Da floresta amazônica ao deserto, a jovem Tainara Kambeba, de 18 anos, viajou por quatro horas de barco e 2 dias e meio entre voos e escalas para levar sua experiência e ideias sobre o meio ambiente, desde sua casa, nas proximidades de Manaus (AM), até Sharm El Sheikh, no Egito. Assim como a indígena, muitos jovens ocuparam os espaços e foram protagonistas nas discussões da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 27.
“Quero que a Amazônia se levante de novo, como era antes, com as florestas maiores”, disse Tainara, que nasceu e cresceu na comunidade indígena Três Unidos, onde vivem mais de 35 famílias e mais de 100 pessoas entre crianças, jovens e adultos do povo kambeba, também chamados de omágua, que significa “o povo das águas”. Na sua comunidade, o principal meio de subsistência, segundo ela, é o artesanato, usando materiais sustentáveis, como açaí. A jovem é ativista ambiental e desenvolve ações como reflorestamento de mudas de plantas que estão sumindo na comunidade, como o jenipapo.
“A gente consegue sentir os efeitos climáticos na comunidade, porque não conseguimos mais identificar tão claramente o que é verão e inverno, porque, às vezes, no verão está chovendo muito e no inverno nem tanto, e isso vai dificultando cuidar das nossas roças”, explica. “A gente tem que agir agora e nós somos o futuro”, complementa.
Essa foi a primeira viagem internacional de Tainara, que foi um dos três jovens selecionados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a organização da sociedade civil Viração Educomunicação para representar o Brasil na COP 27. Os jovens foram escolhidos a partir dos projetos apresentados e do potencial como multiplicadores de informação. O objetivo dessa viagem é que aproveitem a experiência ao máximo para que, ao voltarem às suas comunidades, possam levar esse conhecimento consigo e aplicá-los
em ações de preservação do meio ambiente.
Para ela, a troca de experiências é um dos maiores aprendizados que carregará consigo, ao retornar para casa. “Participei de eventos onde estavam jovens indígenas de vários países e, para mim, foi uma experiência muito enriquecedora. Ouvir relatos de outros lugares e saber o quanto a degradação do meio ambiente também afeta a eles, para mim, foi uma grande novidade e, com certeza, vou refletir e compartilhar com os ‘parentes’ da minha comunidade”, relata.
Crianças e adolescentes já sentem os impactos das mudanças climáticas
Em relatório lançado na semana passada, em meio a COP 27, o Unicef alertou que as mudanças climáticas já estão afetando a infância e a juventude do planeta. No Brasil, 40 milhões de meninas e meninos estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental. O número é equivalente a 60% dos jovens no país.
Quando há eventos extremos, tais como enchentes e chuvas intensas, em algumas comunidades as crianças e adolescentes têm suas aulas canceladas e chegam a perder seus lares. Em situações de calor intenso, os jovens também sentem os impactos no seu desenvolvimento escolar, pois, na Amazônia, muitas escolas públicas não possuem ar-condicionado e isso prejudica o raciocínio, a concentração e o bem-estar dos estudantes.
Já a poluição do ar, que está diretamente associada às mudanças climáticas, no Brasil, é agravada pelas queimadas e pela queima de combustíveis fósseis em áreas urbanas, e os jovens sentem isso de modo mais evidente: aproximadamente dois em cada cinco brasileiros estão expostos a concentrações de PM2.5 (poluição do ar externa) acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No caso de crianças e adolescentes, esse número aumenta para três em cada cinco.
Nas periferias, jovens sentem mais as mudanças climáticas
O relatório mostra, ainda, que os efeitos da crise climática afetam desproporcionalmente crianças e adolescentes que já vivem em situação de maior vulnerabilidade e são privados de outros direitos, principalmente negros, indígenas, quilombolas, e pertencentes a outros povos e comunidades tradicionais. “No Jurunas (periferia de Belém, Pará), nós não escolhemos falar sobre mudanças climáticas. Isso aconteceu de forma inconsciente porque
descobrimos que tinha rios no bairro que se transformaram em esgotos e isso nos fez refletir sobre o papel dos rios, por exemplo”, cita Jean Ferreira, 28 anos, que esteve na COP 27 representando três organizações: o Gueto Hub (voltado à democratização de acessos na periferia da capital do Pará), o Perifa Connection (coletivo de comunicação nacional) e o Palmares Lab Action (voltado para a diversidade da atuação contra as mudanças climáticas).
“Essa é a minha primeira vez na COP e cheguei aqui através de mobilização. Pessoas de outras redes e da minha própria comunidade me ajudaram a estar aqui, seja com financiamento, ou com ajuda no credenciamento. Eles fizeram isso porque acreditam ser importante ter representantes da periferia nesses espaços”, conta. Ao regressar a Belém, Jean espera multiplicar sua experiência organizando um evento para discutir os temas abordados na COP 27, envolvendo, assim, sua comunidade na conversa.
Da periferia do Amazonas à representação da América Latina
Vitória Pinheiro, 26, é uma jovem trans que cresceu na periferia Zumbi de Palmares, em Manaus (AM). “No ‘Zumbi’, até hoje, a maioria das casas - inclusive a da minha família-, pelo menos uma vez na semana falta energia elétrica e muitos não têm a titularidade das propriedades”, relata, explicando a vulnerabilidade local. “Mas nós não queremos ser vítimas, queremos desenvolver soluções para os problemas que nos afetam”, acrescenta.
Hoje, Vitória é ativista climática, diretora da Palmares Lab Action (da qual Jean também faz parte) e é o ponto-focal da América Latina na comissão oficial da criança e juventude (Official Youth Constituency - YOUNGO) da Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), braço da ONU que organiza a conferência do clima. Segundo ela, o foco nesta edição, realizada até 18 de novembro, foi conseguir parcerias para aumentar o alcance das organizações que esses jovens fazem parte.
“Queremos levar as demandas das juventudes para os governantes e também financiadores, pessoas que possam movimentar recursos para que a justiça climática seja efetiva e termos condições de agir e capitalizar nossas ações nos nossos territórios”, informa.
Jovens entregam carta aos governadores da Amazônia
No relatório do UNICEF, constata-se que a maioria das políticas públicas e dos planos nacionais referentes ao clima e ao meio ambiente pouco mencionam, ou ignoram completamente, as vulnerabilidades específicas de crianças e adolescentes. Por isso, é necessário “garantir financiamento e recursos para a execução de políticas e projetos climáticos sensíveis aos direitos de crianças, adolescentes e jovens”, informa o documento.
Um grupo de jovens da Amazônia entregou, inclusive, uma carta ao Consórcio Interestadual da Amazônia Legal solicitando que haja um conselho da juventude para que as visões do grupo estejam incluídas nas iniciativas dos estados, pensando na importância da participação política na região. O documento foi recebido e assinado por Helder Barbalho, governador do Pará, em nome do Consórcio, em 15 de novembro.
Hannah Baliero, 27 anos, moradora do Amapá, foi uma das pessoas que elaborou a carta e participou da COP 27. “A minha expectativa é que a gente consiga ter um relacionamento em redes da sociedade civil com os governos subnacionais para que possamos caminhar juntos. A COP é sobre isso, fazer parcerias”, avalia.
Ela faz parte do Instituto Mapinguari, uma organização não-governamental (ONG) de jovens da Amazônia que pautam o meio ambiente, em especial as áreas protegidas da região. “A gente, na Amazônia, tem uma relação familiar com as florestas e os rios. E, na região, as pessoas também estão muito vulneráveis economicamente às mudanças climáticas, porque se a gente tem um aumento de chuvas num período que não se esperava, se tem uma seca que durou muito mais do que deveria, você acaba perdendo sua safra, e isso impacta diretamente os produtores e a mesa da população”, analisa.
Além desses efeitos nos sistemas alimentares da população, as mudanças climáticas estão associadas a saneamento básico, suprimento de água e regime de chuvas. É o que aponta a paraense Mariana Guimarães, 27, que também esteve no grupo formulador da carta ao Consórcio. Ela foi a COP 27 representando a ONG Mandii, que tem uma proposta de educação socioambiental voltada para a relação entre as águas, pessoas e cidades. “A gente tem sentido as mudanças climáticas na nossa região. Por exemplo, há uns anos teve uma chuva de granizo em Belém (capital do Pará), o que é algo totalmente inesperado, incomum. A gente vê uma mudança no regime de chuvas a cada ano”, compartilha. “Meu sonho é que (nós, da Amazônia) possamos ser vistos e ouvidos e que possamos ter autonomia sobre nosso território, que tenhamos um ambiente mais saudável e justo, principalmente para os povos tradicionais”, conclui.
Juventude teve pavilhão próprio pela primeira vez
A COP, organizada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), reúne, anualmente, representantes de vários países para buscar soluções e firmar acordos para superar problemas ambientais. E a juventude já desempenha, historicamente, um papel importante nesse meio. Mas, neste ano, os jovens tiveram um destaque como nunca antes: um pavilhão só deles, maior até mesmo que de muitas delegações nacionais que estão no evento. Todos os dias, do início ao fim da COP 27, jovens de todos os lugares do mundo se reuniram no estande para trocar experiências. O espaço foi um dos mais movimentados da conferência, com uma aparência chamativa e animada, uma decoração colorida e moderna, para atrair esse público. Apesar do visual mais casual, os jovens ali se uniram para debater sérias questões, como a relação entre agricultura regenerativa, justiça climática e o impacto das enchentes em diferentes realidades globais. Ao mesmo tempo, o pavilhão foi cenário para intervenções artísticas, como pinturas que os participantes fizeram nas paredes para expressar seus pontos de vista sobre a temática.
O pavilhão recebeu atenção especial do próprio secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, que fez uma forte declaração, dizendo que sua “maior esperança está nos jovens”. “Vocês estão liderando a luta contra as mudanças climáticas em todos os lugares, nas suas casas, nas suas escolas, nas redes sociais, nas ruas. Eu conto com a sua determinação. Não desistam. Eu nunca desistirei”, declarou.