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JUSTIÇA CLIMÁTICA

Amazônia é pauta de conferência em Belém

SOLUÇÕES - Evento preparatório à COP 30, promovido pelo Ministério Público Estadual e por entidade ligada à ONU, pretende indicar políticas públicas para a redução da violência e o desenvolvimento sustentável na região

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

06/04/2025

À primeira vista, temas como segurança humana e combate à criminalidade na Amazônia parecem não ter a ver com políticas para o desenvolvimento sustentável da região e estratégias para redução das mudanças climáticas e seus efeitos. Porém, os assuntos estão intimamente relacionados: crimes, sejam eles diretamente ambientais ou não, prejudicam as populações amazônidas, suas perspectivas de crescimento e de qualidade de vida e o próprio meio ambiente.


Além da degradação ambiental que polui e tira os meios de subsistência de quem vive nas florestas e da disputa por posse de terra que ceifa vidas, o narcotráfico recruta ou força as populações mais vulneráveis a atividades ilegais, incluindo a exploração sexual. 

 

Por isso, amanhã (7), acontece em Belém, no Teatro Maria Sylvia Nunes, na Estação das Docas, a Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Segurança Humana e Justiça Climática, que vai debater questões como meio ambiente, criminalidade na região e políticas de inclusão social. O evento, considerado uma preparação à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), pretende debater perspectivas para a combinação de políticas integradas de governança e cooperação multilateral para redução dos custos humanos relacionados aos impactos ambientais extremos. 

 


Organizado pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e pelo Comitê Permanente da América Latina para a Prevenção do Crime (COPLAD), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), o encontro vai ainda abordar estratégias para a aceleração da Agenda 2030 das Nações Unidas Sobre o Desenvolvimento Sustentável, para dar maior suporte aos compromissos do Acordo Climático de Paris, com ênfase na Amazônia.


De acordo com o procurador geral de Justiça do MPPA, César Mattar Júnior, a conferência vai discutir segurança humana e mudanças climáticas, mas também justiça social. “Existe uma ideia da ONU, inclusive, de criar um tribunal específico para as discussões em termos de justiça social voltada para a região amazônica e também para os problemas climáticos que a humanidade enfrenta”, adianta.

PROGRAMAÇÃO

 

O procurador geral se refere a uma das quatro sessões plenárias que ocorrerão durante o evento: “A Justiça Climática Integrada aos Benefícios da Coesão Social na Amazônia – A Criação pela ONU do Tribunal Internacional da Justiça Climática”.


“Essa questão é uma prioridade dessa conferência preliminar e quero crer que também da COP 30, porque não se pode discutir desenvolvimento sustentável, mudança climática, sem que nós olhemos com olhos diferenciados para quem vive dentro da nossa região. Então, quando se fala em justiça social, quando se fala em mudança climática, quando se fala em desenvolvimento sustentável, esse contexto deve ser pensado, mas voltado para aqueles que habitam a região amazônica. É preciso que nós pensemos em como se pode desenvolver e promover a justiça social para que haja uma evolução verdadeira dos seres humanos que aqui habitam, em todos os níveis”, pontua Mattar.

 

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De acordo com o procurador geral de Justiça do MPPA, César Mattar Júnior, a conferência vai discutir segurança humana e mudanças climáticas, mas também justiça social (Foto: Carmem Helena/O Liberal)


Outras sessões plenárias abordarão os temas “Como idealizar um Modelo de Cidade Inteligente na Amazônia portadora do selo de referência, contando com recursos do Fundo Amazônia e o Suporte de Investidores Multinacionais”, “A Operacionalização de Medidas Estratégicas para o Combate à Disseminação de Esquemas da Criminalidade na Amazônia” e “Valores do Esporte para a Inclusão Social e o Desenvolvimento de Comunidades Carentes na Amazônia”. “É preciso pensar em todo o contexto que fortalece a vida das pessoas dentro da região amazônica”, ressalta o procurador geral.

 

Durante a conferência, será elaborada a Declaração de Belém - Pacto para o Futuro da Amazônia. “Será a conclusão do evento. O que se pretende é levar propostas de políticas públicas aos poderes constituídos. Será dirigida a todos os atores encarregados de promover a justiça social na nossa região”, explica.

Comitê quer construir ações para reduzir a criminalidade

 

Outro organizador do evento além do MPPA, o Comitê Permanente da América Latina para a Prevenção do Crime (COPLAD) foi criado em 2007, como um Programa do Instituto da ONU para a Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente (ILANUD), com sede em San José, Costa Rica. De acordo com Edmundo Oliveira, coordenador geral da entidade, o COPLAD tem como foco auxiliar na implementação de políticas integradas em benefícios à estabilidade dos povos e do planeta. Nesse contexto, também pretende contribuir para controlar os extremos climáticos que afetam sobretudo as populações mais vulneráveis e aumentam as desigualdades sociais. 

 

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Segundo Edmundo Oliveira, coordenador geral da COPLAD, a entidade busca trabalhar cinco esforços para melhorar os índices sociais da Amazônia (Foto: Arquivo pessoal)


“Em relação à realização da COP 30, o COPLAD quer abrir esforços para cinco empreendimentos sociais, econômicos e ambientais ligados à governança global: levantamento e redução da criminalidade nacional e transnacional na região Amazônica; estímulo à implementação de cidades inteligentes na Amazônia; progresso da educação e do esporte em comunidades carentes da Amazônia; alívio da desigualdade e da pobreza na Amazônia; e criação, pela ONU, do Tribunal Climático Internacional, com sede na região”. destaca Oliveira.

CRIMINALIDADE

 

De acordo com Edson Ramos, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública da Universidade Federal do Pará (UFPA), a violência na Amazônia está intrinsecamente ligada à exploração de recursos naturais e à disputa por terras, afetando pessoas e o meio ambiente.


“As práticas empregadas na região frequentemente transgridem leis ambientais e fundiárias, invadindo unidades de conservação, assentamentos e territórios indígenas. Essa exploração ilegal alimenta um ciclo vicioso de atividades criminosas, como o garimpo clandestino e o desmatamento, que, por sua vez, intensificam a violência. A grilagem de terras, a expansão da agropecuária em áreas protegidas e a extração ilegal de minérios são exemplos de como a exploração ilegal de recursos naturais impulsiona os conflitos fundiários”, aponta o pesquisador.

 

No segundo dia após a instalação da base fixa da Operação Curupira no município de Novo Progresso, a ação contra crimes ambientais -Paulo CesarAgencia Para.jpg
“A criminalidade na Amazônia cria um ciclo de violência e destruição que ameaça a segurança humana, o meio ambiente e as populações tradicionais", diz o pesquisador Edson Ramos (Foto: Paulo César/Agência Pará)


Ramos pontua que o narcotráfico também exerce um papel significativo nesse contexto. “Grupos armados disputam rotas de escoamento de drogas e armas, em um cenário que frequentemente se sobrepõe à exploração ilegal de recursos naturais, criando um cenário de violência multifacetado”, destaca. “O domínio de setores estratégicos da infraestrutura da região por organizações criminosas dificulta o desenvolvimento de novas bioeconomias e estratégias de finanças climáticas e desenvolvimento sustentável”, complementa.


Criminalidade na Amazônia cria ciclo de destruição

 

As atividades ilícitas na Amazônia causam danos irreparáveis à floresta, à biodiversidade e também às vidas dos habitantes da região. A contaminação de rios e solos afeta a saúde das populações locais, especialmente as comunidades ribeirinhas, e a perda de territórios ameaça a sobrevivência e modo de vida dos povos tradicionais. Além disso, os conflitos armados envolvendo facções criminosas aumentam as taxas de homicídios e outros crimes violentos. 


“A criminalidade na Amazônia cria um ciclo de violência e destruição que ameaça a segurança humana, o meio ambiente e as populações tradicionais. A exploração ilegal de recursos naturais, a grilagem de terras e o narcotráfico se retroalimentam, gerando um cenário de caos e insegurança, com diversificação das atividades ilícitas, incluindo também o tráfico de pessoas e a exploração sexual infantil”, alerta Edson Ramos.

 

Edson Ramos, coordenador do programa de pós graduação em segurança pública da UFPA, arquivo pessoal.jpg
A grilagem de terras, a expansão da agropecuária em áreas protegidas e a extração ilegal de minérios são exemplos de como a exploração ilegal de recursos naturais impulsiona os conflitos fundiários”, explica Edson Ramos (Foto: Arquivo pessoal)

DESAFIOS

 

A sobreposição de todos esses crimes e as próprias características da região a tornam um ambiente complexo e desafiador para as forças de segurança. “A escassez de recursos e infraestrutura adequados representa um obstáculo significativo para o trabalho das forças de segurança na região. O policiamento de áreas remotas exige investimentos substanciais em tecnologia e logística. A complexidade dos crimes na Amazônia demanda uma ação coordenada entre as forças de segurança federais e estaduais, bem como outros órgãos de controle. A Operação Curupira, no estado do Pará, é um exemplo de ação integrada entre as Secretarias de Meio Ambiente e Segurança Pública para combater o desmatamento”, cita Ramos. 


Para o pesquisador, é preciso também utilizar ferramentas de inteligência e tecnologia para combater crimes na região, bem como implementar estratégias de rastreabilidade de produtos ilícitos, como mercúrio e combustível, e fortalecer os mecanismos de combate à lavagem de dinheiro.

 

Quase 16 toneladas de entorpecentes foram apreendidas, no Pará, em 2024. Policiamento com cães nas rodovias paraenses trouxe resultados expressivos nas apreensões de drogIgor Mota.jpg
Ramos pontua que o narcotráfico também exerce um papel significativo nesse contexto. “Grupos armados disputam rotas de escoamento de drogas e armas, em um cenário que frequentemente se sobrepõe à exploração ilegal de recursos naturais, criando um cenário de violência multifacetado”, destaca (Foto: Igor Mota/O Liberal)


“Outros pontos importantes são priorizar a regularização fundiária e a proteção ambiental, combatendo a grilagem de terras e o desmatamento, e aprimorar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) como ferramenta para reduzir a invasão de terras protegidas, resguardando sobretudo territórios indígenas, quilombolas e de outras comunidades tradicionais, que são frequentemente alvo da violência e exploração criminosa. Deve-se, ainda, criar políticas públicas que promovam a bioeconomia e o desenvolvimento sustentável da região, combatendo a economia do crime, com um olhar mais cuidadoso para os municípios, considerando as diferentes realidades e dinâmicas da violência em cada localidade”, conclui o professor.

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção do Liberal Amazon é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. A tradução do conteúdo é realizada pelo acordo, através do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multisemioses.