Um fungo encontrado na Amazônia, mais especificamente no Equador, é uma esperança no combate à poluição por plástico no mundo, considerada, atualmente, a segunda maior ameaça ambiental ao planeta, atrás apenas da emergência climática. Denominado Pestalotiopsis microspora, o organismo é capaz de degradar um dos plásticos mais resistentes à decomposição, o poliuretano.
O fungo foi descoberto em 2011 por pesquisadores da universidade estadunidense de Yale, durante uma expedição no Parque Nacional de Yasuni, na floresta amazônica equatoriana. Os estudiosos, que procuravam justamente microrganismos com potencial biotecnológico, observaram que o P. microspora, um fungo endófito, ou seja, que vive dentro de plantas, consegue “comer” plástico, seja em ambientes com ou sem oxigênio, chamados de aeróbios ou anaeróbios, respectivamente.
As habilidades únicas do fungo, de degradar o poliuretano e ainda em ambiente anaeróbio, tornam o P. microspora uma solução promissora para ser utilizada em aterros sanitários, cujas camadas mais profundas são ambientes sem oxigênio. Atualmente, 46% do plástico produzido no planeta vai parar em aterros, sem a devida reciclagem.
DEGRADAÇÃO
Já se sabe que os plásticos demoram centenas de anos para se degradar. De forma natural, a quebra das cadeias moleculares que o constituem ocorre de forma extremamente lenta, deixando esses resíduos de forma persistente no meio ambiente. O poliuretano, que compõe de espumas de colchões e esponjas de limpeza a solados de sapato, é um dos mais resistentes à degradação natural. Sem intervenção de métodos industriais caros ou por incineração, podem permanecer por séculos em aterros e lixões.
A descoberta de um organismo que ajude nesse processo é animadora. Para a farmacêutica Thalita Calixto, que realizou uma pesquisa bibliográfica sobre a ação do P. microspora na Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais, a natureza tem muito a oferecer na resolução dos problemas da humanidade.

“A gente tem a prova disso constantemente. Um exemplo são os estudos de biodegradação. Fungos e bactérias apresentam um enorme potencial, já comprovado, de degradar certos tipos de plástico presentes no nosso cotidiano, seja nas sacolinhas, seja nas garrafas PET, fibras sintéticas, tintas, resinas, entre outros. Desenvolver estudos de biodegradação com esses microrganismos já conhecidos, ou fazer novas descobertas, pode reduzir de maneira expressiva o impacto causado pelos polímeros plásticos descartados no meio ambiente”, afirma a pesquisadora.
Para Thalita, o diferencial do P. microspora, além da degradação do poliuretano, inclusive em ambiente anaeróbio, é a produção de bioativos usados pela indústria farmacêutica, como o taxol, uma substância usada no tratamento de alguns tipos de câncer.
O biólogo Ulisses Albino, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), lembra que, além do fungo amazônico equatoriano, há diversos outros capazes de digerir plásticos. “Um estudo de 2023 traz uma tabela com vários exemplos de fungos com essa propriedade”, afirma.
Mecanismo se desenvolveu para sobrevivência
De acordo com Thalita Calixto, o mecanismo de ação do P. microspora consiste na secreção de enzimas que são capazes de romper a estrutura molecular do polímero plástico. “Aí, essas ligações, que eram grandes, se transformam em pequenas moléculas menores, que servem de alimento para o próprio microrganismo, ou mesmo em moléculas que sejam menos nocivas ao meio ambiente”, explica a pesquisadora.

Segundo Ulisses Albino, o grande sucesso dos polímeros de carbono derivados do petróleo, ou seja, os plásticos, tem a ver com o fato de eles não terem “pontas” reativas, onde microrganismos ou reagentes químicos possam se acoplar para fazerem as reações que levam às quebras das cadeias. “Por isso as sacolas plásticas substituíram as embalagens de papel, porque não se estragam mesmo que molhem, são mais resistentes a peso, entre outras características. E, como são materiais que estão há menos tempo na natureza, cerca de cem anos, os fungos ainda não se adaptaram o suficiente para fazer essas quebras com enzimas e ácidos, embora alguns já tenham encontrado pontos fracos, como o P. microspora”, comenta.
“Mas os microrganismos são muito espertos em termos de utilizar bem a energia disponível. Provavelmente, as enzimas do P. microspora, já adaptadas aos compostos de cadeia longa das plantas hospedeiras, foram ativadas como recurso de sobrevivência e quebraram os plásticos em frações absorvíveis pelas células. Então, no interior das células, foram utilizadas para gerar energia. Pelo que já li, ele é um fungo com muitas ‘cartas na manga’ em seu genoma. Já foram publicados trabalhos mostrando que eles produzem, também, substâncias antimicrobianas e anticâncer”, relata Albino.

Plástico está no centro de crise global
Todos os anos, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a humanidade produz cerca de 460 milhões de toneladas de plástico. Além de quase metade ir para aterros, há o volume que vai parar em rios e oceanos, ou mesmo em águas subterrâneas, prejudicando fauna, flora e mesmo a saúde humana. Cerca de 85% dos resíduos presentes nos corpos hídricos são de plásticos. Já são mais de 80 milhões de toneladas acumuladas nos mares. Só o Brasil despeja, anualmente, 1,3 milhão de toneladas de resíduos do tipo nos oceanos.
O problema é considerado uma crise urgente, que tenta ser enfrentada com iniciativas como o Tratado Global contra a Poluição Plástica, do Comitê Intergovernamental de Negociação, um fórum da ONU criado para discutir a situação. Porém, a última rodada de negociações, realizada em agosto, terminou sem consensos, por conta da pressão de países produtores de petróleo, material que compõe o plástico.
Na Amazônia, a estimativa é que sejam lançados em seus rios, por ano, cerca de 182 mil toneladas de plástico. De acordo com o biólogo José Eduardo Martinelli Filho, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenador de um grupo de pesquisa que estuda a poluição por plásticos e microplásticos na Amazônia, diferentes especialistas classificam a bacia hidrográfica amazônica entre o segundo e o sétimo lugar dentre as mais poluídas por plástico no mundo.

“Conforme as cidades na Amazônia vão crescendo e o uso de plástico vai aumentando, esse descarte irregular leva a uma ampla distribuição de plásticos e microplásticos na região, até mesmo distante das cidades, porque esses materiais são carregados pelos rios, pela água da chuva, dispersados por humanos e animais. Há partículas de plástico nas áreas mais remotas”, alerta Martinelli Filho.
RISCOS
De acordo com o professor, existem plásticos que não são tóxicos, mas existem aqueles que, em seu processo de fabricação, levam aditivos químicos potencialmente tóxicos, como retardantes de chamas ou corantes. “É o exemplo das redes de pesca feitas de nylon. O nylon em si não é tóxico, mas a tinta azul que se adiciona na rede de pesca é potencialmente cancerígena”, diz o pesquisador.
Em dos estudos realizados pelo grupo de pesquisa coordenado por Martinelli Filho, descobriu-se que o pássaro japu tem usado detritos plásticos, como pedaços de redes de pesca, para fazer seus ninhos. “Geralmente, essa ave usa fibras naturais presentes no ambiente para isso, mas percebemos que ela passou a selecionar ativamente fios de pesca para construir os ninhos, que ficam azuis, porque geralmente esse nylon é azul. Já são cerca de 66% dos ninhos com alguma composição de plástico, seja misturado a fibras naturais ou não. A preocupação é que essa tinta azul tóxica possa ter efeito sobre os ovos e sobre os filhotes”, indica.
Microplásticos estão na cadeia alimentar
Com o tempo, os objetos de plástico descartados no meio ambiente vão se fragmentando, formando pedaços cada vez menores. São os chamados microplásticos, partículas inferiores a cinco milímetros. Estudos no mundo todo demonstram a onipresença dos microplásticos, primeiramente identificados dentro de seres aquáticos e outros animais, mas já conhecidamente presentes no corpo humano, seja por ingestão ou inalação.

Em humanos, essas partículas já foram encontradas não só no trato digestivo, mas também nos pulmões e até no sangue. Os possíveis danos à saúde ainda não são completamente conhecidos, mas preocupantes.
“Há plásticos em diferentes escalas de tamanho, como os microplásticos e os nanoplásticos. Quanto menor a partícula, mais fácil de ela ser assimilada pela cadeia alimentar, inclusive por nós, humanos. Há o problema de alguns plásticos ou seus componentes serem tóxicos. Além disso, quando o microplástico fica muito tempo no ambiente, acaba servindo de ‘casa’ para a instalação de bactérias, que podem ser causadoras de doenças tanto para animais quanto para humanos”, alerta Martinelli Filho.
“Estudos já comprovaram que a presença de microplásticos causa problemas no sistema endócrino de camundongos. A produção de hormônios é afetada. Como isso foi demonstrado em mamíferos, possivelmente teria esse efeito em humanos também”, pontua o pesquisador.
SOLUÇÕES
Martinelli Filho vê grande potencial nos fungos que podem degradar plástico, como o P. microspora. “A gente pode cultivar esses fungos, isolar essas enzimas e produzir essa substância para atacar as partículas de plástico e auxiliar na redução desses materiais no meio ambiente. Mas as soluções começam pela gestão ambiental, que é um problema especialmente na Amazônia, onde não há coleta, tratamento e destinação adequada dos resíduos sólidos. É preciso dar eficiência à gestão desses resíduos e também repensar o consumo, que igualmente passa por políticas públicas, como por exemplo a proibição de sacolas plásticas. É preciso que nós, como cidadãos, tenhamos consciência de usar sacolas de pano, por exemplo. Assim, a gente consegue reduzir o uso de plástico, principalmente daqueles de uso único, que se usa uma vez e joga fora, para que fique décadas ou séculos no ambiente”, afirma o professor.
PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção da Liberal Amazônia é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. Os artigos que envolvem pesquisas da UFPA são revisados por profissionais da academia. A tradução do conteúdo também é assegurada pelo acordo, por meio do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multissemiótica.