Em 2025, Brasil e Japão comemoram os 130 anos de suas relações diplomáticas. Em 1895, os dois países assinaram o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, que iniciou as negociações para o começo da imigração japonesa para o Brasil. O primeiro navio com imigrantes nipônicos chegou em 1908, no porto de Santos, dando o ínicio para o que viria a se tornar a maior comunidade japonesa fora do Japão: a brasileira.
Os primeiros colonos se estabeleceram em São Paulo e no Paraná, atualmente as duas maiores colônias no Brasil. E a Amazônia também é parte dessa história: Pará e Amazonas receberam imigrantes a partir do fim da década de 20 do século passado. Por isso, Tomé-Açu, no Pará, principal cidade amazônica onde se estabeleceram, ocupa o posto de terceira maior colônia do País.
De acordo com Silvio Shibata, ex-presidente da Associação Cultural e de Fomento Agrícola de Tomé-Açu (ACTA) e descendente de imigrantes, o governador paraense Antônio de Souza Castro soube, em 1926, sobre o trabalho japonês no cultivo de café, em São Paulo, e pensou em incentivar a migração também para o Pará, com o intuito de desenvolver a agricultura local. Fez então contato com o embaixador japonês do Rio de Janeiro, com a proposta. Mas foi apenas em 1929, no governo de Dionísio Bentes, que chegou a primeira leva de imigrantes ao estado.
“As primeiras famílias chegaram na região em 22 de setembro de 1929. Foram 42 famílias, compostas por 189 membros, que chegaram ao que na época ainda era o município de Acará, mas que, com a emancipação, hoje é o município de Tomé-Açu. A promessa do governo paraense foi a doação de um lote agrícola para cada família, para o cultivo de hortaliças, fumo e cacau”, conta Shibata.

Na época, o Japão vivia uma grande recessão, com muitos habitantes e pouco alimento, então o processo também era de interesse do governo japonês. De acordo com o historiador Tatsuo Ishizu, também descendente de imigrantes, o Japão tinha um projeto expansionista. “Em 1931, por exemplo, o Japão invadiu o norte da China, na região chamada Manchúria, e lá iniciou uma colonização. No mesmo molde, eles pretendiam se implantar aqui na Amazônia”, explica Ishizu. Aliado a isso, havia os recursos e pretensões das empresas nipônicas. “A empresa Kanebo adquiriu terras em Tomé-Açu e Monte Alegre para que os japoneses cultivassem cacau”, completa o especialista.
MONTE ALEGRE
O outro município que recebeu imigrantes japoneses no Pará foi Monte Alegre, na região oeste do Estado. “A empresa trazia os japoneses para morarem de forma fixa na Amazônia, não era para trabalhar e voltar. A primeira leva, antes da Segunda Guerra, trouxe em torno de 2.400 imigrantes para os dois municípios paraenses. Em Monte Alegre, a proposta era produzir fumo e em Tomé-Açu, cacau. Só que os dois projetos fracassaram e a empresa abandonou os colonos à própria sorte, ainda na década de 30. O resultado foi que a maior parte dos imigrantes de Monte Alegre foi para Tomé-Açu”, relata Ishizu.
Região viveu boom e declínio da pimenta
Com a proposta inicial da empresa Kanebo fracassada, os imigrantes de Tomé-Açu começaram a atuar em outra frente. A segunda leva migratória para o município, em 1931, precisou, no caminho, aportar em Singapura, onde um dos imigrantes comprou vinte mudas de pimenta-do-reino. Apenas duas mudas sobreviveram, cada uma plantada por uma família, e o cultivo deu certo. Em 1933, foi criada a primeira cooperativa agrícola do município e a pimenta-do-reino prosperou, bem adaptada ao clima e à natureza do Pará.

“Na década de 60, Tomé-Açu já tinha mais de 400 mil pimenteiras e se tornou o maior produtor mundial. Era nosso ‘diamante negro’”, ressalta Shibata. Porém, uma praga denominada fusariose acabou dizimando as plantações de pimenta.
SAFTA
Com toda a sua produção perdida, os imigrantes procuraram outras alternativas de cultivo. Foi aí que, observando o modo de vida ribeirinho, que tirava seu sustento o ano inteiro de várias plantações diferentes, imitando a forma como as plantas convivem mutuamente na natureza, o japonês Sakaguchi iniciou o plantio de várias espécies frutíferas em consórcio, dando origem ao que hoje se conhece como sistema agroflorestal. Com o auxílio de pesquisadores, como os da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amazônia Oriental, aperfeiçoaram o método do plantio de cacau, açaí, cupuaçu e outras plantas conjuntamente, e se tornaram referência na tecnologia.
“Hoje, temos o mundialmente conhecido Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu (Safta). Principalmente com a COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025) batendo às nossas portas, acreditamos que demos uma grande contribuição, pois são sistemas sustentáveis consolidados, com um histórico de muitas parcerias”, conta Shibata.

Tomé-Açu teve campo de concentração durante a Segunda Guerra
Durante a Segunda Guerra Mundial, os nipônicos que moravam em terras brasileiras sofreram as consequências do conflito. “Os japoneses passaram a ser considerados inimigos da pátria. Todos os pertences das famílias japonesas foram tomados pelos soldados e foi criado um campo de concentração em Tomé-Açu, que aprisionou não só japoneses, mas imigrantes de outras nacionalidades inimigas, como italianos e alemães. Foi um período muito difícil”, lamenta Silvio Shibata.
Contudo, no pós-guerra, se iniciou uma nova onda migratória para a Amazônia, com maior dispersão pelas cidades da região. “Como os japoneses perderam a guerra; se não foram mortos, foram expulsos de onde estavam, e muitas famílias tiveram que voltar para o Japão. Isso se tornou um fenômeno crítico para o país, que já estava destruído econômica e estruturalmente e não tinha condições de absorver todas essas pessoas. Assim, o governo iniciou um processo de colonização de áreas do próprio Japão que ainda eram pouco povoadas, ou enviar imigrantes para outros países”, relembra o historiador Ishizu.
A própria família de Ishizu iria para Hokkaido, ao norte do Japão, mas acabou migrando para Belterra, no oeste paraense. “O governo fazia esse recrutamento e propuseram vir para a Amazônia, porque era promissor. Então minha família veio, em 1955. Mas outras regiões também receberam japoneses, como São Miguel do Guamá, no Pará, ou Mazagão, no Amapá”, completa o pesquisador.
PARINTINS
O segundo estado amazônico que mais recebeu imigrantes japoneses, depois do Pará, foi o Amazonas, ainda no período anterior à guerra, na década de 30. O processo de imigração para o estado foi resultado da crise da borracha vivida na época. Para contornar o problema econômico, o governo do Amazonas, assim como o paraense, também propôs a doação de terras aos japoneses para o trabalho agrícola. Os principais locais escolhidos foram Maués e Parintins.

“Em 1930, foi fundado em Parintins o Instituto Amazônia, responsável por obras infraestruturais básicas para receber o contingente de japoneses. Ao mesmo tempo, no Japão, foi criada a Escola Superior de Emigração, que preparava jovens para vir à Amazônia, ensinando a falar português, trabalhar a terra e se adaptar ao meio tropical. Os primeiros 47 alunos, chamados Koutakuseis, chegaram em 1931 e continuaram vindo em fluxos anuais, totalizando 253 alunos até 1937”, conta o geógrafo Camilo Ramos, estudioso do tema.
No período, foi criada a Vila Amazônia, que chegou a contar com hospedaria, armazém, portos, serraria, estações meteorológicas, ruas, hospital, redes de água e esgoto, além da sede do Instituto Amazônia e do Hakko Kaikan, o centro de convivência e cultura. A proposta era investir no plantio da juta indiana para produção de sacaria, que acabou encontrando bastante sucesso no local, tornando o Brasil autossuficiente na matéria-prima. Ainda hoje, a juta é um importante cultivo local.
Contudo, o período da Segunda Guerra também teve impactos na região. “A guerra fez cessar o projeto e muitos japoneses foram presos ou se refugiaram na floresta. Tudo o que havia sido construído na Vila Amazônia foi considerado espólio de guerra”, recorda Ramos.
Da Vila Amazônia, hoje, restam apenas as ruínas. Mas um grupo de descendentes busca resgatar o histórico dos imigrantes que construíram o local. “Criamos a Associação Koutaku do Amazonas, cujo maior objetivo é dar sustentação ao legado valioso e precioso edificado pelos nossos pais Koutakuseis”, ressalta Jorge Naito, filho de um Koutakusei e membro da associação.

Tradições são preservadas pelos descendentes
Em Tomé-Açu, a garantia da manutenção das tradições japonesas é forte. A Associação Cultural e de Fomento Agrícola de Tomé-Açu (Acta) busca manter e preservar a cultura, os costumes, a língua e a história da comunidade. “Temos o Museu Histórico da Imingração Japonesa, o único da região Norte; a escola de língua japonesa mais antiga do Brasil, criada em 1931; e a escola Nikkei, que ensina alunos desde o nível fundamental menor até o nível médio”, destaca Silvio Shibata. “Também praticamos beisebol, softball, gateball e golfe, e já tivemos também praticantes de sumô”, completa.
A comunidade realiza ainda, anualmente, o Festival do Japão, que envolve oficinas, venda de comidas japonesas, atrações culturais e o ritual Bon Odori. “No Japão, o Bon Odori é uma homenagem que se faz às pessoas que já partiram desse mundo. Nada mais é do que uma dança. Então, nós nos reunimos e promovemos esse congraçamento entre o povo japonês, mas também entre o povo brasileiro. As pessoas vão vestidas a caráter, de quimono, e a participação popular é muito grande, com cerca de 3 mil pessoas”, diz. Neste ano, o Festival ocorreu na última sexta-feira, 18, e no sábado, 19.

EMPENHO
Shibata é um exemplo de descendente empenhado em preservar a memória de seus ancestrais. Depois de atuar na Marinha Mercante, decidiu voltar para a sua terra natal e hoje se dedica à agricultura do cacau em Safta. Foi diretor da cooperativa agrícola local e, por três mandatos, presidente da Acta.
“Tomé-Açu tem uma comunidade japonesa conhecida não apenas nacional, como internacionalmente. Foi o berço da imgração japonesa na Amazônia. Os pioneiros deixaram para nós muitos legados. É importante preservar e mostrar a importância de manter suas raízes”, conclui.
PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção da Liberal Amazônia é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. Os artigos que envolvem pesquisas da UFPA são revisados por profissionais da academia. A tradução do conteúdo também é assegurada pelo acordo, por meio do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multissemiótica.