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CIÊNCIA

Castanheira-da-Amazônia é opção para reflorestamento e bioeconomia

Estudos apontam que a árvore, quando estimulada por nanobiotecnologia, pode ter um crescimento acelerado em 30%

Camila Azevedo

09/05/2024

Não é de hoje que a castanheira-da-Amazônia tem importância social e econômica no contexto do bioma que nomeia a árvore. Famílias tradicionais, como as compostas por ribeirinhos, indígenas e quilombolas, garantem parte da renda a partir da produção e venda da semente dessa espécie, a castanha-do-Pará. O alimento movimentou mais de R$ 170 milhões na Região Amazônica em 2022 – ano da última atualização feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, resultado da colheita de 38.169 toneladas produzidas e tendo potencial para mais.

Em 2021, o produto gerou R$ 137 milhões para o bioma. Acompanhando as necessidades e a tendência de crescimento vista na produção da castanha-do-Pará, alguns projetos e instituições da Amazônia estão focando em melhorar as condições de crescimento das árvores, de plantio e colheita, inserir valor agregado no alimento e fomentar a geração de emprego e renda na região. Um deles é o Nanorad’s, experiência coordenada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que faz uso de nanobiotecnologia para potencializar o desenvolvimento de plantas.

A iniciativa está presente em todos os nove estados da Amazônia Legal – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão – e conta com mais de 100 pesquisadores. As castanheiras são o grande alvo do projeto. Nelas, uma nanopartícula, chamada de arbolina, é inserida nas folhas ou no solo, com o objetivo de melhorar a sinergia das raízes com as bactérias presentes, provocando um avanço na fotossíntese, na assimilação de carbono e no crescimento dessas espécies. Os resultados já mostram incremento na altura, diâmetro e no número de folhas das plantas.

Arbolina

Elas serão medidas em 2025, mas o estudo com a arbolina indica um aumento de 30% no tamanho das árvores que fizeram uso da substância. O ponto de partida para o início das pesquisas com as castanheiras foi a realidade de desmatamento na Amazônia. José Francisco Gonçalves, pesquisador do INPA e coordenador do Nanorad’s, explica que essas áreas degradadas do bioma são o foco dos trabalhos por existir muita perspectiva de futuro e poucas soluções efetivas para contornar o problema. “Vinte por cento de área desflorestada é suficiente enquanto visão de futuro, enquanto solução política adequada”, diz.

O projeto tem dois anos. Gonçalves destaca que são cerca de 16 mil as espécies de árvores existentes na floresta amazônica e, em comparação com outras regiões, se houvesse o uso de ao menos 10% desse total a economia começaria a mostrar efeitos de reação. “Significa que temos o problema e temos como torná-lo uma solução e os tomadores de decisão têm que escolher o lado. O problema é: continuo no desmatamento? E a solução é: uma ação efetiva em áreas que já foram desflorestadas. Fizemos um diagnóstico e dizemos que há soluções e elas são pautadas em plantios florestais”, afirma.

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“A castanheira é uma espécie de multiproduto, então ela tem essa vantagem de produzir castanha, madeira, a amêndoa pode extrair o óleo, tem o consumo in natura…”, afirma o coordenador do Nanorad’s, José Francisco Gonçalves (Foto: Arquivo pessoal)

“Precisamos trabalhar no sentido de fazer plantio em espécies que agregam valor ao mercado. Falta pesquisa, falta investimento, mas mesmo dentro dessa espécie que temos, é possível fazer plantio florestal com alto desempenho. Hoje, o projeto tem 11 instituições em toda a Amazônia brasileira. No Pará, é a Unifesspa. Em cada uma das áreas, tem um pesquisador responsável e um bolsista que acompanha o experimento em campo. Temos cinco estudantes do ensino médio selecionados de escolas públicas”, lista o pesquisador.

Espécie fornece da castanha à madeira

Diversas são as possibilidades de incremento na economia por meio das castanheiras. Além da produção de castanha-do-Pará, a de madeira também tem espaço no mercado e acelerar o crescimento das espécies é uma forma de garantir a demanda. O coordenador do Nanorad’s, José Francisco Gonçalves, explica que a árvore leva oito anos, nas condições atuais, para maturar – esse tempo está sendo diminuindo por meio da nanobioctecnologia. “A castanheira é uma espécie de multiproduto, então ela tem essa vantagem de produzir castanha, madeira, a amêndoa pode extrair o óleo, tem o consumo in natura…”

Escolha

Além do contexto socioeconômico presente no cultivo da castanheira na Amazônia, o projeto levou em consideração as diferenças fisiológicas da árvore para realizar o estudo. “A escolha da castanheira foi uma seleção de uma espécie que apresenta o que a gente chama de plasticidade fisiológica. Ela tanto cresce em ambientes de sub-bosque, germina quando a floresta abre o dorsel, então, a semente que está no banco de sementes ali cai no solo e germina, cresce. A castanheira cresce naquela condição de baixa luminosidade, mas ela também cresce em ambientes abertos desflorestados”.

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Versátil, a castanheira cresce em condição de baixa luminosidade e também em ambientes abertos (Foto: Arquivo pessoal)

Castanha-do-Pará tem vantagens competitivas

Ao contrário de outros elementos cultivados da Amazônia, como o açaí, a castanha-do-Pará conta com o diferencial de não ser perecível, ou seja, não estraga fácil. Lúcia Wadt, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de Rondônia, pondera, também, que a colheita do produto envolve toda a família, garantindo renda de forma ampla. “Só que o açaí tem um valor agregado muito maior, gera mais renda, mas não é tão universal em termos de coleta. A castanha é um produto que substitui a borracha e desde os primórdios você tira e vende sem problema de falta de tecnologia”.

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Entre os estudos, potenciais medicinais no alimento foram encontrados. “Várias comunidades extrativistas usam, coletam a casca e fazem o chá para problemas de estômago, por exemplo”, diz a pesquisadora Lúcia Wadt (Foto: Ag. Pará / Arquivo)

“O mercado está em crescimento, não está saturado e é bem tradicional. A renda principal é para famílias que vivem na Amazônia, em reservas extrativistas, gerando a maior parte dos lucros deles. É um conhecimento que passa de pai para filho, quase todo mundo sabe coletar e quebrar a castanha. A borra é tradicional e está se perdendo porque os jovens não sabem cortar seringueira. Mas, a castanha, não. Jovens e adolescentes participam [das colheitas], as mulheres participam e por isso é tão importante”, complementa a pesquisa da Embrapa.

Fins medicinais

As pesquisas desenvolvidas pela Embrapa seguem o caminho de promover qualidade na produção e colheita das castanhas-do-Pará e encontrar melhores saídas para a bioeconomia do produto na Amazônia. Entre os estudos, potenciais medicinais no alimento foram encontrados. “Várias comunidades extrativistas usam, coletam a casca e fazem o chá para problemas de estômago, por exemplo. Usam para várias coisas. As pesquisas para fins medicinais têm dados resultados muito interessantes [em outras árvores], mas na castanheira foi mais expressivo”, diz Lúcia.

Embrapa trabalha no melhoramento da economia da castanha-do-Pará

Desde o início dos anos 2000 a Embrapa pesquisa as melhores formas de fazer com que a cadeia produtiva da castanha-do-Pará seja maior. Lúcia destaca que, entre os projetos, a instituição trabalha qualidade, agregação de valor, soluções extrativistas e genética. “A gente tem trabalhado para melhorar a produtividade, diminuir o esforço laboral, o plantio trabalhando a questão da seleção e desenvolvimento de materiais produtivos e técnicas de produção de muda e poda, de enxertia, para que a gente consiga recomendar um sistema de cultivo com técnicas que você realmente traga vantagens em produção”, afirma.

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“A castanha é um produto que substitui a borracha e desde os primórdios você tira e vende sem problema de falta de tecnologia”, afirma Lúcia Wadt (de cinza), pesquisadora da Embrapa Rondônia (Foto: Arquivo pessoal)

Apesar do valor da produção da castanha-do-Pará, semente da castanheira, ter tido um aumento entre 2021 e 2022, o alimento vem de uma série histórica de estabilidade: em 2018, foram R$ 130 milhões arrecadados e, em 2019, R$ 135 milhões. Em 2020, por conta da pandemia de covid-19, esse valor foi de R$ 98 milhões. Os dados são do IBGE. João Cláudio Arroyo, professor universitário e doutor em desenvolvimento urbano e meio ambiente, considera que os ganhos poderiam ser bem maiores. Isso porque o bioma produz sem valor agregado, ou seja, baseia as exportações em produto bruto, sem trato.

“Existe uma certa desvalorização da castanha junto ao real e pela lógica de exportar sem nenhum beneficiamento. Transformamos e deixamos a castanha como commodity, um produto comum para o mercado internacional; ele não se destaca pela qualidade e peculiaridade, só ganha mercado pelo preço, ele tem que depreciar custo para baixar preço e ganhar mercado. A gente exporta uma parte que vai para a Suíça, por exemplo, e compramos a castanha envolvida no chocolate, sendo que poderíamos fazer aqui”, explica o professor.

Contraste

Essa realidade é contrastante, uma vez que o Brasil é o segundo maior produtor da castanha-do-Pará, seguido por Bolívia e Peru. “Nós temos muitos recursos, mas a riqueza é gerada fora. Nós ficamos com cerca de 5% dos recursos da riqueza que é gerada com o que nós temos. O posicionamento do Brasil na geoeconômica é desvantajoso: temos recursos, somos a 9ª maior potência produtiva do mundo, temos o 9º maior Produto Interno Bruto[PIB], mas nós produzimos muito mas sem valor agregado. Quem está tomando decisões econômicas é quem tem interesse que o Brasil continue pobre”, afirma Arroyo.

Potencial

Uma série de produtos poderiam ser desenvolvidos a partir da castanha-do-Pará, como óleo para substituir azeite e doces, por exemplo. No entanto, o extrativismo continua sendo a principal atividade. “A castanha começa como uma droga do sertão [especiarias com alto valor de revenda], logo com a chegada dos portugueses. Depois, voltaram a investir aqui com a chegada dos ingleses e franceses, mas deram maior expressão para pedras preciosas. A castanha não teve destaque e continua sendo um produto extrativista, não tem uma técnica, uma indústria. Colhemos e jogamos para o mundo, eles devolvem em produtos”, explica o docente.

Produção de castanha-do-Pará na Amazônia

- Acre

R$ 58 milhões

9.145 toneladas produzidas

- Amapá

R$ 1,1 milhão

400 toneladas produzidas

- Amazonas

R$ 46 milhões

14.303 toneladas produzidas

- Mato Grosso

R$ 16 milhões

2.205 toneladas produzidas

- Pará

R$ 31 milhões

8.807 toneladas produzidas

- Rondônia

R$ 5,9 milhões

1.395 toneladas produzidas

- Roraima

R$ 10 milhões

1.915 toneladas produzidas

- Tocantins

Sem dados

- Maranhão

Sem dados

Fonte: IBGE/2022