Nos próximos dias, os olhos do mundo estarão voltados para o Brasil, em especial para a Amazônia. Governadores do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal chegarão a Sharm El Sheikh, no Egito, esta semana, para marcar presença na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), acompanhados pelo presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é a primeira viagem internacional de Lula após o resultado das eleições e sua participação vem sendo aguardada por lideranças do mundo todo.
Essa é também a primeira vez que o Consórcio terá um estande independente da delegação oficial do governo federal durante a conferência, que é o maior fórum mundial de discussão sobre o clima. Para a Amazônia, o encontro deve representar um momento de firmar parcerias e angariar investimentos para fortalecer a preservação do meio ambiente.
Com o Consórcio, o Brasil acumula três linhas de frente na COP 27, junto ao pavilhão do Ministério do Meio Ambiente e ao Brazil Climate Action Hub, este último composto por um grupo de ambientalistas, cientistas e quilombolas, dentre outros, que forma uma delegação à parte do governo federal para levar suas principais preocupações à conferência, desde 2019.
Em entrevista ao O Liberal, o governador do Pará, Helder Barbalho, declarou que espera firmar acordos que irão gerar R$55 milhões em investimentos para o estado. “São parcerias com instituições públicas e privadas que enxergam no Pará um ambiente propício e seguro para investimentos que valorizem avanços sociais com a floresta em pé. Esses recursos também permitirão o fortalecimento de serviços ambientais e regularização. Isso só é possível porque temos trabalho e realizações para mostrar, como o monitoramento cada dia mais abrangente e a redução do desmatamento em áreas estaduais", afirmou Barbalho.
O Governo do Pará já anunciou a captação de R$ 20 milhões, via Fundo da Amazônia Oriental, apresentado na COP 27.
Na avaliação de Ivan Silva, vice-coordenador geral do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia (LEGAL), um dos pontos que devem ser ressaltados pelo Consórcio na COP 27, com apoio de Lula, será a ampliação de financiamento internacional para preservação do bioma, como o Fundo Amazônia. “A COP 27 será uma importante janela de oportunidades de firmar mais acordos para fundos de investimentos voltados à região”, declara.
Silva também frisou que a conferência será um “bom momento para Helder Barbalho reforçar sua posição em nível internacional”. No próximo ano termina o mandato de Antônio Waldez Goés, governador do Amapá e atual presidente do Consórcio, que deverá escolher a nova administração do grupo.
Crédito de carbono - Mesmo antes de chegar ao Egito, Barbalho já anunciou um compromisso a ser firmado pelo Pará na conferência: tornar o estado o primeiro do Brasil a regulamentar o ressarcimento do crédito de carbono. O conceito foi criado durante o Protocolo de Quioto, em 1997, e estabelece que cada tonelada reduzida na emissão de gases do efeito estufa gera uma moeda que pode ser vendida para países e empresas que não atingiram metas.
Waldez também estará presente e esclareceu, em entrevista à imprensa, que a participação do Consórcio “em um hub específico não quer dizer que vamos nos separar do país do qual fazemos parte. Mas era impossível apresentar a Amazônia dos nove governos estaduais, expondo sua visão de desenvolvimento sustentável e de uma economia de baixas emissões, com o compromisso de frear o desmatamento, dentro do estande do governo central”.
País chega para assumir protagonismo na conferência
“Antes de mais nada, o Brasil está retomando o protagonismo internacional nas discussões do meio ambiente”, assinala Ivan Silva, vice-coordenador geral do LEGAL. Segundo ele, há uma expectativa dos demais países para que a liderança tupiniquim volte a conduzir alguns debates e se posicionar de forma mais efetiva ao firmar acordos. O Brasil manteve uma participação tímida nos últimos quatro anos nesse quesito, sem ter o presidente em exercício, Jair Bolsonaro, comparecido em nenhuma das edições da COP nesse período.
Desde sua campanha, o presidente eleito vem ressaltando sua intenção de dar maior atenção à preservação da Amazônia. Sua participação na COP 27, junto aos representantes estaduais da região, deve abordar o desenvolvimento sustentável da floresta e o combate ao desmatamento e aos incêndios no bioma.
Na COP 27, a Amazônia esteve em pauta desde o primeiro dia, 06 de novembro, quando o ambientalista norteamericano Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, citou a região em seu discurso de abertura da cúpula de líderes mundiais presentes na conferência. “Precisamos de mais (ação climática), mas temos a base para a esperança. Apenas alguns dias atrás o povo do Brasil escolheu parar a destruição da Amazônia”, disse. Gore citou a Amazônia como exemplo de “esperança” no combate às mudanças climáticas no mundo.
Outro ponto de atenção, segundo Silva, é a presença da ambientalista Marina Silva, que chegará no Egito antes mesmo de Lula. "Ela irá acompanhada de sua equipe e é uma liderança inconteste na área internacional. Há uma expectativa de que ela conduza importantes negociações em nome do Brasil e que durante a COP 27 talvez Lula nomeie o próximo nome para o Ministério do Meio Ambiente", enfatiza.
Estande oficial foca na divulgação de energias limpas
O atual presidente, Jair Bolsonaro, não confirmou participação na COP 27, mas seu governo está sendo representado por uma delegação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), presente na conferência. De acordo com o MMA, os objetivos da delegação no evento são “promover um encontro de lideranças internacionais, visando implementar o mercado global de carbono; buscar financiamento climático para mitigação e adaptação, especialmente para incentivar a produção de energias limpas (biomassa, eólica e solar) e de hidrogênio verde”, além de buscar investimentos para alguns programas governamentais.
O pavilhão brasileiro terá a participação também da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).
Ministros representaram o país, nos últimos anos
Ao longo de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro não participou presencialmente de nenhuma COP, sempre enviando como representante oficial os ministros do Meio Ambiente. Em 2021, na 26ª edição, o então ministro Joaquim Álvaro apresentou uma nova meta de redução de 50% das emissões dos gases associados ao efeito estufa até 2030 e a neutralização das emissões de carbono até 2050.
No ano anterior, 2020, não houve a conferência por conta da pandemia. Já em 2019, o Brasil teve a oportunidade de sediar a conferência, mas o governo declinou e a conferência acabou sendo realizada em Madri, na Espanha. O ministro do meio ambiente naquele ano, Ricardo Salles, chefiou a delegação brasileira no lugar do presidente.
Metas do Acordo de Paris em avaliação
Poucos dias antes do início da COP 27, o Observatório do Clima divulgou que as emissões brasileiras em 2021 tiveram sua maior alta em 19 anos. Reduzir essas emissões em todo o mundo deve ser um dos desafios provocados durante a conferência, acompanhando como os países têm cumprido o Acordo de Paris.
Criado na COP de 2015, o acordo foi um dos compromissos mais importantes da história das conferências e exigiu que todos os países garantissem atuar para manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C (em comparação à temperatura que se tinha antes da era pré-industrial, anterior a 1750) e controlar o aquecimento do planeta a 1,5 °C até o fim do século XXI. Na COP 27, o objetivo esperado é que os governantes apresentem ações climáticas na prática, com a implementação de medidas efetivas alinhadas ao Acordo de Paris.
Impactos da guerra e compensação a países mais pobres também em pauta
A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas teve sua primeira edição em 1995, na Alemanha, desde então, promove um encontro anual com o intuito de reunir países e firmar compromissos que podem mudar a direção das políticas públicas globais. Neste ano, a expectativa é que, além da pauta sobre Amazônia, por exemplo, se tenha no centro das discussões os efeitos da guerra entre Ucrânia e Rússia, iniciada em fevereiro deste ano, para problemáticas como a segurança energética e a segurança alimentar global.
"As discussões já estão em andamento desde a primeira semana e a chegada de Lula gera a expectativa do Brasil entrar oficialmente na conversa", diz Ivan Silva. Segundo o cientista político, um dos eixos que vêm despontando, até mesmo pela delegação do Egito, é uma demanda dos países mais pobres de que os países mais ricos deveriam fornecer compensação financeira para arcar com ações de emergência climática. "Os olhares também estão voltados para como o Brasil vai se posicionar e conduzir esse debate".
O Brasil também será representado por instituições científicas como o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), além de organizações sem fins lucrativos como o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).