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PESQUISA

Territórios sustentáveis são opção para zerar desmatamento na Amazônia

Desafio é conciliar sustentabilidade com desenvolvimento econômico. Prática precisa respeitar as diferenças de cada região do bioma

Camila Azevedo

21/06/2024

A meta do Brasil de zerar o desmatamento e a degradação florestal da Amazônia até 2030 é acompanhada da urgência que o contexto de esgotamento ambiental, identificado em pesquisas científicas, trouxe ao bioma. Acirramento das vulnerabilidades socioeconômicas, aumento das temperaturas e ocorrência de desastres naturais e fenômenos climáticos, como as secas extremas registradas na região em 2023, são cenários cada vez mais presentes e precisam de políticas estratégicas para serem combatidos com urgência e respeito à diversidade presente.

É nesse sentido que um artigo publicado na revista Trends in Ecology & Evolution por dois pesquisadores do Pará, um dos estados do bioma, sugere os territórios sustentáveis na Amazônia como uma forma de alcançar as metas do País. A área seria dividida em 85 subsistemas distintos, já identificados, de integridade ecológica e prosperidade humana. A tática consiste em uma articulação entre ciência, tecnologia, conhecimento dos povos originários, quilombolas e comunidades tradicionais para encontrar um caminho de conservação ambiental e o desenvolvimento local.

O estudo aponta que as particularidades e diferenças encontradas em cada região devem ser levadas em consideração nesse processo de criação dos territórios. A doutora em Ecologia e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi Ima Célia Guimarães Vieira e o doutor em Zoologia e professor titular do Departamento de Geografia e Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Miami José Maria Cardoso da Silva assinam a publicação. Inicialmente, a pesquisa foi lançada em 2005, mas o cenário atual demandou que houvesse uma nova tentativa de impulsionar a estratégia defendida.

Contexto urgente

A taxa oficial de desmatamento da Amazônia calculada pelo sistema Prodes (Projeto para o mapeamento oficial das perdas anuais de vegetação nativa na Amazônia Legal), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi de 27.772 km² no ano de 2004. Em 2022, o mesmo sistema detectou uma devastação de 11.594 km², contudo, o índice acumulado nesse intervalo de tempo chegou a 168,413 km², o que contribuiu para o aumento das emissões de carbono na região e uma perda intangível de biodiversidade. Um outro agravante é o Projeto de Lei (PL) 3.334/2023, que propõe a redução da reserva legal na Amazônia, tornando disponível para a desflorestação 28,17 milhões de hectares.

O intervalo entre as duas décadas que se passaram da primeira para a atual publicação do artigo foi analisado e considerado como sendo sem grandes avanços no sentido ambiental. Na prática, os territórios são plataformas para melhorar a governança dos programas de desenvolvimento. Ima Vieira, uma das autoras, diz que o novo estudo relembra que uma mudança ainda é possível, mas novas abordagens devem ser feitas. “Precisamos acelerar esse processo, pois as florestas estão cada vez mais ameaçadas pela degradação e os serviços prestados por elas no Brasil e no mundo estão em declínio”.

“Na época da primeira proposição, 2003, apresentamos um documento ao governo do Pará e ao governo federal, e, em 2005, publicamos um artigo. Em 2015, as ONGs avançaram e mobilizaram em torno de uma Lei do Desmatamento Zero. Dois anos depois, em 2017, apresentei a proposta na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), do Senado Federal. Em 2023, quando discutimos a atualização do artigo, tive a oportunidade de propor na Cúpula da Amazônia a articulação de um Observatório do Desmatamento Zero para acompanhar as políticas e ações em torno dessa estratégia”, diz a pesquisadora.

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“Precisamos acelerar esse processo, pois as florestas estão cada vez mais ameaçadas pela degradação e os serviços prestados por elas no Brasil e no mundo estão em declínio”, afirma Ima Célia Guimarães Vieira (Foto: Arquivo pessoal)

Por isso, estabelecer os territórios é considerado urgente. Ima explica que o modelo visa garantir a biodiversidade da região e a melhora da qualidade de vida da população local. Para isso, as áreas abraçariam o balanço entre a conservação e o desenvolvimento. “Devemos reconhecer a diversidade e a heterogeneidade da Amazônia para estabelecer territórios sustentáveis, onde atividades humanas são conduzidas de forma a apoiar o bem estar social e a conservação ambiental e garantir a viabilidade econômica a longo prazo”, acrescenta.

Belém

Na prática, José Silva, outro autor do estudo, usa a cidade de Belém, capital do Pará, como exemplo. “Muita dessa região já foi bastante alterada e a qualidade de vida da população não alterou muito ao longo desses séculos. Então, o planejamento para um território nessa região específica da Amazônia vai ser completamente diferente das ações para planejar um território sustentável, por exemplo, no oeste da Amazônia, onde grande parte da floresta existe e a população está concentrada em pequenas cidades ao longo dos rios. Então, tem que reconhecer essas diferenças para poder pensar estrategicamente”, afirma.

Estratégias na implantação dos territórios potencializam efeitos

Para tudo isso, os cientistas elencaram seis estratégias que podem ser adotadas em diferentes escalas de importância para potencializar os efeitos dos territórios sustentáveis na Amazônia: expansão e descentralização do sistema regional de ciência, tecnologia e inovação; gestão eficaz das áreas protegidas e Terras Indígenas (TIs); conversão de terras públicas não destinadas em Unidades de Conservação (UC) e TIs; aumento da proteção da floresta em áreas privadas; recuperação e uso eficiente de áreas degradadas; e melhoria dos mecanismos de governança.

“[As estratégias] podem ser aplicadas para a região como um todo, mas a importância de cada uma dessas estratégias vai ser diferente entre esses diferentes territórios sustentáveis. Então, identificamos algumas coisas que são claras e precisam ser feitas em todas as regiões. Primeiro, a gente tem que manejar adequadamente as áreas protegidas e as terras indígenas, as áreas protegidas a gente chama de unidades de conservação, então, a gente precisa garantir a conservação da biodiversidade e precisa manejar bem essas unidades de conservação em terras indígenas”, pontua o professor José Maria Cardoso da Silva.

A transformação das áreas públicas da região, que somam cerca de 600 mil quilômetros, em unidades de conversação, como terras indígenas, e o beneficiamento de quem tem reservas privadas de conservação são outras medidas que a pesquisa considera fundamentais entre as estratégias. “A gente precisa pensar em formas de usar as áreas que já foram degradadas ou desmatadas. Grande parte das áreas que já foram desmatadas produzem muito pouco, do ponto de vista econômico, e é uma área do tamanho da França. Imagina uma área do tamanho da França, produzindo bem, com base em tecnologias existentes”.

Tecnologia e inovação

O investimento em tecnologia e inovação na Amazônia, também considerando as particularidades naturais de cada região, é fundamental dentro desse processo de criação dos territórios. José Silva destaca que cada localidade precisa ter um instituto de pesquisa, ou um órgão pensado no desenvolvimento, fomentando, criando e testando novas ideias. “Porque sem inovação não é possível ter território sustentável. Inovação significa o que? Usar bem os recursos que nós temos, transformar esses recursos em produtos e serviços que tem alto valor agregado e que com isso vai gerar e venda a sua população local”.

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Amazônia seria dividida em 85 subsistemas distintos, já identificados, de integridade ecológica e prosperidade humana (Foto: Andria Almeida / O Liberal)

“Não adianta, por exemplo, ficar desenvolvendo um produto só e vender esse produto por um longo tempo. Isso não vai funcionar, a economia é bastante dinâmica, as pessoas estão desenvolvendo novos produtos e serviços, esses produtos são substituídos ao longo do tempo, o valor deles muda ao longo do tempo, [por isso] é preciso pensar na economia como uma coisa extremamente dinâmica e que precisa ter como base a inovação. É isso que se precisa fazer na Amazônia. A gente tem uma biotecnologia em biodiversidade enorme, a gente tem uma sociodiversidade grande”, acrescenta.

Amazônia precisa de até US$ 2,8 bilhões por ano para proteger áreas

O estudo realizado pelos pesquisadores paraenses delimita que seria necessário entre US$ 1,7 bilhão e US$ 2,8 bilhão por ano para que as áreas de conservação e indígenas sejam mantidas protegidas. A criação desses locais faz parte do plano de ação pensado. “Se você imaginar que esse recurso tem que ir diretamente dos municípios, onde essas unidades de conservação interna estão localizadas, isso vai ser uma transformação econômica por si só. “Vai multiplicar a economia de alguns municípios por dois ou três”, diz o professor José Maria Silva.

“Isso por si só, só investindo em conservação com a ajuda do governo nacional, mas também de fundações internacionais de outros governos. Só investir em conservação da Amazônia já vai criar uma base econômica, porque os municípios da Amazônia, hoje, estão relativamente afastados do desenvolvimento. Fala-se muito de conservação, mas se esquece que conservação tem um custo associado a isso. Esse dinheiro é suficiente para manter essas unidades e ao longo do tempo essas unidades vão evoluir e vão ser agentes de desenvolvimento”, completa Silva.

Modelo econômico atual precisa considerar questões ambientais

Ao longo do tempo, os modelos econômicos presentes na Amazônia foram ganhando novas delimitações. Segundo o professor e pesquisador Ricardo Folhes, professor e pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea/UFPA), entre as décadas de 1950 e 1970, o processo gerou uma série de problemas: desmatamento, contaminação e violência rural, por exemplo. Foi um período de entrada de multinacionais e do capital associado ao agronegócio, tendo a pecuária como um forte. Já no início dos anos 2000, houve uma mudança.

A chegada da soja na virada do século potencializou o cenário que já existia. “É um modelo excludente, baseado no grande capital, concentrador de terras, com muito uso de agrotóxicos e problemas ambientais. Tudo isso se deu em contínuo, gerando uma série de problemas nas cidades amazônicas”, analisa Folhes.

Bioeconomia

Nesse contexto, o pesquisador defende que a bioeconomia, aliada a uma aproximação com os povos tradicionais do bioma, se enquadra também como uma solução para resolver a problemática do desmatamento que a história econômica da região causou. “São setores que têm conhecimento muito aprofundado sobre o clima, sobre a biodiversidade das aplicações desses conhecimentos para uma série de produtos, como os farmacêuticos, clínicos, cosméticos… A gente entende que não é toda bioeconomia que vale a pena”.

Para o pesquisador, é fundamental o aumento de apoio político e institucional para esses agentes. “O grande debate, hoje, é que quando a gente fala de bioeconomia, a gente pode ter muitos significados diferentes, que na minha visão, o que interessa é discutir uma bioeconomia baseada na sociobiodiversidade, aquela que se ampara nas diversidades social e biológicas e nas formas de proteção dessa diversidade. Quando a gente fala de proteger florestas, é proteger direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais, de populações indígenas e camponesas”, frisa o pesquisador.

Ciência

A produção de conhecimento, para alcançar o objetivo de unir desenvolvimento com sustentabilidade e alcançar o desmatamento zero, precisa, segundo Folhes, levar em consideração a realidade e necessidade do local. “Se a gente quer um modelo de desenvolvimento que mantenha a floresta em pé, a gente tem que saber o que fazer com essa floresta, e quem nos informa isso são os povos de comunidades tradicionais. A ciência pode nos ajudar, mas hoje a maior força feita é para ajudar na produção de soja e gado. Precisamos formar gente habilitada a entender a floresta como um complexo”, afirma.