Para o público em geral, as discussões das Convenções-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COPs) têm a ver, principalmente, com as medidas que precisam ser adotadas pelos países na redução da emissão dos gases do efeito estufa, que causam o aquecimento global. O debate central gira em torno da diminuição das emissões, para que se limite o aumento da temperatura do planeta a 1,5º C. Esse é o principal ponto do Acordo de Paris e se chama mitigação climática.
Contudo, um outro tema de menos visibilidade, mas tão importante quanto, é a adaptação climática, ou seja, as ações que precisam ser tomadas para ajustar tanto os sistemas humanos quanto os naturais aos efeitos das mudanças climáticas, que já são realidade no mundo. O objetivo é reduzir vulnerabilidades e aumentar a capacidade de comunidades, ecossistemas e economia para lidarem com esses efeitos, com menor impacto.
Desde o Acordo de Paris, firmado durante a COP 21, em 2015, já se fala sobre definir o Objetivo Geral de Adaptação (GGA, na sigla em inglês), que deve especificar metas e indicadores de adaptação a serem seguidos pelos países. Após oito anos de negociações, finalmente foi definida uma estrutura para o GGA, na COP 28, em Dubai, em 2023. Na oportunidade, foram acordadas sete metas temáticas para ação: abastecimento de água e saneamento; alimentação e agricultura; impactos em saúde e serviços de saúde; ecossistemas e biodiversidade; infraestrutura e assentamentos humanos; erradicação da pobreza e meios de subsistência; e patrimônio cultural e conhecimento tradicionais.
CONCEITOS
Embora sejam termos com significados próximos, adaptação climática e resiliência climática não significam a mesma coisa. É como se a adaptação fosse o caminho e a resiliência, o resultado.
De acordo com Flávia Martinelli, especialista em Mudanças Climáticas da organização ambiental WWF Brasil, adaptação climática corresponde às medidas adotadas para ajudar cidades ou outros ambientes a se preparar para um cenário climático cada vez mais extremo. “Envolve, por exemplo, preparar as cidades para enchentes, inundações ou bolhas de calor. Já a resiliência é uma forma de medir o quão adaptados os ambientes estão. Quanto mais adaptado para os cenários climáticos, mais resiliente se é”, explica a bióloga.
Inamara Mélo, diretora do Departamento para Adaptação e Resiliência à Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente (MMA), reforça a ideia. “Se você adapta, se você adota medidas para prevenir ou reduzir os impactos climáticos, você torna as comunidades ou infraestruturas mais resilientes. Nós precisamos ampliar as medidas de adaptação para, consequentemente, ampliar a resiliência de populações, territórios e infraestruturas”, afirma.
Ima Vieira, doutora em Ecologia e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), aponta alguns exemplos práticos de adaptação: “Pode-se mudar o calendário agrícola para se adaptar às novas estações de chuva ou desenvolver culturas agrícolas que sejam resistentes à seca”.
Carta da presidência da COP 30
A edição da COP em Belém utilizou um recurso inédito para abordar os assuntos mais relevantes da Conferência: as cartas da presidência. Foram dez cartas divulgadas à comunidade internacional, desde março deste ano, assinadas pelo presidente da COP 30, embaixador André Corrêa do Lago. A oitava carta, de 23 de outubro, tratou justamente da temática da adaptação.
No documento, o diplomata afirmou que a COP 30 deveria ser a COP da adaptação, com avanços no Objetivo Global de Adaptação (GGA) e nos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs).
Corrêa do Lago também enfatizou o subfinanciamento da área. “O financiamento para adaptação ainda representa menos de um terço do total do financiamento climático, muito aquém das necessidades. A falta crônica de investimentos deixa os países vulneráveis. Muitas comunidades já realizam iniciativas locais e experimentais de adaptação, mas esses esforços são frequentemente pouco reconhecidos, subfinanciados e mal conectados ao planejamento nacional”, ressaltou.
CENÁRIO MUNDIAL
A alguns dias do início da COP 30, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) lançou o “Relatório sobre a Lacuna de Adaptação 2025: Rodando na Reserva”, justamente para embasar as negociações da Conferência. De acordo com o documento, os países em desenvolvimento precisam de financiamento para adaptação na ordem de mais de US$ 310 bilhões por ano, até 2035, o que corresponde a doze vezes mais do que os atuais fluxos para a área. Em 2023, por exemplo, foram apenas US$ 26 bilhões aportados em financiamento público de adaptação.
“Até muito recentemente, os dados que nós tínhamos eram de que 95% do financiamento climático estava destinado à mitigação e apenas 5% para a agenda de adaptação. Então, nós precisamos valorizar esta agenda”, enfatiza Inamara Mélo, do MMA.
GGA
Para Inamara Mélo, adaptação climática traz um debate complexo nas COPs. “A agenda de adaptação envolve muitos contextos locais, distintos, embora a gente tenha conseguido, na COP 28, em Dubai, aprovar as metas temáticas, deixando muito claro quais deveriam ser os objetivos globais na agenda de adaptação. Nós estamos falando da busca pela segurança alimentar, pela resiliência das cidades, pela proteção do patrimônio cultural, pela conservação dos ecossistemas. Temos evoluído nas discussões, mas precisamos avançar mais rapidamente na implementação de medidas”, pontua.
De acordo com a diretora do MMA, foi estabelecido um compromisso de definição de indicadores do Objetivo Global de Adaptação (GGA), a ser pactuado na COP 30. “Precisamos disso para avançar na pauta e cobrar dos países, sobre como cada um está caminhando na implementação de medidas de adaptação. Essa lista de indicadores é complexa, porque trata das metas globais a partir de circunstâncias também nacionais. Prever um conjunto de indicadores que valha para todo o conjunto de países não é uma tarefa simples. Nós chegamos a reduzir de mais de 4 mil indicadores para uma lista de 100. Mas, de alguma maneira, é importante dizer que nós já sabemos o que precisa ser feito e precisamos de uma decisão política e de recursos para a implementação dessas medidas”, explica.

Flávia Martinelli concorda que, mais importante do que achar um consenso sobre os indicadores, é definir o financiamento para implementação. “A maior justificativa que os países dão para não avançar na adaptação é que eles não têm dinheiro para implementar essas ações. Realmente, são medidas caras, você mudar as estruturas de cidades, ou preparar a agricultura para ser mais resiliente, por exemplo. São medidas que precisam de um investimento. Nem sempre os países mais pobres, por exemplo, possuem esses recursos. Os países desenvolvidos têm dinheiro para isso, fazem medidas de adaptação. Então, existe esse desbalanceamento. Isso também é tema de disputa, se os países desenvolvidos vão ou não financiar essas soluções de adaptação nos países em desenvolvimento”, esclarece.
Plano brasileiro alcança 16 áreas
Para Inamara Mélo, é importante deixar claro que a adaptação não diz respeito apenas à gestão de risco de desastres. “Hoje, a gente tem que compreender a adaptação no desenho de cada política pública. A adaptação na agenda de saúde, olhando para o contexto de calor extremo, das doenças decorrentes da mudança do clima; da moradia; do saneamento básico; da produção mais resiliente de alimentos. Se nós tivermos mais serviços públicos, mais políticas que atendam os direitos básicos das pessoas, nós já reduzimos bastante as vulnerabilidades e, portanto, essas pessoas estarão mais preparadas para lidar com o contexto climático”, afirma.
Nesse sentido, o governo federal elaborou, de forma participativa, o Plano Clima Adaptação, que envolve a Estratégia Nacional de Adaptação e os Planos Setoriais de Adaptação em 16 áreas, entre as quais agricultura e pecuária, biodiversidade, cidades e mobilidade, gestão de riscos e desastres, energia, recursos hídricos e saúde.
“Nós temos a satisfação de dizer que nós já finalizamos o plano Clima Adaptação e apresentamos na COP 30 o resultado de um trabalho de dois anos, com participação de 25 ministérios e a produção de 300 metas e mais de 800 medidas para reduzir os impactos climáticos, em 16 setores e temas. Mas essas são as metas do Governo Federal. Entendemos que os objetivos nacionais de adaptação precisam também ser incorporados por estados e municípios. Por isso, lançamos a ferramenta AdaptaCidades, para capacitar esses entes federativos e apoiá-los na elaboração de suas estratégias locais de adaptação”, destaca Inamara.
Para Flávia Martinelli, o desafio do Plano Clima Adaptação é, mais uma vez, o financiamento. “É um plano bom, tem metas boas, mas falta a parte da implementação, do financiamento. E existe o desafio de que a adaptação é muito relacionada ao nível local. Estados e municípios também precisam investir. Então, é outro nível de disputa, entre como o Governo Federal vai financiar essa adaptação a nível local e como isso vai chegar lá na ponta, nos povos indígenas, nas cidades, nas periferias”, analisa a especialista.

Ima Vieira, do MPEG, concorda sobre a dificuldade no financiamento. “O Brasil precisaria de muitos recursos para poder implementar essa estratégia. E há também a dificuldade da complexidade técnica. A agenda de adaptação é muito densa em formação e conhecimento e exige uma capacidade massiva de gestores públicos. São 16 setores diferentes, cada um com sua própria governança e prioridades, com risco de fragmentação de ações. Mas eu sou otimista. E um dos destaques positivos é que foi um processo bem participativo, transparente, com base científica sólida”, avalia.
SAÚDE
Durante a COP 30, o Brasil lançou o primeiro documento internacional de adaptação climática dedicado à saúde, o “Plano de Ação em Saúde de Belém para a adaptação do setor da saúde às mudanças do clima”. O texto propõe ações para os países lidarem com os efeitos das mudanças climáticas na saúde. De acordo com um estudo elaborado por mais de 100 cientistas, o calor extremo já mata cerca de 550 mil pessoas por ano.
O plano proposto pelo Brasil é composto por três linhas de ação interligadas por conceitos transversais de equidade em saúde, justiça climática e governança participativa. A operação será coordenada em colaboração com a Aliança para Ação Transformadora em Clima e Saúde (Atach), sob supervisão da Organização Mundial da Saúde (OMS). A Coalizão de Financiadores de Clima e Saúde anunciou o investimento inicial de US$ 300 milhões para a iniciativa.

URGÊNCIA
Segundo Flávia Martinelli, a adaptação, que antes não era tratada com a mesma importância que a mitigação, está ganhando mais espaço. “Mas ela precisa desses tópicos mais difíceis, como financiamento e estruturação das medidas de adaptação. A COP 30 foi como o início de um maior destaque da adaptação em nível político, mas a gente precisa de urgência na implementação, porque a gente já está sofrendo os impactos. O calor cada vez mais forte aqui em Belém é um exemplo”, comenta.
“Precisamos que o GGA seja uma prioridade, para que existam ferramentas para monitorar o avanço da adaptação nos países o quanto antes. Agir pela adaptação significa poupar vidas e recursos”, afirma a especialista.
PARCERIA INSTITUCIONAL
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