image7.webp
LIBERAL AMAZON

Belém: portal de entrada da Amazônia há quatro séculos

Primeira capital da região amazônica, cidade preserva memórias na arquitetura, na política e na economia

Elisa Vaz

20/06/2022

Belem - Pará Foto Tarso Sarraf (1).jpg
Belém completa 406 anos neste dia 12 de janeiro de 2022 (Tarso Sarraf / O Liberal)

 

Referência econômica e cultural na região Norte, a cidade de Belém é conhecida como a “metrópole da Amazônia”, mesmo com o crescimento de outras cidades em diferentes Estados, sendo maior expoente Manaus, no Amazonas. Porém, a história da colonização na Amazônia brasileira ganhou maior destaque na capital do Pará, que cresceu em tamanho e importância, e se consolidou ao longo dos séculos como uma das principais portas de entrada para quem visita a região amazônica. Na próxima quarta-feira, dia 12 de janeiro, Belém completa 406 anos.

Primeira capital da Amazônia, Belém foi fundada no ano de 1616 por Francisco Caldeira Castelo Branco, capitão-mor do Rio Grande do Norte que desembarcou com suas tropas na foz do Rio Guajará, ponto estratégico de defesa da região, com o objetivo de afastar do litoral norte os invasores holandeses e franceses.

A cidade começou a ser erguida a partir da construção militar “Forte do Castelo do Senhor Santo Cristo do Presépio de Belém”, lugar hoje chamado apenas de Forte do Castelo, no bairro da Cidade Velha. O nome, inclusive, remonta ao período do nascimento de Jesus, o Natal, quando o comando português adentrou na região. O local do nascimento de Cristo, aliás, serviria de inspiração para a futura denominação da cidade. Ali, o capitão edificou um forte rústico, de “paliçada”: um quadrilátero feito de taipa de pilão. No interior, foi construída uma capela, consagrada à Nossa Senhora da Graça. Mesmo com muitas reformas, reconstruções e restaurações, o prédio guarda até hoje intacto os canhões originais.

Ao redor da fortificação, chamada de “Feliz Lusitânia”, começou a se formar um povoado, com o nome de “Santa Maria de Belém do Grão Pará”. 

De acordo com arquivos históricos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as primeiras ruas foram abertas nas décadas seguintes, paralelas ao rio, com caminhos transversais que levavam ao interior. O desenvolvimento era maior para o lado norte, onde os colonos levantaram suas casas de taipa, dando início à construção de uma nova área de povoado, hoje conhecida como bairro Cidade Velha. Na parte sul, os primeiros habitantes foram os religiosos capuchinhos. No século XVIII, a cidade começou a se expandir, avançando para a mata. Belém constituía-se não apenas como ponto de defesa, mas também centro de penetração do interior e de conquista da Amazônia, através do rio Amazonas.

Belem Pará Foto Tarso Sarraf (50).jpg
(Tarso Sarraf / O Liberal)

 

A professora Ida Hamoy, da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que Belém se encaixa bem na denominação de metrópole, que se dá a uma cidade (pólis) que é a origem, início, referência (meter/mater) de uma região. “Belém tem essa referência de origem, de entrada, é a referência da região amazônica. Foi a primeira cidade ‘fundada’ oficialmente na região Norte e de onde partiu o processo de colonização e conquista. De uma região inicialmente desprezada pelos conquistadores, despertou o interesse após a expulsão dos franceses do Maranhão pela coroa ibérica”, diz.

Ida ressalta que, na data de sua “fundação” (1616), Portugal e Espanha estavam reunidos sob uma coroa unificada no reinado do Rei Filipe III, período que ficou conhecido na história como “União Ibérica” (1580-1640), estabelecida a partir da crise sucessória após a morte do Rei de Portugal, D. Henrique, que sucedeu seu sobrinho, D. Sebastião, e ambos não possuíam herdeiros.

Ida Hamoy, pesquisadora foto Tarso Sarraf.jpg
(Tarso Sarraf / O Liberal)

 

Segundo a estudiosa, dessa forma, o Rei Filipe III, rei da Espanha, com o apoio da nobreza portuguesa assumiu a coroa portuguesa com o título de Filipe II de Portugal, e teve como prerrogativa de sua governança manter os portugueses nos cargos relacionados à administração das colônias, inclusive o Brasil. No entanto, a grande contribuição espanhola foi a regularização de procedimentos administrativos e judiciários.

Por conta dos conflitos entre a coroa espanhola e a coroa francesa, foi ordenada por ordem real a expulsão dos franceses do Maranhão e a conquista da Amazônia pela fundação de uma cidade localizada na entrada do grande rio Amazonas. E, posteriormente, o rei determinou a divisão do Brasil em dois estados: o Estado do Maranhão, que englobava os estados do Maranhão, Pará e Ceará, e o Estado do Brasil, que englobava o restante do território.

De acordo com a professora, fundada em 1616 com o nome de Santa Maria de Belém, a cidade, de fato, se configura como o início da colonização da região e uma zona de contato de grandes processos de mestiçagens, que consolidou essa identidade de culturas ibero-italianas, indígenas, caribenhas e africanas. “E, hoje, é reconhecida mundialmente pela gastronomia, religiosidade, danças, músicas e diversidade de patrimônios”, lista a professora Ida Hamoy.

Prédios que contam a história da cidade

Hoje, a região de origem da cidade chama-se “Feliz Lusitânia” e reúne um complexo no centro histórico que abriga não apenas o Forte do Castelo, mas também construções como a praça Dom Frei Caetano Brandão, a Casa das Onze Janelas, a Igreja de Santo Alexandre (Museu de Arte Sacra), e a Igreja da Sé (Catedral Metropolitana de Belém), pontos turísticos importantes da capital.

022.webp

As duas igrejas foram, junto com o Forte, as primeiras edificações a serem construídas após a fundação da cidade. A Igreja de Santo Alexandre foi sede da Companhia dos Jesuítas na época do Brasil colônia e edificada no século XVII pelos próprios Jesuítas. A construção foi iniciada ainda em 1616 com participação dos indígenas e inaugurada em 1719, atualmente dedicada a São Alexandre. Já a Catedral Metropolitana, também de 1616, foi construída inicialmente no antigo Forte do Presépio, mas depois transferida ao local atual. Permaneceu como Capela até 1719, quando foi elevada à categoria de Sé. A atual Catedral teve sua construção iniciada em 1748, que prosseguiu até 1755 e depois foi entregue ao arquiteto italiano Antonio Landi – um dos principais nomes que mudou e modernizou a “cara” da cidade. 

A praça foi erguida em 1899 – pela proximidade com o Forte do Castelo, era primeiramente denominada como Praça das Armas, pois abrigava os soldados de Francisco Caldeira Castelo Branco. Lá está localizado um monumento a Dom Frei Caetano da Anunciação Brandão.

Por fim, a Casa das Onze Janelas data da metade do século XVIII, construída pelo rico proprietário de engenho de açúcar Domingos da Costa Bacelar e que funcionava como casa de final de semana. Em 1768, o edifício foi vendido para Francisco Ataíde Teive, governador do Grão-Pará e, após reformas feitas pelo arquiteto italiano Landi, se tornou um hospital militar que funcionou no local até 1870, abrigando, posteriormente, outras atividades militares até o final do século XX. Em 2002, o local ressurge como Casa das Onze Janelas e passa a ser um museu de difusão de arte contemporânea, tornando-se em pouco tempo o mais importante museu de arte contemporânea da região Norte do Brasil.

Capital foi centro de transformações para a região

O Grão-Pará vivia um clima tenso com a emancipação política do Brasil, em 1822, já que havia uma grande distância das decisões políticas do sul do país, ainda fortemente ligado a Portugal. Tanto que Belém só reconheceu a independência do Brasil – em 7 de setembro de 1822 - quase um ano após sua proclamação, mais precisamente em 15 de agosto de 1823, data em que é celebrada a Adesão do Pará.

"A partir do final do século XX, a gente começa a perceber uma diferença socioeconômica em relação à Amazônia, e é nesse período que ela ganha o título de metrópole da Amazônia, mas, anteriormente, várias outras denominações da cidade, como a Francesinha do Norte, Estrela do Norte, a Grande Capital, a Cidade das Mangueiras" - Michel Pinho, historiador.

No entanto, a independência do país não trouxe grandes mudanças na estrutura econômica e nem modificou as más condições em que vivia a maior parte da população, composta de indígenas, negros e mestiços. Entre outros motivos, a desigualdade social fez com que, entre 1835 e 1840, a cidade se tornasse o palco de uma das maiores revoltas já ocorridas no país, a Cabanagem.

O desenvolvimento econômico de Belém só tomou forma, de fato, no século XIX. A abertura dos rios Amazonas, Tocantins, Tapajós, Madeira e Negro para a navegação dos navios mercantes de todas as nações, após o período colonial, contribuiu para o desenvolvimento da capital paraense. E foi durante o chamado Ciclo da Borracha (ou Era da Borracha), em especial entre 1879 e 1912, que a cidade viveu seu primeiro grande surto de crescimento. Praticamente todo o comércio da região passava por seu porto e Belém contava com tecnologias que nem as capitais do sul e sudeste do país possuíam, chegando a ser conhecida como a “Paris N’América”.

Durante esse período, o núcleo urbano também se modernizou e foram construídos importantes símbolos da capital paraense, como o Theatro da Paz e o Cinema Olympia, o mais antigo em atividade no Brasil, além do Palácio Antônio Lemos, atual sede da Prefeitura de Belém, e um dos cartões postais mais famosos, o Ver-o-Peso, maior feira a céu aberto da América Latina. A economia atraiu levas de imigrantes vindos de diversos países. Foi a partir daí que Belém ficou conhecida como a “metrópole da Amazônia”.

Cidade da pluralidade da Amazônia

Ao longo de sua história, Belém ostentou vários títulos, como, por exemplo, a Francesinha do Norte, a Cidade das Mangueiras e a Metrópole da Amazônia. Historiador e atual presidente da Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), Michel Pinho disse que é importante perceber que, desde o século XVIII, a cidade tem papel primordial nessa parte do país. Seja como referência vinda de Portugal, seja no período da Borracha, a capital é reconhecida como grande potencialidade econômica.

Historiador Michel Pinho foto Marcio Nagano.jpg
(Igor Mota / O Liberal)

 

“A partir do final do século XX, a gente começa a perceber uma diferença socioeconômica em relação à Amazônia, e é nesse período que ela ganha o título de metrópole da Amazônia, mas, anteriormente, várias outras denominações da cidade, como a Francesinha do Norte, Estrela do Norte, a Grande Capital, a Cidade das Mangueiras, já demonstravam essa importância da capital não só para a região, mas para o resto do país como um todo. Atualmente, Belém garante, no Brasil, uma estrela muito importante não só na sua produção cultural, gastronômica e musical, mas também do ponto de vista do imaginário. Nosso imaginário é muito forte em relação às raízes negras, indígenas e portuguesas. Essa garantia é fundamental”, acredita.

Para o historiador, Belém é muito rica culturalmente e essa riqueza se dá através das mais diversas formas, seja por meio de sua definição histórica, da música, através da comida e até da manifestação da dança. “Temos ainda outras apresentações, como é o caso do brega e da tecnologia das aparelhagens nos últimos 40 anos”, diz.

Títulos à parte, Michel define a capital paraense como uma cidade plural. “Belém é a cidade da pluralidade da Amazônia. Aqui você encontra floresta a cinco minutos com o Combu, encontra prédios de 40 andares, encontra uma diversidade do ponto de vista da produção cultural, que vai da ópera à aparelhagem, do grafite à fotografia. Belém é uma cidade que se irmana ao resto do país a partir da sua pluralidade”, afirma.

Para o futuro, o presidente acredita que a capital paraense precise ultrapassar algumas barreiras econômicas importantes, produzindo conhecimento virtual ou real, fortalecendo sua economia e gerando riqueza, sobretudo, do ponto de vista social. Segundo ele, para que Belém seja, de fato e de direito a Metrópole da Amazônia, é necessário um grande acordo nacional. “A gente precisa pensar em um grande plano nacional, que envolva o município, o estado e a federação, para construção de plataformas de crescimento, que obrigatoriamente passam pela diminuição da desigualdade social”, aponta.

Ver-o-Peso, feira livre é parada obrigatória

O Ver-o-Peso é um entreposto comercial da cidade que não dorme e reúne a integração do morador da cidade com o ribeirinho. “Começa com a venda do açaí e do peixe ainda de madrugada. Depois, acorda o hortifruti, as ervas, vai acordando setor por setor, até o de refeição, cujo pico é meio-dia. Atendemos todas as feiras pequenas da nossa cidade e, também, os ribeirinhos”, conta o coordenador-geral do Instituto Ver-o-Peso, o feirante Manoel da Silva Rendeiro, mais conhecido como Didi do Ver-o-Peso.

Feirante Didi do Ver-o-Peso FOTO Igor Mota.jpg
(Igor Mota / O Liberal)

 

Para atuar no complexo, por onde circulam cerca de 30 mil pessoas por dia, 1.150 trabalhadores estão cadastrados na Prefeitura Municipal, e cada um tem dois ou três auxiliares. Segundo Didi “do Ver-o-Peso”, chegando a Belém, a parada no Ver-o-Peso é obrigatória. “Tem que ir, tem que provar do açaí, do peixe”. Sobre o futuro da feira, porém, ele se diz preocupado. “Hoje tu tens o Ver-o-Peso tombado, mas as atividades não são tombadas, e essa é a nossa luta. E uma das maiores preocupações nossas é fazer com que as atividades sejam tombadas também para que o Ver-o-Peso não venha a acabar”, pede.