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FLORESTA EM PÉ

Pesquisa é fundamental para o reflorestamento da Amazônia

Estudos reduzem o tempo de crescimento das espécies nativas e estudam as melhores formas de implantar a técnica no território

Camila Azevedo

23/02/2024

O tempo de crescimento das espécies de árvores nativas da Amazônia tem se mostrado como um verdadeiro desafio ao reflorestamento da região. Alguns tipos, como a golosa, começam a produzir flores aos 25 anos. O encurtamento deste período necessário ao desenvolvimento, frente às necessidades atuais de recuperação do meio ambiente, tem sido alvo de pesquisas.

Alguns estudos produzidos no Pará já são promissores, como as análises realizadas pelo Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia da Rede Bionorte (PPG-Bionorte) da Universidade Federal do Pará (UFPA), que tem utilizado técnicas de aplicação de hormônios nas mudas e de sombreamento. Os resultados apontam uma diminuição de, em média, 20 anos no intervalo de crescimento das plantas estudadas.

Outras espécies alvo da pesquisa são camu-camu, taperebá, jatobá, muiracatiara, ipê, orelha de macaco, mogno, cupuaçu, jenipapo, amarelão, ucuuba, seringueira e andiroba. A carência de informações referentes à biologia dessas espécies, fundamentais para a cultura, o equilíbrio e a economia da Amazônia, também estão entre os desafios para o sucesso do reflorestamento.

A aplicação do brassinosteróide, hormônio relacionado ao alongamento das células, promoveu o crescimento do camu-camu, acelerando o processo em até 50%. No taperebá, os pesquisadores notaram diferença no diâmetro, registrando crescimento acelerado em 30%. A técnica de sombreamento, também usada na pesquisa, funcionou para espécies como o jenipapo.

Futuro

O professor Emil Hernández, responsável pelo estudo, afirma que o sucesso do projeto pode garantir “benefícios significativos para o futuro da restauração florestal na Amazônia”, além de ajudar a recuperar áreas degradadas, reduzir o desmatamento e gerar emprego e renda. “O projeto também pode beneficiar a biodiversidade e as comunidades locais. As árvores que estão sendo estudadas são importantes para a fauna e flora da Amazônia”, destaca.

Reflorestamento precisa recuperar todas as perdas do bioma

O levantamento mais recente divulgado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), de dezembro de 2023, constatou que as áreas degradadas da região alcançaram 1.050 quilômetros quadrados, o que representa um aumento de 1,6% em relação ao mesmo período de 2022. O Pará foi responsável por 89% desse total. É nesse sentido que técnicas como o reflorestamento podem ser eficazes.

Em um cenário em que 15% da Amazônia brasileira já foi desmatada – fator que contribui para as mudanças climáticas – e outra área ainda maior foi degradada para as explorações ilegais, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a técnica de recuperação florestal por meio do reflorestamento precisa contribuir para todas as perdas que o bioma registrou.

Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa, afirma que mais do que plantar espécies da flora, a prática também deve viabilizar que a fauna seja recuperada no local, uma vez que muitos tipos de animais foram perdidos no processo de destruição do meio ambiente. “Junto com essa recuperação, vai formar uma zona de segurança, tanto para evitar a extinção das espécies, quanto para recuperar os serviços ecossistêmicos”, diz.

Chuvas

Um indicador essencial, visto como sucesso da iniciativa, é a volta de regimes pluviométricos, cuja redução dos níveis é fator de preocupação entre os cientistas. “Quando a gente fala de mudança de clima, é importante considerar essa recuperação de serviços. Por exemplo, a chuva. A gente sabe que a cerca de 200 km de distância de uma área desmatada, a chuva é reduzida”, complementa Joice.

“Revertendo essa perda de chuva, vai ter mais evapotranspiração, vai produzir mais chuva, aumentar os polinizadores e, com isso, a produção de alimentos. Então, vai favorecer a própria agricultura. A chuva é importante para a produção agrícola, que depende da agricultura. Por tudo isso, as técnicas de restauração são altamente benéficas, junto com a redução do desmatamento. Isso é muito importante”, acrescenta a pesquisadora.

Manejo

Uma das linhas de pesquisa que a Embrapa tem desenvolvido para contribuir com a restauração da floresta amazônica é a de regeneração natural com manejo. A técnica consiste em deixar que a área desmatada tenha um crescimento próprio, mas com certo controle. “Você retira as plantas competidoras, faz controle das formigas e faz algum enriquecimento. Temos um grupo de trabalho que faz justamente essa parte”, detalha Joice Ferreira.

A pesquisadora lista cinco frentes de pesquisas da Embrapa: “Regeneração florestal sem manejo, regeneração florestal com manejo, plantio em área total, sistemas agroflorestais [tipo de plantio que gera renda e benefícios na bioeconomia] e planejamento espacial da recuperação. Todas têm técnicas diferentes. Por exemplo, no plantio total você faz a semeadura com sementes ou pode fazer o plantio de mudas.

Mineradora atua com sistemas agroflorestais

Os Sistemas Agroflorestais (SAF), uma das técnicas de reflorestamento que está sendo usada na Amazônia, combina a plantação de espécies arbóreas com cultivos agrícolas, de forma simultânea ou em sequência temporal. A ação promove, além de benefícios ecológicos para o território, a geração de economia. Na região sudeste do Pará, a mineradora Vale tem garantido incentivos para a comunidade local.

O objetivo é recuperar e proteger mais de 20 mil hectares da floresta amazônica paraense até 2030. A espécie principal que tem sido plantada na região é o cacau. Gustavo Luz, diretor executivo do Fundo Vale, iniciativa que fomenta a ação, ressalta que, com o desenvolvimento dessa plantação na área, cerca de 60 mil toneladas da fruta nativa serão produzidas por ano, beneficiando 2 mil produtores.

“Focamos muito nos sistemas agroflorestais com o cacau como espécie chave. Temos como alvo recuperar em torno de 20 mil hectares por meio disso. Negócios agroflorestais é onde a gente entende que entrega a melhor combinação de impacto ambiental com impacto social. Então, é possível recuperar florestas, mas gerando renda e gerando um impacto social positivo no território. Essa é a origem e o foco prioritário dos projetos”, diz Gustavo.

Renda

Os sistemas agroflorestais admitem uma série de combinações entre os ciclos das espécies. Por exemplo, no caso do cacau o tempo de maturação das árvores é maior do que na plantação de mandioca. Gustavo pondera que isso pode ser um atrativo para os produtores. “Esse é o grande desafio da restauração florestal. Espécies de ciclo curto, como a mandioca e banana, são capazes de já gerar renda”.

O diretor executivo do Fundo Vale afirma que o desafio encontrado para o sucesso do projeto é introduzir novos conhecimentos nas comunidades. “O produtor, em geral, é de área de pecuária de baixa produtividade, mas é uma atividade em que ele já tem um domínio, um conhecimento. Então, fazê-lo aceitar sair de onde ele tem esse domínio para uma nova atividade é o principal desafio”, afirma.

Manejo florestal é opção para setor madeireiro

O setor madeireiro tem optado por um sistema diferente para aliar sustentabilidade com geração de renda. No Pará, a balança comercial das exportações de madeira soma 200 milhões de dólares (cerca de R$ 1 bilhão). Segundo a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará (Aimex), esse valor tem possibilidade de crescimento, contando com o manejo sustentável para dar conta da demanda.

Enquanto o reflorestamento é, de acordo com o Instituto Brasileiro de Florestas (IBF), a ação de recuperar uma área desmatada por meio do plantio de novas árvores, o manejo florestal pode ser conceituado como a aplicação de uma série de informações biológicas, técnicas e econômicas no controle de operações florestais, conforme a Embrapa. Na prática, há a combinação de produção com conservação de diversos produtos e serviços ambientais.

Deryck Martins, presidente da entidade, explica que o reflorestamento não é uma técnica muito viável para o setor no momento, tendo em vista que a biologia das espécies nativas ainda é pouco conhecida. Com o manejo, porém, as empresas madeireiras conseguem manter uma cadeia de produção já dominada que não fere o meio ambiente. “O manejo prevê que você vai ter a mesma quantidade e qualidade de madeira naquela área”, pontua.

Segurança

Um outro fator que contribui para o segmento optar pelo manejo florestal é a preservação. Segundo Deryck, com mais áreas usadas por meio da técnica, menores são os riscos de práticas ilegais serem desenvolvidas no território. “Há a dificuldade de manter essas florestas intactas. As pessoas vão derrubar para fazer roça, para especular, para colocar árvores em cima”, diz.

“Onde você não tem manejo, não tem unidades de conservação, as pessoas desmatam. Então, o manejo florestal tem essa grande possibilidade de bloquear, ele vira um bloqueio contra o desmatamento. Em qualquer projeto de manejo, é possível ver que ele freia o desmatamento. Se não houver valoração econômica para essas áreas, dificilmente vai ter quantidade policial e militar suficiente para impedir que seja desmatado”, adiciona Deryck.

Crescimento

A estimativa da Aimex é que o setor tenha ganho econômico se práticas como o manejo florestal forem amplamente espalhadas no Pará. Atualmente, conforme a associação, apenas 1,4 milhão de hectares de floresta possuem concessão para uso da iniciativa privada. Se esse valor for para 18 milhões, a expectativa é que haja o aumento da demanda de madeira do estado - que hoje está em 6 milhões de metros cúbicos.

“O manejo sustentável é uma realidade. Hoje, as empresas trabalham com áreas certificadas, com concessões florestais e a gente acredita que é a realidade do setor. No entanto, vemos a possibilidade de aumentar esse mercado, porque vemos muitas áreas florestais que ainda não foram destinadas, que faltam fazer plano de manejo e serem incluídas nas concessões”, afirma Deryck.

Por que o reflorestamento é tão importante?

Extração de CO2 da atmosfera: as plantas absorvem o gás carbônico (CO2) da atmosfera e liberam o oxigênio (O2), que é muito importante para a respiração de todos os seres vivos.

Controle do aquecimento global: de acordo com o World Wide Fund for Nature (WWF), o CO2 representa mais de 70% de todos os gases do efeito estufa (GEE), que são responsáveis pelo aquecimento global. Retirando o CO2 há benefícios.

Preservação dos biomas: o reflorestamento ajuda a restaurar os elementos que fazem parte dos biomas.

Conservação da fauna local: o reflorestamento não evita apenas o desaparecimento de mudas de árvores e outras plantas. Junto às florestas, existe uma rica vida animal, na qual muitas espécies ainda não são conhecidas e catalogadas pelos seres humanos.