O motoboy Pedro Carvalho, por sua profissão, costuma rodar por todos os cantos de Belém. Ele diz que, no centro da cidade, onde há muitas mangueiras e outras espécies de árvores, sente menos calor quando trabalha durante o dia, mas que as áreas periféricas sofrem nesse quesito. “Na Arthur Bernardes, por exemplo, a gente pega um sol escaldante, na Augusto Montenegro também. Tem poucas árvores e é muito mais quente, não tem sombras”, lamenta.
Da frente de um shopping na avenida Centenário, Carvalho observava uma ação de plantio de mudas realizada pela equipe da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belém (Semma). “Belém precisa investir no que estão fazendo aqui, é um meio de valorizar o meio ambiente. Quanto mais sombra, mais verde, melhor para a gente”, afirma. A ação testemunhada pelo motoboy faz parte de um projeto lançado em janeiro pela Semma, chamado “Cidade Verde”, que pretende tornar a capital paraense mais arborizada.
De acordo com o engenheiro agrônomo Junior Melo, chefe da Divisão de Manutenção de Áreas Verdes Públicas da Semma, o plantio de mudas na Centenário deverá formar um pequeno bosque para criar maior conforto térmico na área. “Estamos plantando aqui algumas espécies arbóreas com esse objetivo de trazer benefícios ambientais para a população. Trazer mais umidade, diminuir a temperatura e, também, deixar com um aspecto mais agradável, esteticamente falando”, aponta.
Melo explica que, de forma mais imediata, a Semma investe em áreas descampadas, como o canteiro da Centenário. “São áreas verdes como essa, de solo permeável, que a gente só precisa abrir uma cova e plantar. Então, já temos essas áreas mapeadas, como praças, o elevado Daniel Berg, o Entroncamento, onde já plantamos algumas espécies” relata.
ÍNDICE
Segundo Junior, o próximo passo será levar o plantio também para a periferia. “Mas, nestes locais, a gente tem um impedimento físico, porque são áreas concretadas e pavimentadas. Então, lá, a gente vai precisar de uma estratégica um pouco mais desafiadora, que é quebrar concreto, abrir covas, para, então, permitir que a coisa se desenvolva”, reflete.
“Belém é considerada uma das capitais que tem baixo índice de arborização e queremos mudar essa realidade. Sabemos, e nem precisa de uma visão técnica, para ver que os bairros considerados mais nobres são mais arborizados, mas a periferia sempre sofreu com esse problema. É onde temos mais necessidade de levar conforto térmico para a população”, pontua.
Melo garante que o projeto Cidade Verde será uma ação continuada, que vai não apenas plantar novas mudas, mas manejar as que já foram plantadas para garantir benefícios a longo prazo. “Nosso objetivo é plantar duas mil mudas por mês para que, no final do ano, a gente tenha uma quantidade significativa de áreas arborizadas”, adianta.
Árvores de Belém demandam ações emergenciais
Apenas em 2025, Belém já registrou a queda de pelo menos 16 árvores, por conta do envelhecimento, falta de monitoramento e efeitos das mudanças climáticas. Em 2024, foram 46 quedas. Muitas são espécies centenárias, que precisam de cuidados para permanecer de pé no ambiente urbano.
Segundo avaliação realizada pela Semma, há, em Belém, 47 árvores que precisam de intervenção urgente. Destas, 27 correm risco iminente de cair. “Já mapeamos alguns bairros, onde há maior concentração dessas espécies mais antigas, e agora estamos manejando essas árvores, seja com poda de condução [para manter a planta em uma determinada linha], de rebaixamento ou mesmo supressão, quando a gente identifica que o vegetal apresenta risco de queda ou até mesmo já está morto e precisa ser retirado. Essa também será uma ação contínua”, esclarece.

ESPÉCIES
O engenheiro agrônomo aponta que o plantio busca fazer a diversificação das espécies plantadas. No canteiro da Centenário, por exemplo, foram plantados ipê-rosa, mamorana e ipezinho-de-jardim. Essas escolhas levam em consideração o Manual de Orientação Técnica de Arborização Urbana de Belém, elaborado em 2013 pela Semma em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amazônia Oriental.
“Mas, além disso, existe uma comissão técnica, inclusive com a participação da Embrapa, da UFRA [Universidade Federal Rural da Amazônia] e outras entidades, que vai atualizar esse manual, que já está defasado. Já se passaram muitos anos, hoje a gente vive uma realidade diferente de 2013, por conta das mudanças climáticas e o entendimento de que as cidades precisam ser resilientes”, pondera Melo.
A engenheira florestal Noemi Vianna, da Embrapa, foi uma das especialistas que participou da elaboração do Manual, em um processo iniciado ainda em 2008, que envolveu vários grupos e oficinas de trabalho, audiências públicas e culminou com o Plano Municipal de Arborização Urbana de Belém, instituído por lei, do qual o Manual faz parte.
De acordo com Noemi, o material oferece uma lista de setenta espécies arbóreas e arbustivas de diferentes tamanhos e portes. “As escolhas da espécie devem ser feitas obedecendo critérios técnicos e adaptadas aos diversos espaços onde se deseja realizar o plantio. Cuidados com a seleção de mudas, o tamanho da cova, a adubação, o manejo e proteção das plantas devem ser prioridades. Há vários pontos a serem melhorados na arborização urbana de Belém, tanto na área continental, como na área insular. Os serviços de manutenção dos vegetais devem ser permanentes e não apenas em período de chuvas, quando as quedas são frequentes. É necessário que sejam seguidas as recomendações descritas no Manual, além da implementação de todos os pontos constantes na Lei e no Manual”, enfatiza.
RETOMADA
A engenheira florestal lamenta que, ao longo dos anos, tenha havido descontinuidade das atividades previstas na legislação. “Esperamos que sejam reativadas com essa nova gestão da Semma, que já reuniu com parte da equipe de técnicos que participou da elaboração da Lei e do Manual e já visitou uma granja para estabelecer parceria para a produção de mudas de espécies para arborização urbana. A Embrapa continua à disposição para continuar contribuindo”, assegura.
De acordo com Noemi, precisam ser implementados todos os programas propostos. “O Manual recomenda a produção de mudas de acordo com padrões técnicos; plantio; plano de manejo, com a realização de inventário da arborização de áreas públicas; e programa de Educação Ambiental para arborização urbana, com elaboração de cartilhas educativas e em linguagem adequada, para maior percepção da população sobre cuidados com as árvores urbanas. Há necessidade de implementação de todos esses instrumentos legais e técnicos”, destaca a engenheira.

Guia lista espécies ideais para cidades amazônicas
Em janeiro deste ano, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) lançou o “Guia de Seleção de Árvores Ornamentais: Paisagismo Urbano para a Amazônia”, de autoria dos pesquisadores Rafael Salomão e Nelson Rosa. O manual apresenta uma lista de espécies arbóreas para empregar na arborização urbana das cidades amazônicas, de acordo com vários atributos considerados, como biológicos, paisagísticos, culturais e legais.
O estudo avaliou 164 espécies, de acordo com a matriz de seleção considerada no guia. Destas, 105 foram consideradas de grande potencial ornamental para uso urbano e ocorrem naturalmente na Amazônia. Dentre elas, estão o pau pretinho (Cenostigma tocantinum), ingá costela (Inga capitata) e mari-mari pequeno (Senna multijuga). Outras, oriundas das demais regiões do Brasil, também são recomendadas, como oiti (Licania tomentosa) ou barbatimão verdadeiro (Stryphnodendron adstringens).
Para a seleção, foram considerados aspectos como altura da árvore, forma da copa, floração e folhagem, valor cultural e legal, uso do fruto, resistência a pragas, custos de manutenção e conservação e longevidade. “A arborização em vias públicas sob rede elétrica é, ainda, mais restritiva em relação aos atributos da espécie adequada, pois os custos de poda são elevados e esta, muitas das vezes, é mal conduzida, trazendo grandes prejuízos estéticos à paisagem e ao conforto da população”, lembra o engenheiro florestal Rafael Salomão.
PLANEJAMENTO
De acordo com o pesquisador, o que se observa na maioria das cidades é a falta de orientação adequada para o planejamento e manejo da arborização. “Muitos trabalhos foram executados sem critérios técnicos adequados ao longo do tempo, com plantio de espécies incompatíveis com o local, uso massivo de pouquíssimas espécies, baixa qualidade das mudas, falta de tutoramento, podas inadequadas, entre outros. Os resultados desse comportamento desconexo são caóticos, tanto em termos visuais como dos danos causados a arruamentos, esgotos, edificações, redes elétricas e telefônicas. Os atributos desejáveis das espécies vão variar de acordo com a finalidade do projeto”, aponta.
O engenheiro florestal exemplifica a situação com o caso de Belém. “As dez espécies mais abundantes na cidade respondem por 91% do total das árvores plantadas. Entre essas, apenas duas são originárias da Amazônia: o balão chinês (Calliandra surinamensis) e o açaizeiro (Euterpe oleracea). Isso é observado em centenas de cidades brasileiras, com quantitativos excessivos de árvores de poucas espécies e, majoritariamente, exóticas à vegetação local, apesar de nossa flora contar com centenas de espécies de grande beleza e qualidade paisagística”, avalia.
CONFORTO TÉRMICO
Salomão afirma que a principal função da arborização, na região amazônica, é propiciar conforto térmico à população. Secundariamente, são considerados os aspectos estéticos, culturais e paisagísticos.
“As cidades amazônicas estão sujeitas a uma insolação muito intensa durante praticamente todos os dias do ano. Como consequência, os dias são muito quentes, com temperaturas elevadas, além da alta umidade relativa. Tais fatores ocasionam um grande desconforto térmico, sobretudo nas grandes metrópoles. Por isso, o plantio de árvores nas vias públicas e praças é de fundamental importância para atenuar os efeitos da temperatura e umidade relativa muito elevadas durante todo o ano”, analisa.
O também motoboy Benjamim Lobato concorda. “É muita quentura do asfalto. As árvores trazem ventilação, ar puro, uma sombra. Dependendo da árvore, até um alimento. É muito importante não derrubar árvores da cidade e arborizar mais, para nós e para a natureza”, finaliza.
PARCERIA INSTITUCIONAL
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