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Gigantes da Amazônia

Árvores se tornam símbolo da importância da preservação

Governo e sociedade civil lutam para manter de pé a maior árvore da região e do Brasil, um angelim-vermelho de quase 90 metros de altura

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

12/07/2024

Imagine um prédio de 30 andares no meio da floresta amazônica. Uma construção típica das grandes cidades ninguém vai encontrar, mas uma árvore de quase 90 metros de altura, sim. Em 2022, pesquisadores chegaram até esta gigante, durante uma expedição na fronteira entre Pará e Amapá. A árvore ostenta o título de maior do Brasil e da América Latina e quarta maior do mundo.

O trabalho dos pesquisadores começou em 2019, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) fez um estudo na região amazônica, para conhecer características do bioma. Utilizando, a bordo de uma aeronave, um sensor a laser para determinar dados topográficos, a pesquisa identificou áreas com árvores medindo mais de 80 metros de altura, na região do Vale do Rio Jari. A descoberta foi considerada uma realidade incomum para a região, já que as maiores árvores amazônicas costumam chegar a 40 ou 50 metros, em média.

A partir dos dados obtidos pelo INPE, foram realizadas diversas expedições à área, para chegar até essas árvores gigantes. Participaram da busca representantes de instituições de pesquisa e governamentais, além de moradores locais, que ajudaram no deslocamento, por ser uma área bastante isolada e de difícil acesso. O trecho explorado inclui parte da Floresta Estadual (Flota) do Paru, no oeste do Pará, e do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Amapá, ambos unidades de conservação.

Cinco expedições e várias descobertas depois, os pesquisadores, capitaneados pela Universidade Federal dos Vales Jequitinhonha e Mucuri, de Minas Gerais, e pelo Instituto Federal do Amapá, localizaram, em setembro de 2022, na Flota do Paru, um exemplar de angelim-vermelho (Dinizia excelsa) de 88,5 metros de altura e quase 10 metros de circunferência. Sua idade é estimada entre 400 e 600 anos.

Na região, além da árvore recordista, a expedição encontrou uma população de quase 40 outras árvores gigantes, medindo mais de 60 metros de altura, incluindo vários outros angelins-vermelhos, mas também outras espécies, como piquiá (Caryocar villosum), maçaranduba (Manilkara huberi), tauari (Couratari guyanensis), castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.) e samaúma (Ceiba pentandra (L.) Gaertn.). O local foi chamado de Santuário das Árvores Gigantes da Amazônia.

Conhecendo o santuário

O Ideflor-Bio (Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará) é o responsável pelas unidades de conservação estaduais, como a Flota do Paru. Crisomar Lobato, engenheiro florestal e diretor de Gestão da Biodiversidade do Instituto, conta que especialistas do órgão se juntaram ao time das expedições em busca das árvores gigantes.

“Passamos a integrar esses trabalhos, para que a gente pudesse proteger legalmente e fisicamente essas espécies únicas. E, agora em maio, nós fizemos uma nova expedição, que localizou uma população de dezenas de angelins-vermelhos, mais ao sul da área onde foi encontrada a de 88,5 metros. Essa população mede entre 60 e 73 metros”, detalha o gestor.

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Crisomar Lobato, engenheiro florestal e diretor de Gestão da Biodiversidade do Instituto, conta que especialistas do órgão se juntaram ao time das expedições em busca das árvores gigantes (Foto: Ivan Duarte / O Liberal)

De acordo com o engenheiro, o órgão agora trabalha na produção de conhecimento sobre as árvores gigantes. “Estamos trabalhando na datação para saber a idade das árvores. Também estamos buscando embasamento científico para saber por que elas cresceram tanto. Estamos, junto com a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], analisando o solo para saber sua importância na evolução dessas árvores. Sabemos também que o vento nessa região é menos intenso do que em outras áreas. Outro fator importante é a não perturbação antrópica, ou seja, ainda não houve uma chegada humana efetiva na região”, explica Lobato.

Para o engenheiro florestal Rodrigo Geroni, professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e um dos curadores do Laboratório de Mensuração e Manejo dos Recursos Florestais, as árvores encontradas, com base em seu tamanho, estão vivas há centenas ou milhares de anos. “A existência das maiores árvores da Amazônia nesse sítio específico indica uma região de alto estoque de biomassa e carbono, com provável grande riqueza em biodiversidade”, analisa o docente.

De acordo com Geroni, estudos sobre as gigantes encontradas podem responder questões importantes, como a quantidade de carbono estocado (retirado do ar) por elas, sua relação com a biodiversidade do local, como elas afetam ou são afetadas pelo microclima e mesmo a possibilidade de reproduzir essas condições em outras áreas, com base no material genético lá existente.

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“A importância ecológica desse sítio florestal é difícil de mensurar. Não há valor de mercado que pague o que lá existe e seu valor ecológico não é de fácil medição”, diz Rodrigo (Foto: Arquivo pessoal)

“São perguntas que podem mudar o foco de muitas legislações vigentes hoje, sem falar em aspectos genéticos, fitoterápicos, medicinais e sobre a idade média de formação dessa floresta, que estão relacionados à vida humana na região. A importância ecológica desse sítio florestal é difícil de mensurar. Não há valor de mercado que pague o que lá existe e seu valor ecológico não é de fácil medição, pelo simples fato de ser ainda pouco conhecido do ponto de vista científico e ser um sítio raro dentro de toda a Amazônia”, avalia o especialista.

#ProtejaAsÁrvoresGigantes

Justamente por enxergar a importância dessas imensas e centenárias árvores, entidades do terceiro setor e setor privado, como o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o Instituto O Mundo Que Queremos e a Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação (Rede Pró-UC), se uniram para cobrar a proteção desse valioso patrimônio. Foi criada, ainda em 2022, a campanha #ProtejaAsÁrvoresGigantes.

“Na ocasião, o objetivo da campanha era chamar atenção para a existência daquele angelim-vermelho, devido a sua importância e raridade, ao mesmo tempo em que a unidade de conservação onde ele se encontra, a Flota do Paru, era considerada uma das mais ameaçadas do Brasil”, explica Angela Kuczach, diretora executiva Rede Pró-UC.

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Entidades do terceiro setor e setor privado, como o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o Instituto O Mundo Que Queremos e a Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação (Rede Pró-UC), se uniram para cobrar a proteção desse valioso patrimônio (Foto: Havita Rigamonti)

A bióloga relata que, na oportunidade da descoberta do angelim-vermelho, também se descobriu que havia mais de 500 Cadastros Ambientais Rurais (CARs) ilegais mantidos dentro da Flota. “A gente está falando de desmatamento ilegal, de invasão, de grilagem, de tentativa de garimpo, de toda sorte de ilegalidades praticadas, que a gente sabe que acontecem todo dia na Amazônia. A Flota está muito vulnerável a isso. Então, naquele momento, imediatamente o Governo do Estado do Pará cancelou esses CARs, mas essas ameaças ainda são constantes”, lembra.

Proteção integral

Angela Kuczach explica que, atualmente, a campanha #ProtejaAsÁrvoresGigantes está em uma outra fase: cobrar um novo status de proteção para a Flota do Paru. “O que a gente espera é que, além do combate às ilegalidades, essa região tenha uma nova categorização, mais restritiva, se torne mais protegida. Queremos garantir que a área em que o angelim-vermelho está localizado continue para sempre existindo e que o povo do Pará conheça e se orgulhe desse tesouro em seu quintal”, destaca.

O professor Geroni, da Ufra, concorda com a necessidade de mudança de status da unidade de conservação, além da rígida fiscalização. “Se o objetivo é preservar essas áreas, mantê-las intocadas, a principal ação deve ser conduzida pelo Governo do Estado. A transformação da Flota do Paru, principalmente desse sítio específico, em uma área de proteção integral é a medida mais apropriada. Entretanto, mesmo que isso aconteça no curto prazo, o governo estadual, associado ao federal, deve tomar ações para coibir o acesso de pessoas não autorizadas que frequentam a região há anos, por exemplo, atuando em garimpos ilegais ao longo do rio que margeia o Santuário”, afirma.

Crisomar Lobato, do Ideflor-Bio, conta que o Instituto já se mobiliza para mudar o status da unidade. Atualmente, a Flota do Paru está na categoria de uso sustentável, ou seja, pode ter seus recursos explorados, desde que de forma responsável, sem exauri-los nem prejudicar os processos ecológicos. A ideia é que a região do Santuário das Árvores Gigantes se torne de proteção integral.

“A Flota do Paru tem aproximadamente 3,6 milhões de hectares. Desses mais de três milhões, vamos separar 562 mil hectares, onde estão as gigantes, e transformar em unidade de conservação de proteção integral”, adianta Lobato. Nessa modalidade, as normas para a intervenção humana são bem mais rígidas.

Árvore da vida, ícone amazônico

Embora menores do que os angelins-vermelhos encontrados na região oeste do Pará, as samaumeiras também são reconhecidas como gigantes da Amazônia. Podem chegar a 60 metros de altura e três metros de diâmetro. Sua principal característica distintiva são suas raízes aparentes e achatadas, chamadas sapopembas. São conhecidas como “árvores da vida” e consideradas sagradas por alguns povos indígenas, que veem nelas uma espécie de interligação entre o mundo terreno e o espiritual.

Em Belém, as samaumeiras já se tornaram ícones da cidade. As mais conhecidas são a do Parque Estadual do Utinga e as da Praça Santuário de Nazaré, mas há vários outros exemplares. Na área urbana, são cerca de 15 árvores da espécie, a maioria em vias públicas e praças, mas são encontradas também no Bosque Rodrigues Alves, no Museu Emílio Goeldi e na região insular da capital, como na Ilha do Combu. De acordo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), está sendo realizado um inventário de arborização, que deve responder, com maior precisão, quantas samaumeiras há na cidade.

Segundo José Ailton Melo Júnior, chefe da Divisão de Manutenção de Áreas Verdes Públicas da Semma, os exemplares já mapeados e conhecidos recebem manutenção pelo menos uma vez ao ano, com poda ou controle de pragas. A ação pode acontecer também sob demanda.

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“Essa espécie tem uma importância cultural, porque ela é um dos símbolos da nossa cidade, e um símbolo 100% nativo”, diz José (Foto: Arquivo pessoal)

O agrônomo explica que a espécie é patrimônio tombado na esfera municipal, de acordo com a lei nº 7.709/1994, que dispõe sobre o Patrimônio Histórico, Artístico, Ambiental e Cultural da capital. “Toda vez que uma samaumeira for retirada, é obrigatório que uma nova da mesma espécie seja plantada, não necessariamente no mesmo local, mas na cidade”, detalha o técnico.

“Essa espécie tem uma importância cultural, porque ela é um dos símbolos da nossa cidade, e um símbolo 100% nativo. Os nossos ancestrais já conviviam com ela. Existem árvores na região das ilhas com idade estimada de 500 anos. As da área urbana chegam a ter 200 anos. Então, a cidade se construiu e cresceu no entorno dessas árvores. Elas fazem parte da nossa história”, opina o agrônomo.

A costureira Elizabeth Soares costuma fazer caminhadas no Parque do Utinga e tem o hábito de observar a beleza da samaumeira na entrada da unidade, que já virou cartão-postal do local, onde visitantes costumam fazer suas fotos. “Temos que apreciar a natureza. Como essa é uma árvore centenária, aí é que nós temos mesmo que preservar. Muitas dessas árvores o pessoal destrói, derruba, mas temos que ter amor, cuidar [delas] de pé. É por nós, pelo nosso futuro”, declara.