Não é de hoje que a castanheira-da-Amazônia tem importância social e econômica no contexto do bioma que nomeia a árvore. Famílias tradicionais, como as compostas por ribeirinhos, indígenas e quilombolas, garantem parte da renda a partir da produção e venda da semente dessa espécie, a castanha-do-Pará. O alimento movimentou mais de R$ 170 milhões na Região Amazônica em 2022 – ano da última atualização feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, resultado da colheita de 38.169 toneladas produzidas e tendo potencial para mais.
Em 2021, o produto gerou R$ 137 milhões para o bioma. Acompanhando as necessidades e a tendência de crescimento vista na produção da castanha-do-Pará, alguns projetos e instituições da Amazônia estão focando em melhorar as condições de crescimento das árvores, de plantio e colheita, inserir valor agregado no alimento e fomentar a geração de emprego e renda na região. Um deles é o Nanorad’s, experiência coordenada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que faz uso de nanobiotecnologia para potencializar o desenvolvimento de plantas.
A iniciativa está presente em todos os nove estados da Amazônia Legal – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão – e conta com mais de 100 pesquisadores. As castanheiras são o grande alvo do projeto. Nelas, uma nanopartícula, chamada de arbolina, é inserida nas folhas ou no solo, com o objetivo de melhorar a sinergia das raízes com as bactérias presentes, provocando um avanço na fotossíntese, na assimilação de carbono e no crescimento dessas espécies. Os resultados já mostram incremento na altura, diâmetro e no número de folhas das plantas.
Arbolina
Elas serão medidas em 2025, mas o estudo com a arbolina indica um aumento de 30% no tamanho das árvores que fizeram uso da substância. O ponto de partida para o início das pesquisas com as castanheiras foi a realidade de desmatamento na Amazônia. José Francisco Gonçalves, pesquisador do INPA e coordenador do Nanorad’s, explica que essas áreas degradadas do bioma são o foco dos trabalhos por existir muita perspectiva de futuro e poucas soluções efetivas para contornar o problema. “Vinte por cento de área desflorestada é suficiente enquanto visão de futuro, enquanto solução política adequada”, diz.
O projeto tem dois anos. Gonçalves destaca que são cerca de 16 mil as espécies de árvores existentes na floresta amazônica e, em comparação com outras regiões, se houvesse o uso de ao menos 10% desse total a economia começaria a mostrar efeitos de reação. “Significa que temos o problema e temos como torná-lo uma solução e os tomadores de decisão têm que escolher o lado. O problema é: continuo no desmatamento? E a solução é: uma ação efetiva em áreas que já foram desflorestadas. Fizemos um diagnóstico e dizemos que há soluções e elas são pautadas em plantios florestais”, afirma.
“Precisamos trabalhar no sentido de fazer plantio em espécies que agregam valor ao mercado. Falta pesquisa, falta investimento, mas mesmo dentro dessa espécie que temos, é possível fazer plantio florestal com alto desempenho. Hoje, o projeto tem 11 instituições em toda a Amazônia brasileira. No Pará, é a Unifesspa. Em cada uma das áreas, tem um pesquisador responsável e um bolsista que acompanha o experimento em campo. Temos cinco estudantes do ensino médio selecionados de escolas públicas”, lista o pesquisador.
Espécie fornece da castanha à madeira
Diversas são as possibilidades de incremento na economia por meio das castanheiras. Além da produção de castanha-do-Pará, a de madeira também tem espaço no mercado e acelerar o crescimento das espécies é uma forma de garantir a demanda. O coordenador do Nanorad’s, José Francisco Gonçalves, explica que a árvore leva oito anos, nas condições atuais, para maturar – esse tempo está sendo diminuindo por meio da nanobioctecnologia. “A castanheira é uma espécie de multiproduto, então ela tem essa vantagem de produzir castanha, madeira, a amêndoa pode extrair o óleo, tem o consumo in natura…”
Escolha
Além do contexto socioeconômico presente no cultivo da castanheira na Amazônia, o projeto levou em consideração as diferenças fisiológicas da árvore para realizar o estudo. “A escolha da castanheira foi uma seleção de uma espécie que apresenta o que a gente chama de plasticidade fisiológica. Ela tanto cresce em ambientes de sub-bosque, germina quando a floresta abre o dorsel, então, a semente que está no banco de sementes ali cai no solo e germina, cresce. A castanheira cresce naquela condição de baixa luminosidade, mas ela também cresce em ambientes abertos desflorestados”.
Castanha-do-Pará tem vantagens competitivas
Ao contrário de outros elementos cultivados da Amazônia, como o açaí, a castanha-do-Pará conta com o diferencial de não ser perecível, ou seja, não estraga fácil. Lúcia Wadt, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de Rondônia, pondera, também, que a colheita do produto envolve toda a família, garantindo renda de forma ampla. “Só que o açaí tem um valor agregado muito maior, gera mais renda, mas não é tão universal em termos de coleta. A castanha é um produto que substitui a borracha e desde os primórdios você tira e vende sem problema de falta de tecnologia”.
“O mercado está em crescimento, não está saturado e é bem tradicional. A renda principal é para famílias que vivem na Amazônia, em reservas extrativistas, gerando a maior parte dos lucros deles. É um conhecimento que passa de pai para filho, quase todo mundo sabe coletar e quebrar a castanha. A borra é tradicional e está se perdendo porque os jovens não sabem cortar seringueira. Mas, a castanha, não. Jovens e adolescentes participam [das colheitas], as mulheres participam e por isso é tão importante”, complementa a pesquisa da Embrapa.
Fins medicinais
As pesquisas desenvolvidas pela Embrapa seguem o caminho de promover qualidade na produção e colheita das castanhas-do-Pará e encontrar melhores saídas para a bioeconomia do produto na Amazônia. Entre os estudos, potenciais medicinais no alimento foram encontrados. “Várias comunidades extrativistas usam, coletam a casca e fazem o chá para problemas de estômago, por exemplo. Usam para várias coisas. As pesquisas para fins medicinais têm dados resultados muito interessantes [em outras árvores], mas na castanheira foi mais expressivo”, diz Lúcia.
Embrapa trabalha no melhoramento da economia da castanha-do-Pará
Desde o início dos anos 2000 a Embrapa pesquisa as melhores formas de fazer com que a cadeia produtiva da castanha-do-Pará seja maior. Lúcia destaca que, entre os projetos, a instituição trabalha qualidade, agregação de valor, soluções extrativistas e genética. “A gente tem trabalhado para melhorar a produtividade, diminuir o esforço laboral, o plantio trabalhando a questão da seleção e desenvolvimento de materiais produtivos e técnicas de produção de muda e poda, de enxertia, para que a gente consiga recomendar um sistema de cultivo com técnicas que você realmente traga vantagens em produção”, afirma.
Apesar do valor da produção da castanha-do-Pará, semente da castanheira, ter tido um aumento entre 2021 e 2022, o alimento vem de uma série histórica de estabilidade: em 2018, foram R$ 130 milhões arrecadados e, em 2019, R$ 135 milhões. Em 2020, por conta da pandemia de covid-19, esse valor foi de R$ 98 milhões. Os dados são do IBGE. João Cláudio Arroyo, professor universitário e doutor em desenvolvimento urbano e meio ambiente, considera que os ganhos poderiam ser bem maiores. Isso porque o bioma produz sem valor agregado, ou seja, baseia as exportações em produto bruto, sem trato.
“Existe uma certa desvalorização da castanha junto ao real e pela lógica de exportar sem nenhum beneficiamento. Transformamos e deixamos a castanha como commodity, um produto comum para o mercado internacional; ele não se destaca pela qualidade e peculiaridade, só ganha mercado pelo preço, ele tem que depreciar custo para baixar preço e ganhar mercado. A gente exporta uma parte que vai para a Suíça, por exemplo, e compramos a castanha envolvida no chocolate, sendo que poderíamos fazer aqui”, explica o professor.
Contraste
Essa realidade é contrastante, uma vez que o Brasil é o segundo maior produtor da castanha-do-Pará, seguido por Bolívia e Peru. “Nós temos muitos recursos, mas a riqueza é gerada fora. Nós ficamos com cerca de 5% dos recursos da riqueza que é gerada com o que nós temos. O posicionamento do Brasil na geoeconômica é desvantajoso: temos recursos, somos a 9ª maior potência produtiva do mundo, temos o 9º maior Produto Interno Bruto[PIB], mas nós produzimos muito mas sem valor agregado. Quem está tomando decisões econômicas é quem tem interesse que o Brasil continue pobre”, afirma Arroyo.
Potencial
Uma série de produtos poderiam ser desenvolvidos a partir da castanha-do-Pará, como óleo para substituir azeite e doces, por exemplo. No entanto, o extrativismo continua sendo a principal atividade. “A castanha começa como uma droga do sertão [especiarias com alto valor de revenda], logo com a chegada dos portugueses. Depois, voltaram a investir aqui com a chegada dos ingleses e franceses, mas deram maior expressão para pedras preciosas. A castanha não teve destaque e continua sendo um produto extrativista, não tem uma técnica, uma indústria. Colhemos e jogamos para o mundo, eles devolvem em produtos”, explica o docente.
Produção de castanha-do-Pará na Amazônia
- Acre
R$ 58 milhões
9.145 toneladas produzidas
- Amapá
R$ 1,1 milhão
400 toneladas produzidas
- Amazonas
R$ 46 milhões
14.303 toneladas produzidas
- Mato Grosso
R$ 16 milhões
2.205 toneladas produzidas
- Pará
R$ 31 milhões
8.807 toneladas produzidas
- Rondônia
R$ 5,9 milhões
1.395 toneladas produzidas
- Roraima
R$ 10 milhões
1.915 toneladas produzidas
- Tocantins
Sem dados
- Maranhão
Sem dados
Fonte: IBGE/2022