Existem produtos que têm características e valor particulares por conta da região em que são produzidos. É o caso, no Brasil, das rendas do Nordeste, dos vinhos da Serra Gaúcha, dos queijos de Minas Gerais ou do açaí dos estados que fazem parte da Amazônia.
Por conta das qualidades específicas relacionadas à origem de sua produção, esses itens podem receber um signo distintivo, uma espécie de selo que atesta a particularidade, denominado Indicação Geográfica (IG). Esse signo pode agregar valor aos produtos, beneficiar produtores e consumidores e preservar modos de produção tradicionais.
A IG é concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). No Brasil, já foram reconhecidas 119 IGs desde 2002. Apenas 18 delas são de produtos dos estados amazônicos.
PRODUTOS AMAZÔNICOS
Dos nove estados da Amazônia, seis possuem produtos com IGs. O Amazonas tem oito; o Pará, quatro; Rondônia, três; Acre, duas; e Tocantins e Roraima têm uma cada. Amapá, Mato Grosso e Maranhão ainda não contam com nenhum produto com o signo distintivo, embora já haja processos em tramitação para a obtenção. O item da região a conseguir o registro junto ao INPI foi o artesanato em Capim Dourado do Jalapão, no Tocantins, em 2011.
Das 18 IGs da região, várias são de produtos considerados típicos do bioma, como farinha de mandioca, açaí, cacau, guaraná ou peixes amazônicos. No Pará, os quatro produtos com Indicação Geográfica são: o cacau de Tomé-Açu, título obtido em 2019; o waraná e o bastão de waraná (guaraná nativo) da Terra Indígena Andirá-Marau, registrado em 2020; e o queijo do Marajó e a farinha de Bragança, ambos concedidos em 2021. A IG do waraná é compartilhada com o estado do Amazonas, já que o território indígena fica na fronteira.
IGs atestam peculiaridades dos produtos
De acordo com Sheila Souza, mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação pelo Instituto Federal do Pará (IFPA), a Indicação Geográfica atesta que o produto é muito característico de uma região. “Ele pode estar associado ao clima, à altitude, às pessoas do lugar que fazem com que aquilo seja diferente, que aquilo seja único”, explica.
Ela aponta que há dois tipos de IGs: a Indicação de Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO). “As Indicações de Procedência estão relacionadas com a fama, com a notoriedade daquele produto, como, por exemplo, a farinha de Bragança ou o queijo do Marajó. Já as Denominações de Origem estão relacionadas com as características geográficas que tornam aquele produto distinto, como é o caso do waraná da Terra Indigena Andirá-Marau”, esclarece.
As características associadas ao meio geográfico específico podem ser tanto fatores naturais, quanto humanos. Dentre as IGs amazônicas, apenas três são Denominações de Origem: o waraná, o pirarucu manejado de Mamirauá, no Amazonas, e o café em grãos Robusta Amazônico, das Matas de Rondônia.
GARANTIA E PROTEÇÃO
Para Sheila Souza, a IG valoriza o produto e dá garantias tanto ao produtor quanto ao consumidor. “Quando a gente vai na feira, a gente vê que a farinha de Bragança é um pouco mais cara que as outras. A justificativa do feirante é que a de Bragança é melhor. Mas, em muitos momentos, a gente vê pessoas vendendo farinha dizendo que é de Bragança sem realmente ser. O consumidor é enganado, é levado ao erro”, pontua.
Da mesma forma, sem a IG, o produtor não tem a proteção necessária. “Quando não tem o reconhecimento, o coletivo de Bragança não pode proibir os outros de usar a sua Indicação Geográfica indevidamente. Então, com o reconhecimento feito pelo INPI, ele tem um instrumento jurídico que permite que ele proíba os outros que não fazem parte daquele conglomerado de municípios de dizer que é farinha de Bragança”, justifica. A Indicação Geográfica da farinha de Bragança inclui não só o município que lhe dá nome, mas também Augusto Corrêa, Santa Luzia do Pará, Tracuateua e Viseu.
Indicações movimentam economia na Amazônia
Com a notoriedade impulsionada pela Indicação Geográfica, não só a cadeia do próprio produto é movimentada, mas também outros setores da economia. “Nós temos um exemplo muito bom no caso do queijo do Marajó. Depois do reconhecimento da Indicação Geográfica, começou a ter ali um arranjo produtivo envolvendo o turismo. Tem uma empresária que é dona de pousada, outra tem uma van, outra faz camisas regionais, outra tem uma fazenda que produz queijo. Elas se organizam para oferecer vários serviços: uma hospeda, outra leva para a praia na van, outra recebe na fazenda para o café da tarde com queijo do Marajó, para conhecer os búfalos, para viver a experiência de estar no Marajó. Esse incremento, com a venda dessa experiência, tem repercutido financeiramente, mais até do que a própria venda do queijo”, conta Sheila Souza.
“Com a IG, houve um aumento do interesse pelo queijo, porque ele se tornou mais famoso do que já era. Então, esse arranjo produtivo acaba se organizando melhor, produzindo mais, vendendo mais. Agora, com a IG, o produto está um pouco mais caro, e isso é uma vantagem para o produtor e também para a região, porque gera desenvolvimento local”, analisa a especialista.
VALOR AGREGADO
Dona de uma das fazendas produtoras do queijo do Marajó, Gabriela Gouvêa confirma os benefícios da IG. “Quando recebemos esse reconhecimento, iniciamos uma outra atividade, no turismo. A gente conseguiu agregar mais valor ao produto, não só com a venda em si, mas atrelando a outros serviços. Isso triplicou nossas vendas”, relata.
Já no Amazonas, uma das IGs é o açaí do município de Codajás. Mesmo com o reconhecimento recente, em março deste ano, a Indicação Geográfica já traz bons frutos para os produtores. De acordo com um deles, Francisco Dantas, a procura pelo produto aumentou, bem como o preço de venda.
“Com o processo da IG, participamos de capacitações, de feiras, resgatamos a valorização e a identidade do açaí de Codajás. Também melhoramos a questão da manipulação, higiene, transporte. Com isso, veio a melhoria do preço. Agregou um pouco mais de valor em cima do fruto. Hoje, ele está bem procurado, principalmente pelo mercado de Manaus. A gente percebe essa diferença quando participa das feiras, porque se tornou um novo cenário”, comemora o produtor.
DESAFIOS
Apesar de todos os potenciais benefícios da obtenção da Indicação Geográfica, há alguns desafios para que novos produtos amazônicos alcancem o reconhecimento. “Hoje, a gente tem um número muito reduzido de Indicações Geográficas quando comparado com Sul e Sudeste. Isso está relacionado com acesso à informação, com a existência de poucos profissionais para atuar na área e também dificuldades logísticas para chegar até os municípios”, afirma Sheila Souza.
Françoan Dias, mestre em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), confirma as dificuldades na região. “A Amazônia ainda tem, relativamente, poucas indicações geográficas e tem vários fatores relacionados a isso. A gente pode citar fatores logísticos e a falta de infraestrutura adequada. Tem ainda a questão da menor visibilidade dos produtos amazônicos nos mercados nacional e internacional. E tem ainda a questão da complexidade dos processos para a obtenção do reconhecimento, porque o registro junto ao INPI é um pouco burocrático. Sul e Sudeste têm um número expressivo de produtos com Indicação Geográfica, com tradição de produção e apoio das instituições locais, enquanto que a Amazônia está em um processo de consolidação nesse sentido”, avalia.
Perspectiva para o futuro dos produtos amazônicos é positiva
Mas o especialista acredita que há boas perspectivas para o futuro, com apoio institucional e acesso à informação. “O Amazonas é o estado da região com o maior número de Indicações Geográficas e acho que isso se deve à atuação das instituições governamentais. Temos a Superintendência do Ministério da Agricultura e Pecuária, que tem uma coordenação de Indicações Geográficas local. Temos a Secretaria de Produção Rural, que faz capacitações e promove as IGs. E o Sebrae Amazonas é essencial para fazer esse diagnóstico de potenciais IGs no estado e dar suporte para as IGs já registradas”, relata.
“A gente tem também que destacar que as associações e cooperativas estão cada vez mais antenadas quanto à importância desse reconhecimento. Muitas vezes, são elas mesmas que procuram os órgãos para dar início ao processo”, complementa Dias.
O pesquisador lembra que, como muitos produtos são associados à biodiversidade da região, a obtenção da IG também incentiva práticas mais sustentáveis. “Isso acaba contribuindo para a preservação da floresta, a geração de emprego e renda para as comunidades envolvidas e a valorização do saber local”, pontua.
FÓRUM
Para auxiliar os produtores no reconhecimento da IG e na organização da cadeia produtiva, vários estados contam com Fóruns Estaduais de Indicações Geográficas e Marcas Coletivas, compostos por instituições governamentais e de pesquisa, além das associações e cooperativas. No Pará, o Fórum foi criado em 2016, com o objetivo de instituir um Programa Estadual de Incentivo à Indicação Geográfica e Marcas Coletivas do Estado do Pará, determinado por lei em maio de 2024.
De acordo com a engenheira agrônoma Márcia Tagore, atual coordenadora do Fórum paraense, o Programa pretende prestar apoio durante as três fases do reconhecimento da Indicação Geográfica: no antes, com os diagnósticos necessários; no durante, para o reconhecimento junto ao INPI; e no depois, com incentivos para a divulgação dos produtos e solução das fragilidades das cadeias produtivas.
"Acredito que as Indicações Geográficas e as Marcas Coletivas são potenciais instrumentos que propiciam à sociedade conhecimento e valorização da cultura local. São importantes sinalizadores das potencialidades dos territórios, porque apontam para as riquezas da nossa bioeconomia”, declara.
PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção do Liberal Amazon é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. A tradução do conteúdo é realizada pelo acordo, através do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multisemioses.