal): “Já tive a oportunidade de felicitar calorosamente Lula pela sua eleição como Presidente da República do Brasil. Encaro com grande entusiasmo o nosso trabalho conjunto nos próximos anos, em prol de Portugal e do Brasil, mas também em torno das grandes causas globais”;
- Luis Alberto Arce (presidente da Bolívia): “Parabéns, irmão Lula, eleito presidente do Brasil! Sua vitória fortalece a democracia e a integração latino-americana. Temos certeza de que você conduzirá o povo brasileiro pelo caminho da paz, do progresso e da justiça social”;
- Luis Almagro, Secretário Geral das Organização dos Estados Americanos, (OEA): “Meu reconhecimento ao povo do Brasil por uma grande jornada democrática nas Eleições de 2022. Felicito o novo presidente Lula por sua vitória. Conte com a OEA para trabalhar no fortalecimento da democracia, direitos humanos, segurança e desenvolvimento da nossa região”.