A 30ª Conferência Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que ocorrerá em novembro, em Belém, tem como principal meta avançar na definição de estratégias para conter o aquecimento global, causado pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Contribuem para esse aumento a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e os setores da indústria, da agropecuária e do transporte.
Outras áreas das atividades humanas também provocam impactos, inclusive por dependerem do transporte de produtos de um ponto a outro. Uma dessas áreas é a construção civil. Além do uso de materiais de construção que nem sempre são tão sustentáveis, a atividade também consome muita energia e produz muitos resíduos, os chamados entulhos. Muitas vezes, prédios ou espaços projetados também não valorizam o verde do entorno.
Hoje em dia, a arquitetura e o urbanismo já trabalham com o conceito de arquitetura sustentável. De acordo com Isabella Assofra, professora universitária e especialista em Conforto Ambiental e Sustentabilidade, o conceito se refere a uma abordagem no processo de projetar que pretende reduzir os impactos ambientais. “Seja em uma escala macro, falando de cidade, ou numa escala micro, o edifício propriamente dito, o intuito é fazer um uso mais eficiente dos recursos naturais e também melhorar a vivência das pessoas que irão utilizar aquele ambiente, com reflexos em sua qualidade de vida”, explica.
EIXOS
Isabella detalha que a Arquitetura Sustentável se apoia em vários eixos, que envolvem desde a eficiência energética das construções até a gestão dos resíduos gerados. “Podemos falar da escolha de materiais mais adequados, utilizando insumos locais para reduzir as emissões de gases do efeito estufa por conta do transporte, ou ainda optando por materiais de baixo impacto ambiental, renováveis, recicláveis ou certificados em termos de sustentabilidade. Há também a questão da eficiência energética, com o uso de sistemas de energia renovável, como placas solares. Pode também haver a gestão da água, com captação da chuva para lhe dar outro destino, como em descargas ou sistemas de irrigação para paisagismo sustentável”, detalha.
Outro eixo apontado pela especialista envolve não apenas a sustentabilidade, mas também o conforto ambiental. “É preciso criar ambientes com salubridade, com boa ventilação e iluminação natural, seja por aberturas laterais ou em cima, como em claraboias. E é preciso também ter essa integração com o entorno, respeitando o ecossistema local, considerando a orientação solar e os ventos predominantes”, aponta. Ela complementa que é fundamental fazer a gestão adequada dos resíduos. “Pode-se planejar para minimizar a geração desses resíduos ou ainda o reaproveitamento desse entulho”, diz.
CENÁRIO
Apesar da importância dessas técnicas, Isabella acredita que, em Belém, as iniciativas em arquitetura sustentável ainda são incipientes, mas é um debate crescente, sobretudo em função da proximidade da COP 30. “Já há alguns locais fazendo captação de água pluvial, projetos de eficiência energética usando painéis solares. A Universidade Federal do Pará (UFPA), por exemplo, tem projetos acadêmicos voltados para eficiência energética, ventilação cruzada, aproveitamento da iluminação natural, com uma arquitetura bioclimática. Existem também um shopping, um prédio comercial e o Centro de Controle do BRT Metropolitano, que possuem a Certificação Leed [Leadership in Energy and Environmental Design, sistema de reconhecimento para construções sustentáveis]. É um processo que ainda está acontecendo”, destaca a especialista.
“Espaços precisam ser adaptados às condições climáticas futuras”
Para Isabella Assofra, a arquitetura tem um papel fundamental frente às mudanças climáticas. “O setor da construção civil é um grande responsável pela emissão dos gases do efeito estufa e exploração dos recursos naturais. Então, temos que trabalhar com a mitigação desses efeitos, usando as tecnologias sustentáveis dos eixos que citei, para termos construções de baixo carbono, reduzindo o impacto ambiental”, aponta.
Mas, além da mitigação, a arquitetura pode também trabalhar na resiliência às mudanças climáticas, ou seja, a capacidade de as construções se adaptarem e recuperarem frente a eventos climáticos extremos. “Quando a gente fala de soluções resilientes e arquitetura bioclimática, é preciso considerar o clima local. Aqui, temos uma incidência solar muito direta, então é importante criar mecanismos de sombreamento, utilizar áreas mais permeáveis, uma infraestrutura verde, integração de parques, corredores ecológicos, para justamente ajudar a absorver o CO2 , ter uma drenagem natural, melhorar o microclima. Os espaços precisam ser adaptados às condições climáticas futuras”, afirma.

SABERES
Os saberes populares podem ser grandes aliados na questão da resiliência. “Existe um termo chamado ‘arquitetura vernacular’, justamente aquela desenvolvida a partir dos conhecimentos tradicionais, sem depender de arquitetos ou engenheiros formais, mas baseada na experiência acumulada das comunidades. Ela usa principalmente materiais disponíveis na própria região e técnicas construtivas transmitidas de geração em geração, já adaptadas ao clima, à cultura e ao modo de vida dessas pessoas”, lembra Isabella.
Um grande exemplo são as palafitas da Amazônia. “São construções que protegem contra cheias e inundações, com técnicas de fácil reparo e manutenção, o que é fundamental em contexto de mudanças climáticas. E também são construções que usam recursos locais renováveis, com resíduos mínimos e baixa emissão de carbono. É uma arquitetura que respeita a paisagem natural”, explica.
“Outras técnicas usadas são a ventilação cruzada, a proteção contra a incidência solar direta, com casas elevadas e amplas e utilizando de materiais naturais, oferecendo conforto térmico sem depender de energia artificial. Esses princípios, combinados às novas tecnologias, podem resultar em soluções modernas e bem mais sustentáveis, resilientes e adaptáveis para a nossa realidade amazônica”, completa.

Há várias Amazônias, diz professor
O arquiteto Marcos Cereto, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), concorda que as soluções vernaculares têm pegada de carbono reduzida. “Como são utilizados materiais locais, são evitados deslocamentos para transporte de materiais acima de 800 quilômetros, que são os que, de fato, contribuem para a emissão de monóxido de carbono. E, na Amazônia, as distâncias são comumente muito maiores que isso”, destaca.
“Mas é preciso entender que existem várias Amazônias, e não apenas uma. A realidade de Belém é muito diferente da de Manaus. E o que funciona em Manaus pode não funcionar em Iranduba, do outro lado do rio Negro. Então, não há uma solução única para a região. Cada realidade exige uma solução diferente. Além disso, há soluções vernaculares que não se aplicam a cidades médias ou metrópoles. Não podemos acreditar que vamos enfrentar as mudanças climáticas fazendo tudo em madeira. Os meios de produzir precisam ser diversificados para que possam, do ponto de vista ambiental, atender aos grandes desafios deste século”, pondera.
PIONEIRO
Marcos Cereto é estudioso da obra de Severiano Porto, conhecido como “arquiteto da floresta” e autor de mais de 300 projetos arquitetônicos em diferentes Estados amazônicos. Segundo Cereto, apesar de Porto ter atuado entre 1960 e 2000, e o discurso da sustentabilidade ter tomado mais fôlego apenas no século atual, Severiano já tinha uma compreensão sobre sustentabilidade em seus projetos.

“Ele é um precursor desse discurso. Ele chamava de arquitetura ecológica. São de sua autoria o Centro de Proteção Ambiental de Balbina, a sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus e o campus da Ufam, todos com preocupação ambiental. Em 2020, após seu falecimento, sua obra recebeu um reconhecimento internacional na área, o Global Award for Sustainable Architecture [Prêmio Mundial para Arquitetura Sustentável, em tradução livre]”, conta Cereto.
Sobre o campus da Ufam, o professor conta que foi um projeto premiado em 1988, que preservou todas as 14 nascentes existentes na área. “O sistema viário foi pensado para não cruzar essas águas, para preservá-las. Houve um grande rigor ambiental. Em qualquer foto aérea de Manaus, rapidamente se localiza a Ufam como um grande coração verde dentro da cidade”, destaca.

Boa Vista tem a Casa Cerejeira
Há mais de dez anos, o arquiteto e engenheiro civil roraimense Rodrigo Ávila foi responsável por projetar e construir a primeira casa sustentável do Estado, em Boa Vista. Sua ideia foi fazer uma residência ecológica a partir de tudo o que aprendeu durante três anos de estudos sobre construções sustentáveis, considerando as características da região, de altas temperaturas.
“Foi uma inovação na cidade na época, em 2013. Nos lados que recebiam o sol da tarde, fiz parede dupla com isopor no meio, produzindo transmissão de calor bem menor. No telhado, usei grama, subsolo, sistema de reuso de água. Os vidros utilizados foram verdes, que permitem maior entrada de iluminação e menos calor, e foram posicionados em pontos estratégicos para dispensar a iluminação artificial durante o dia. O conforto térmico é tanto que nem precisa de equipamentos para perceber a diferença. Mas medindo, a diferença de temperatura de fora para dentro chega a quase 10 graus, graças às soluções adotadas”, relata.

O profissional chamou a residência de Casa Cerejeira. Ele morou no local por anos, até vender para outro arquiteto, que se interessou justamente por suas características de conforto e preocupação ambiental. Até hoje, com permissão do novo dono, Ávila leva alunos de Arquitetura e Engenharia Civil para conhecer o conceito.
COP 30
Belém se prepara para a maior conferência climática do mundo com a realização de uma série de obras. Algumas delas já adotam tecnologias sustentáveis. É o caso da Nova Doca, onde foi implantado um sistema de tratamento de efluentes que usa plantas, ao invés de produtos químicos. Chamados de wetlands, ou jardins filtrantes, as tecnologias usam vegetais para purificar a água, reduzindo os impactos ambientais de forma econômica.

O mesmo sistema foi implantado no Parque da Cidade, complexo que será sede da COP 30. Além dos wetlands e da grande área verde, com 1.500 árvores e 190 mil plantas ornamentais, o espaço também adotou tecnologias como reaproveitamento da água da chuva e energia solar.
“A vinda da COP 30 para Belém acabou fomentando a discussão de a gente ter técnicas arquitetônicas que envolvam a sustentabilidade no seu projeto. É algo que tem seus desafios, mas acredito que, a partir de agora, haverá maior disseminação dessa ideia e mudanças nesses processos de projetar, para que tenhamos construções mais verdes”, finaliza Isabella Assofra.
PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção da Liberal Amazônia é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. Os artigos que envolvem pesquisas da UFPA são revisados por profissionais da academia. A tradução do conteúdo também é assegurada pelo acordo, por meio do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multissemiótica.