Tucumã (Thiago Gomes)
AGRICULTURA FAMILIAR

Tucumã: a "praga do mato" vira fonte de renda

Antes relegado à alimentação de animais, o tucumã ascendeu a um novo patamar, sendo utilizado como matéria-prima para biocosméticos e ajudando a reduzir o desmatamento na Amazônia. Como? Através do cooperativismo.

O Liberal

Fabyo Cruz

14/04/2023

Há alguns anos, a palmeira do tucumã - também conhecida como tucumanzeiro - era vista pelo homem do campo como uma “praga do mato”, por conta dos seus espinhos. 

No Pará, o fruto chegou a ser utilizado apenas na alimentação de animais, diferentemente do que ocorre no estado do Amazonas, onde o consumo do tucumã pelos moradores locais é amplamente difundido.

Atualmente, o cenário é outro, depois de a agroindústria perceber o potencial dos compostos bioativos presentes na extração da manteiga e óleo de tucumã para a produção de biocosméticos.

Entretanto, essa mudança não seria possível sem o apoio do cooperativismo, organizado em torno da agricultura familiar.


O tucumã (ou tukumã) é o fruto de polpa fibrosa e casca amarelo-esverdeada ou avermelhada do tucumanzeiro (Astrocaryum vulgare), palmeira que pode chegar até 15 metros de altura. 

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Duas variedades de tucumã se destacam na Amazônia: o tucumã-do-pará (Astocaryum vulgare) e o tucumã-do-amazonas (Astocaryum aculeatum) (Thiago Gomes)

Seu nome vem do Tupi e significa “fruta de planta espinhosa”, característica das folhas com espinhos negros da árvore. Embora estime-se que a espécie tenha surgido na Colômbia, seu fruto tem grande popularidade no Amazonas, especialmente na culinária manauara, com o tradicional sanduíche “X-Caboquinho” e outras iguarias. 

Isso porque, além de saboroso, ele também é altamente nutritivo e rico em ômega 3, vitaminas A, B1 e C, propriedades que melhoram o funcionamento do organismo. O óleo de tucumã ainda é pouco usado pela indústria alimentícia brasileira. Ele é mais empregado na área de cosméticos, principalmente a manteiga de tucumã. Na ciência, há pesquisas também para a sua utilização visando a fabricação de biodiesel.


Duas variedades de tucumã se destacam na Amazônia: o tucumã-do-pará (Astocaryum vulgare) e o tucumã-do-amazonas (Astocaryum aculeatum). 

A árvore do tucumã-do-pará é menor, com altura entre 10 e 15 metros, e se regenera facilmente, por perfilhar possuindo vários estipes, enquanto o tucumã-do-amazonas pode alcançar 25 metros de altura e forma um tronco único. 

Seus frutos são maiores e a sua polpa é mais “carnuda”, com menor quantidade de fibra e menos adocicado que o tucumã-do-pará. As sementes das duas espécies demoram até dois anos para germinar, crescem lentamente no campo e começam a produzir a partir do oitavo ano. As duas espécies são nativas da região amazônica.

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A relação entre os agricultores e a organização empresarial é mediada pelos chamados Gras, que é a Gerência de Relacionamento e Abastecimento da Sociobiodiversidade (Thiago Gomes)

COOPERATIVAS


No nordeste do Pará, existem famílias e produtores rurais, organizados em cooperativas adequadamente regularizadas, que plantam, extraem e comercializam o tucumã para a empresa brasileira Natura, que atua no setor de cosméticos. 

Primeiramente, esferas da multinacional, entre elas, equipes das áreas comercial, pesquisa e suprimentos avaliam as substâncias encontradas no tucumã com possibilidade suprir demandas para novos produtos da companhia. 

Assim, mapeiam comunidades tradicionais que conhecem a espécie do fruto e dão início à estruturação da cadeia do tucumã. Para isso, é necessária a autorização do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado dessas sociedades, fazendo com que os detentores dos saberes populares recebam, também, os benefícios gerados pelos estudos.

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No nordeste do Pará, existem famílias e produtores rurais, organizados em cooperativas adequadamente regularizadas, que plantam, extraem e comercializam o tucumã para a empresa brasileira Natura, que atua no setor de cosméticos (Thiago Gomes)


A empresa estabeleceu parceria com 41 comunidades na Amazônia, sendo 23 no Pará, e lida com os bioativos da andiroba, murumuru, ucuúba, patauá e tucumã. 

A relação entre os agricultores e a organização empresarial é mediada pelos chamados Gras, que é a Gerência de Relacionamento e Abastecimento da Sociobiodiversidade. 

No Baixo Amazonas, a Cooperativa Mista Agroextrativista de Santo Antônio do Tauá (Camtauá), em Santo Antônio do Tauá; a Cooperativa Agropecuária dos Produtores Familiares Irituienses (D'Irituia), no município de Irituia; e a Cooperativa dos Fruticultores de Abaetetuba (Cofruta), na cidade de Abaetetuba, fornecem à Natura a amêndoa e manteiga de tucumã, sem contrato de exclusividade. Ou seja, as cooperativas também comercializam os insumos para outros negócios. As três cooperadoras foram visitadas pela reportagem do LIBERAL AMAZON nos dias 3, 4 e 5 de abril deste ano.


Matéria-prima para o protagonismo feminino


Com 12 anos de existência, a cooperativa D'Irituia é formada por 42 cooperados, sendo 19 mulheres e 23 homens, oriundos de diversas comunidades rurais. 

No presente, o quadro de diretores é 100% formado por mulheres, tendo a sócia e fundadora Maria Valquíria Cordeiro, 41 anos, responsável pelo setor financeiro. 

Para ela e suas companheiras de cooperativismo, o tucumã, que antes era visto como “praga do mato”, agora é reconhecido como "ouro", capaz de contribuir não apenas na luta contra o desmatamento, como também mudar para melhor, economicamente falando, as vidas das famílias tradicionais que habitam nas comunidades e trabalham com o extrativismo.


“Eu moro na Vila São Francisco, que fica a 14 quilômetros do centro, onde está localizada a nossa central de produção. Outros cooperados residem na Vila do Itabocal, Penha, Remanso, Santa Rita, Hebron, e em outras comunidades rurais. No início, a nossa diretoria era formada só por homens, então, quando eu pude fazer parte do quadro diretor, percebi, lá dentro, a necessidade de trazer mais mulheres. Com a mudança, fomos pegas de surpresa pela melhor evolução que a cooperativa teve, isso gerou energia positiva e mais garra de trabalhar. Em 2019, tivemos a primeira demanda de tucumã da Natura, reunimos uma cadeia de mulheres para trabalhar nessa rede do tucumã, foi ótimo! Deu tudo certo!”, lembra Maria.

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Com 12 anos de existência, a cooperativa D'Irituia é formada por 42 cooperados, sendo 19 mulheres e 23 homens, oriundos de diversas comunidades rurais (Thiago Gomes)


“Em 2020, tivemos um novo desafio, que era trabalhar com o tucumã seco. O fruto não é uma novidade para a gente, porém sempre trabalhamos com ele fresco, in natura. Então, trabalhar com ele seco foi desafiador, ainda mais durante a pandemia. Ficamos preocupadas, com receio no começo, e no finalzinho do ano deu certo. O resultado positivo desse trabalho foi a compra da nossa sede própria, nossa identidade, que até então era alugada. Em 2021, tivemos novas demandas, com isso demos início a uma central de produção, que inauguramos no final daquele ano. Em 2022, tivemos o desafio imenso de entregar a amêndoa de tucumã, que não sabíamos nem para onde ir, nem como fazer, mas graças a Deus cumprimos o nosso contrato. Hoje, dizemos que com a ajuda das mulheres dentro da cooperativa, dos nossos vizinhos, que também são cooperados, nós honramos com o nosso compromisso e mantivemos nosso contrato em dia com a Natura”, concluiu Maria Valquíria.

UMA VIDA MELHOR


Mestra em desenvolvimento rural e gestão de empreendimentos, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), do campus Castanhal, Maria Fernanda Lima, 31 anos, moradora da comunidade Santa Rita, faz parte da cooperativa D'Irituia há 9 anos. Ela afirma que o trabalho com o tucumã vai além da relação de compra e venda com a multinacional de cosméticos: “Eu só consegui sair para cursar o mestrado porque fornecemos a matéria-prima do tucumã. Essa parceria é uma questão realmente de nos incentivar, capacitar, de ser donos e a saber como gerir o nosso empreendimento”, analisa.


“A melhoria é em vários sentidos. Como o nosso município é 85% rural, por muito tempo a gente dependeu só de transportes públicos. Temos um povo que só tinha a cultura de ir para a cidade na segunda, quarta e sexta-feira, que era quando tinha esse transporte. Através dessas vendas, muitos conseguiram comprar carro e moto, então passaram a conseguir fazer essas viagens, sem estar dependendo diretamente do transporte público. As pessoas também conseguiram ter suas casas. Havia pessoas que tinham um pedacinho só de terra, mas que conseguiram crescer, melhorar de vida com alimentação que a gente produz. Então, para a gente, são vários benefícios frutos dessa parceria da comercialização da matéria-prima do tucumã”, afirmou.


Cooperativa multiplica o seu valor de mercado


A população de Abaetetuba é superior a 160 mil habitantes, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

A produção e comercialização do açaí é a principal fonte de renda do município, que no passado, há cerca de 40 anos, era alavancada pelo cultivo de cana de açúcar para produção de cachaça. 

O abaetetubense Vanildo Quaresma, 51 anos, é coordenador de produção da Cofruta. Detentor de saberes tradicionais, ele comentou que devido à decadência do cultivo da cana de açúcar na região, a floresta conseguiu se regenerar após anos de desmatamento. 

Oriundo da comunidade rural Ilha Sirituba, o produtor extrativista possui uma área de assentamento com aproximadamente quatro hectares - o equivalente a quatro campos de futebol. 

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Vanildo explica que o tucumã se tornou uma contribuição à renda familiar da região, somada à extração da andiroba, murumuru e ucuúba, além, é claro, do açaí (Thiago Gomes)

A propriedade de Vanildo é um dos principais exemplos de que é possível gerar renda sem recorrer à retirada da floresta local. 

O sistema utilizado nela é a agrofloresta. Ao contrário da monocultura, que visa a cultura de apenas uma espécie dentro de um espaço comum, a agroflorestal objetiva a cultura de muitas espécies dentro de um mesmo espaço.


Vanildo explica que o tucumã se tornou uma contribuição à renda familiar da região, somada à extração da andiroba, murumuru e ucuúba, além, é claro, do açaí. Raimundo Brito de Almeida, 59 anos, é o presidente da Cofruta, fundada em 2002. 

A cooperativa iniciou com R$ 6.700 e, atualmente, está avaliada em torno de R$ 8 milhões a R$ 10 milhões. 

No local, atuam 22 cooperados, sendo 50% homens e 50% mulheres. Segundo “seu Brito”, como é conhecido na localidade, hoje a diretoria da Cooperativa dos Fruticultores de Abaetetuba é composta em sua maioria por mulheres (70%). 

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"Se você encontra mercado para ele [homem do campo], é muito grande a possibilidade dele se manter lá, na área rural"
Raimundo Brito de Almeida, presidente da Cofruta

Para ele, o reconhecimento do trabalho feminino é importante para empoderar outras mulheres, que antes, devido ao machismo estrutural, possuíam poucas oportunidades e eram fadadas a cuidar da família e dos afazeres domésticos. 

Ele também afirma que agricultura familiar é uma atividade que não apenas contribui para a redução do desmatamento da floresta, como também possibilita oportunidades de trabalho ao homem do campo, redução do êxodo rural e, indiretamente, a diminuição da violência na região.


“Uma das questões é você encontrar uma resposta para o cidadão do campo, porque, às vezes, a gente não encontra essa resposta, e essa questão da agricultura familiar tem a possibilidade de encontrar uma saída para os produtos que são oriundos de lá, dessa sociobiodiversidade. Se você encontra mercado para ele [homem do campo], é muito grande a possibilidade dele se manter lá, na área rural, trabalhando lá na mata, cuidando das plantas e, principalmente, do meio ambiente, porque aí não precisa degradar tudo, não precisa dar as suas terra de forma barata para as pessoas, e nem ir para área urbana levar problemas ao município. Então, nós temos esse trabalho de fortalecimento dessas pessoas, junto às famílias, na agricultura familiar”, afirmou o presidente da Cofruta.


"O poder público não olha para as cooperativas"


A Camtauá atua há 13 anos no ramo do extrativismo, contribuindo como fonte de renda para mais de 100 famílias, nos municípios de Santo Antônio de Tauá, Colares, Vigia de Nazaré e São Caetano de Odivelas. 

Na atualidade, a cooperativa trabalha com vários produtos extraídos da sociobiodiversidade, entre eles, a andiroba, murumuru e o tucumã. 

“Já estamos desenvolvendo esse trabalho há mais de dez anos aqui no Tauá, contribuindo para o desenvolvimento local, das famílias tradicionais e temos uma parceria muito boa com a Natura, que presta suporte, dá todo esse apoio de gestão financeira, e que sempre acompanha o nosso dia a dia”, conta Gilson Santana, 34 anos, coordenador de produção da Camtauá. 

“O nosso trabalho é justamente para prevenir e preservar. O lema da Camtauá é ‘preservando e produzindo na Amazônia’. Então, a gente primeiro preserva para depois começarmos a produzir e, com tudo isso que nós fazemos hoje, nós mantemos a floresta em pé. Tem gente que diz ‘a Amazônia é nossa’, mas são poucos os que fazem isso acontecer, trabalhando lado a lado com a natureza”, assegurou.

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"Tem gente que diz ‘a Amazônia é nossa’, mas são poucos os que fazem isso acontecer, trabalhando lado a lado com a natureza."
Gilson Santana, coordenador de produção da Camtauá


Gilson confidencia que, apesar de a Amazônia chamar atenção do mundo, sobretudo por ser a maior floresta tropical do planeta em biodiversidade e um bioma, que possui uma rica flora, com potencial de muitas espécies de plantas ainda não descobertas, os habitantes da região ainda são pouco prestigiados. 

“Muitas vezes as pessoas querem vir conhecer a Amazônia, mas de fato, incentivar e preservar, são poucos. Assim como são poucas as empresas que nos apoiam. Hoje, o nosso principal apoiador é de empresa privada, o próprio poder público não olha para as cooperativas, para gente do extrativismo, que faz essa essa floresta equilibrada ainda ficar de pé. São empresas privadas que fazem isso, que têm o interesse de alguma maneira incentivar para que isso aconteça. Mas, de fato, o poder público, e até o município, ainda está muito longe para olhar para a natureza. Muitos falam, e eu acho que é para tentar agradar os críticos, não sei, mas de fato mesmo, a gente ainda espera muito que o poder público venha dar incentivo para as comunidades que já fazem isso na prática”, afirmou.