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Corte Internacional

Por crimes em atuação na Amazônia, Hydro será julgada na Holanda

Tribunal Distrital de Roterdã, na Holanda, acata denúncias contra empresa norueguesa Hydro por crimes contra meio ambiente e comunidades no Pará

Da Redação

22/10/2022

A justiça holandesa decidiu nesta semana que dará prosseguimento ao processo contra o grupo multinacional Hydro, que tem sede na Noruega. As denúncias são relacionadas aos danos ambientais e sociais contra a população da região de Barcarena, no Pará.

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Famílias que denunciam a empresa dizem que as vítimas foram expostas a resíduos tóxicos - Foto: Tarso Sarraf

A ação busca compensação para cerca de 11 mil famílias afetadas pela produção da cadeia de alumínio, operada pela empresa Hydro no Estado. Vencida a etapa de análise de jurisdição, agora o Tribunal Distrital de Roterdã, na Holanda, irá julgar o mérito da ação. Entre as comunidades atingidas pela operação da empresa, estão populações tradicionais da Amazônia, como ribeirinhos, indígenas e quilombolas.

As vítimas são representadas pelo escritório de Ismael Moraes Advocacia, pelo escritório holandês Lemstra van der Korst e pelo grupo de advocacia global Pogust Goodhead.

O advogado Ismael Moraes, que representa a Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), comemorou o andamento do processo. Ele avalia que a "decisão da corte holandesa em aceitar um processo movido pela Cainquiama traz esperança de que haja uma decisão isenta, justa, sem interferência do Estado brasileiro, e que traga uma reparação digna para essas comunidades".

A denúncia contra a Hydro tem como base os episódios ocorridos em 2018, quando ocorreu, de acordo com a ação, "disposição incorreta de rejeitos tóxicos no rio Murucupi”. Mas, o processo também destaca “outros efeitos da presença das instalações da Norsk Hydro na região".

Para Ismael, na fase de mérito serão comprovados crimes ambientais e violação de direitos humanos. "Acreditamos que possamos levar as provas necessárias à finalização do processo para que a justiça holandesa possa decidir e trazer um novo marco na apreciação de violação de direitos humanos e meio ambiente na Amazônia", afirma Ismael. Durante a nova fase, a defesa das famílias irá focar na “busca por estabelecer a responsabilidade das rés pelos desastres ambientais dentro e ao redor do local onde a atividade industrial ocorreu. É um passo em direção à justiça para os afetados que passaram anos tentando ser ouvidos".

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Ação busca compensação para cerca de 11 mil famílias afetadas pela produção da cadeia de alumínio - Foto: Tarso Sarraf

Denúncia mostra que rios e comunidades foram contaminados pela Hydro

A contaminação de áreas próximas da empresa Hydro Alunorte teve grande repercussão no início de 2018. À época, foram feitas denúncias de que o depósito de resíduos de bauxita da Hydro em Barcarena tinha transbordado durante período de fortes chuvas na região, fazendo com que uma lama tóxica de bauxita fosse espalhada por rios e córregos da região, como o Rio Murucupi, inundando vilas de moradores de Barcarena e Abaetetuba com as águas contaminadas com resíduo de bauxita, que tem coloração avermelhada.

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Justiça e as autoridades locais determinaram a redução da produção na Alunorte, impactando também na produção da Albras - Foto: Tarso Sarraf

O vazamento incluiria, além da bauxita, substâncias químicas utilizadas no processo de refino da bauxita em alumina, operação que é feita pela Hydro Alunorte. A alumina serve de matéria-prima para a produção do alumínio, também realizada pela Hydro, por meio da joint venture Albras, que tem participação da norueguesa Hydro e da japonesa Nippon Amazon Aluminium Co (Naac).

Conforme afirmam as famílias que denunciam a empresa, "as vítimas foram expostas a resíduos tóxicos do processamento de alumínio, que podem causar problemas de saúde, como aumento da incidência de câncer, Alzheimer, doenças de pele, problemas de estômago e diarreia”, diz a denúncia.

A ação vai além do episódio de 2018, que serve de base para o processo e aponta que as operações da Hydro impactam diretamente o meio ambiente desde 2002, com outros casos de vazamentos da bacia de rejeitos da empresa.

A área jurídica da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama) já apresentou cinco ações contra a Hydro e chegou a participar de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), homologado pela Justiça Federal, entre o Ministério Público Federal (MPF) e a empresa. Mas, segundo a defesa, o TAC não foi suficiente e as famílias ainda não foram devidamente compensadas, assim como a reparação dos danos ao meio ambiente.

"As cinco ações civis públicas e coletivas protocoladas no Brasil são base para essa ação proposta na Holanda, que vem à tona após o acordo homologado pela Justiça Federal brasileira não contemplar todos os objetos reivindicados pelas populações afetadas. Por outro lado, o artigo 24 do Código Civil Brasileiro e as normas de direito internacional da União Europeia permitem que o mesmo fato seja discutido no país de origem e em uma corte europeia", disse.

Em 2018, Instituto Evandro Chagas constatou até chumbo no solo e nos rios

O advogado que representa a Cainquiama, Ismael Moraes, afirma que "essa é a primeira ação socioambiental por danos causados na Amazônia, apresentadas perante uma corte europeia".

A Hydro possui três plantas industriais no Pará. Em Paragominas é feita a extração de bauxita, enviada por dutos até Barcarena, onde está a empresa Hydro Alunorte. No local é feito o processo de refino do minério em alumina, que então é enviada para o complexo da Albras, que produz alumínio.

Durante a crise de 2018, no que ficou conhecido como “Caso Hydro”, a empresa chegou a classificar como “completamente inaceitável” a liberação de água não tratada do processo industrial que usa elementos químicos em rios e igarapés da região.

Na época, o alerta da contaminação foi dado pelo Instituto Evandro Chagas (IEC), que realizou coletas de solo e água nas comunidades do entorno das unidades industriais. O órgão constatou em laboratório que ocorreram alterações químicas no solo e nas águas da região, com alta presença de metais pesados e cancerígenos como chumbo.

A confirmação do episódio fez com que a justiça e as autoridades locais determinassem a redução da produção na Alunorte, impactando também na produção da Albras, que teve de reduzir a operação pela metade, por mais de um ano.