A Amazônia é o bioma do Brasil que menos possui registro de espécies exóticas invasoras (EEIs), sejam animais ou plantas, compondo a floresta. A região tem 80% de áreas naturais remanescentes. A realidade contrasta com a Mata Atlântica, por exemplo, que apresenta apenas de 12% a 28% da área original. Entretanto, a devastação ambiental causada pelos atuais níveis de desmatamento que o ecossistema amazônico enfrenta tem sido alvo de preocupação de pesquisadores.
Os dados são parte do Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, estudo que aponta os efeitos que esses organismos causam nas dinâmicas florestal e humana. A pesquisa foi desenvolvida ao longo de três anos e identificou que o processo de invasão é caracterizado por quatro etapas: transporte (retirada das espécies do habitat natural); introdução (em um ambiente diferente); estabelecimento; e expansão. O estudo contabilizou mais de 500 EEIs nos ecossistemas brasileiros.
De acordo com o relatório, as espécies exóticas invasoras são organismos conhecidos como um dos mais importantes vetores relacionados à perda da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos dos biomas brasileiros, junto com mudanças no uso da terra e do mar, além de influenciarem mudanças climáticas, sobre-exploração de recursos e poluição. O comprometimento da pesca e da qualidade da água, essenciais para as comunidades que dependem desses recursos para a sobrevivência, também são consequências.
Os efeitos negativos causados pelas espécies exóticas invasoras alcançam, ainda, a economia do País. O relatório estima o comprometimento de US$ 2,88 trilhões (cerca de R$ 14,4 trilhões) com perdas e no manejo desses organismos em escala global entre 1970 e 2022 – nesse período houve uma explosão de casos de EEIs devido ao aumento da navegação e do uso de transporte aéreo. Com esses impactos, pandemias, endemias e risco às atividades socioculturais ficam mais suscetíveis de se tornarem uma realidade.
Gramíneas
Na Amazônia, uma das maiores preocupações é com a ocupação de gramíneas exóticas invasoras nas florestas. Esses tipos de plantas, segundo o relatório, podem estar relacionados ao surgimento de incêndios, uma vez que acumulam grande quantidade de biomassa. Mário Orsi, um dos coordenadores do projeto, explica que essas invasões terrestres são proporcionadas, cada vez mais, pelos índices de desmatamento. “Deixamos bem claro que as espécies exóticas invasoras são favorecidas por ambientes degradados”.
Peixes invasores oferecem perigo
Atualmente, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) estima que todo dia uma área equivalente a 250 campos de futebol seja desmatada na Amazônia. No entanto, as devastações não são os únicos fatores a atrair as EEIs. Mário Orsi ressalta que a bacia hidrográfica da região está sendo afetada pela invasão de peixes que não fazem parte do ecossistema. “As criações de peixes invasores, como a tilápia, podem ser problemas muito sérios que já estão acontecendo em algumas partes da Amazônia”.
“Mas não só eles. Há diversos grupos que podem estar chegando, inclusive, o mexilhão dourado. Nenhum bioma, por mais preservado que ele esteja, é imune às espécies exóticas invasoras. Porém, quando ele sofre degradações, se torna mais suscetível. As EEIs competem com as espécies nativas, tomam áreas, podem, entre os impactos, atingir o que a gente chama de qualidade de vida das pessoas da Amazônia, desequilibrar o solo, a qualidade de água e descaracterizar hábitats na região”, adiciona.
Javali
Orsi destaca que o javali, considerado uma das 100 piores espécies do mundo, pode estar chegando à Amazônia - já foi encontrado no Tocantins. O animal é conhecido por causar uma ampla quantidade de danos, não somente ao meio ambiente. “Ele degrada a floresta, também, mas causa impacto às nascentes, risco de trazer doenças para a fauna e impacto econômico enorme para as populações, por exemplo, pequenos produtores. Ele pode expulsar as pessoas [das comunidades], de tão agressivo que é”, afirma o pesquisador.
Tucunaré ameaça Região Sul do Brasil
A invasão de espécies está sendo uma realidade não apenas no bioma amazônico. Animais nativos da região estão sendo transportados de forma irresponsável para outras localidades do Brasil, como é o caso do tucunaré. O peixe já é amplamente visto em rios do sul e sudeste, por exemplo, e foi levado para a prática de pesca esportiva. Mas, o que parece ser divertido, pode trazer consequências irreversíveis ao ecossistema. “É notório o que o tucunaré está fazendo com as nossas espécies nativas do sudeste e do sul”, diz Mário Orsi.
“Ele causa extinções, ele preda as espécies nativas, elimina essas espécies das áreas onde ocupa e tudo isso foi um motivado pela pesca esportiva, principalmente. O tucunaré é um caso típico de soltura intencional. Foi da Amazônia para o sudeste e para o sul por causa da pesca esportiva”, detalha o coordenador do relatório. “No relatório mostra que ele [o tucunaré] tem que ser manejado, porque é tão sério o caso aqui na região, que ele já está comprovadamente causando as extinções de espécies nativas”, acrescenta.
As mudanças climáticas de aumento de temperatura existentes hoje em dia são condições que vêm favorecendo a adaptação do tucunaré em águas diferentes das encontradas na Amazônia. Orsi enfatiza que no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, onde o clima é tipicamente mais frio, já existem relatos da presença do peixe. “Mas ele ainda não se ajustou por uma questão climática. Porém, como o clima está mudando muito, é muito provável que ele chegue [a se adaptar]”, ressalta Mário.
Pirarucu
O pirarucu também é uma espécie nativa da Amazônia que já está sendo registrada em outros biomas. O tipo de transporte que Mário pontua como sendo os responsáveis por esse fenômeno são os não intencionais e os intencionais - pesca e aquicultura. “Essas espécies de pirarucu chegaram na bacia do Alto Paraná e estão se dando muito bem em reservatórios. A gente ainda precisa estudar mais para saber o grau de impacto dele. Ainda é um caso emblemático que está acontecendo aqui e que pode ter dimensões até maiores”, conclui.
Há invasores na zona urbana da Amazônia
As EEIs são introduzidas para os locais de diversas formas. Uma delas pode ter sido a causa da presença da lagartixa asiática nos meios urbanos da Amazônia: navios de cargas, no caso, de plantas e frutas. Annelise D’Angiolella, doutora em zoologia e professora da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) em Capitão Poço, no nordeste do Pará, explica que ainda não foram identificados possíveis riscos da espécie aos animais nativos do bioma, mas é um tipo de organismo que se alastra muito rápido.
“Em 2021 saiu um trabalho nosso registrando uma espécie de lagarto asiático em Capitão Poço. Ele já tinha sido registrado em 2015, em Belém. Também já temos registros em Castanhal e em Manaus (AM). É uma espécie que está mais associada com ambientes urbanos ou jardins. Depois que se estabeleceram em Belém, podem ter sido transportadas por carro ou ônibus para Capitão Poço. Uma outra espécie é a lagartixa de parede, que também é exótica e mora no País desde a época do descobrimento”, detalha a pesquisadora.
Cascavel
Ao contrário do lagarto asiático, que aparentemente não oferece riscos, um outro animal preocupa os pesquisadores no Pará: a cascavel. Annelise pontua que a espécie é típica de ambientes mais abertos, como o Cerrado e a Caatinga, mas o desmatamento na Amazônia tem proporcionado o aparecimento deste tipo de cobra. “Não ocorre aqui, mas temos registros em Paragominas. Com a destruição do habitat, esses animais estão aumentando sua área de ocorrência”.
“Quando desmata, muda a cobertura vegetal, as condições ficam diferentes. Agora que é desmatado, recebe mais insolação, com plantas mais baixas, com temperaturas mais altas; então, esses animais de ambientes abertos vão ser mais favorecidos. Mas o maior problema das espécies que temos é que esses animais não têm predadores naturais e não se desenvolveram dentro da nossa fauna. Quando não é nativa, não têm predadores e tem um crescimento desordenado dessas populações que pode levar a vários problemas”, completa.
Território brasileiro desafia ação governamental
Uma frente desenvolvida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem focado em espécies invasoras que ameaçam ou impactam a diversidade biológica dos biomas brasileiros. A Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras foi instituída pela Resolução 07/2018 da Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) e reúne diretrizes e decisões para gerir, prevenir, manejar e controlar a entrada e permanência desses organismos nos espaços. A visão integrada do programa leva em consideração diversos setores: sociais, culturais, sanitários e econômicos.
Ibama
Outra instituição que também tem desenvolvido ações para combater o avanço das espécies invasoras é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Rodrigo Agostinho, presidente do instituto, destacou que o tema já está dentro do planejamento estratégico. “O Ibama controla a entrada de animais e plantas no Brasil, pois é responsável pelas emissões das chamadas licenças Cites”, diz.
A licença trata do Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites). No entanto, Agostinho afirma que esse controle dentro do território nacional é uma dificuldade a mais encontrada pelo órgão. “Temos uma dificuldade maior de controlar a circulação das espécies dentro do território, pelo tamanho do desafio e pela estrutura que temos hoje”, diz. “Estamos atualizando o plano de ação do javali para evitar a entrada dele na Amazônia. Será um desafio e tanto, porém imprescindível”, completa.
Alternativas para controlar as EEIs
- No caso da Amazônia, o Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos afirma que controlar a presença das espécies exóticas no bioma é possível, uma vez que 80% da área atual remanescente ainda é composta por organismos nativos.
- Os pesquisadores listam quatro etapas para melhor reverter a situação nos biomas brasileiros:
ETAPA 1: Prevenção - a melhor estratégia
ETAPA 2: Erradicação - detecção precoce e resposta rápida para que consiga a erradicação
ETAPA 3: Controle - a EEI está presente em muitos locais, então, é importante fazer uma redução populacional
ETAPA 4: Controle - a EEI está disseminada e em expansão - custos imensos
Fonte: Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos