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SUPER POLINIZADORAS

Abelhas nativas são trunfo ambiental

CIÊNCIA - Estudo que analisa principais interações entre polinizadores e plantas na Floresta Nacional de Carajás aponta espécies-chave

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

04/01/2025

A importância das abelhas para o mundo e para a humanidade é conhecida há muito tempo: elas são as maiores polinizadoras conhecidas, e por isso são fundamentais para o equilíbrio do planeta. Embora outros animais como aves, roedores e macacos também realizem a polinização, as abelhas são as maiores responsáveis por disseminar o pólen das flores, ajudando na reprodução das espécies vegetais, inclusive de muitas culturas alimentares. 


De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), as abelhas polinizam cerca de 73% das plantas cultivadas e 48% dos cultivos para a produção de alimentos, aí incluídos vários tipos de frutas e também grãos de grande importância econômica, como soja, feijão e café.


Além disso, as abelhas também são fundamentais para a regeneração das florestas. Foi exatamente para entender a interação entre estes insetos e os vegetais florestais que uma equipe liderada pelo pesquisador Rafael Cabral Borges, do Instituto Tecnológico Vale - Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS), realizou uma pesquisa, investigando as principais espécies que se interrelacionam e contribuem para a restauração florestal na Amazônia.

 


Publicado na revista “Restoration Ecology” em novembro, com a participação do Museu Paraense Emílio Goeldi e as universidades federais do Pará (UFPA) e de Minas Gerais (UFMG), o estudo avaliou as interações entre polinizadores e espécies da flora em diferentes estágios de recuperação ambiental. A pesquisa foi realizada na Floresta Nacional (Flona) de Carajás, no município de Parauapebas, sudeste do Pará, onde a mineradora Vale realiza ações de recuperação de áreas degradadas.

INTERAÇÕES

A pesquisa do ITV-DS estudou as principais interações ecológicas que ocorrem entre abelhas e plantas em áreas de restauração de minas de areia e de depósitos de resíduos de ferro na Flona Carajás.

 

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Rafael Cabral Borges, do Instituto Tecnológico Vale - Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS), realizou uma pesquisa, investigando as principais espécies que se interrelacionam e contribuem para a restauração florestal na Amazônia (Foto: Thiago Gomes/O Liberal)


Durante o estudo, os pesquisadores coletaram polinizadores e vegetais no sub-bosque em três momentos diferentes, entre abril de 2018 e outubro de 2019. Também foram coletadas amostras em áreas de floresta primária, para comparação.
“Nós olhamos para como as plantas estão interagindo com os polinizadores. Você ter essa sucessão ecológica, a chegada das plantas e a chegada dos polinizadores para garantir o sucesso reprodutivo dessas plantas é muito importante, porque você vê uma área que era degradada voltando a se tornar uma área funcional”, aponta Rafael Borges, o pesquisador-líder do estudo.


No total, foram identificadas 188 espécies de plantas, 137 espécies de abelhas e 51 espécies de vespas, também responsáveis pela polinização. A grande descoberta foi que, dentre essa diversidade de insetos e vegetais, apenas cinco tipos de abelhas e doze de plantas respondem por mais da metade das interações registradas, evidenciando quais espécies têm maior potencial para atuar na regeneração florestal e quais são mais generalistas, ou seja, que interagem com mais parceiros. 

 

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O fedegoso-gigante está entre os vegetais mais importantes em interação com as abelhas na Floresta Nacional de Carajás (Foto: Rafael Borges)


“Indicamos espécies tanto da flora quanto da fauna que podem dar suporte para a restauração. Entendendo a funcionalidade desse ambiente, vimos espécies que são chave para dar esse suporte”, destaca o biólogo. Entre os vegetais mais importantes nessa interação estão o urucum (Bixa orellana), o murici-da-praia (Byrsonima stipulacea) e o fedegoso-gigante (Senna alata). Já as principais abelhas polinizadoras das regiões estudadas são a uruçu boca-de-renda (Melipona seminigra), a abelha-borá (Tetragona clavipes) e a jataí (Tetragonisca angustula).

INOVAÇÃO

De acordo com Rafael Borges, os resultados da pesquisa permitem uma nova abordagem para a restauração de ecossistemas. Com o conhecimento garantido pelo estudo, os projetos de regeneração florestal podem incluir os principais polinizadores no processo, ao invés de fazer o simples plantio de árvores.


“Já existe, na restauração, essa perspectiva de você indicar as melhores plantas, para corrigir o solo, ter a chegada de novos organismos. No nosso caso, a principal inovação foi que, além de a gente olhar para um padrão de seleção de plantas, a gente focou mais ainda na seleção de polinizadores. A ideia é, nesse processo de restauração, também inserir animais que vão garantir o sucesso reprodutivo das plantas”, detalha o doutor em Zoologia.

 

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O urucum, uma das principais espécies identificadas no estudo, mostrou grande potencial, porque suas flores interagem com grande diversidade de polinizadores (Imagem: Divulgação)

Flores de urucum atraem diversidade de polinizadores

Para identificar as espécies de plantas que interagem com os polinizadores, Rafael Borges contou com o apoio da doutora em Botânica Carolina Andrino, da Universidade de Brasília (UnB). “Também fiz a análise das características botânicas relevantes para o potencial de manejo dessas plantas. Essas características, especialmente as morfológicas, desempenharam um papel crucial na definição de quais espécies apresentavam maior potencial para serem utilizadas em projetos de restauração”, explica a pesquisadora.  


De acordo com Carolina, o urucum, uma das principais espécies identificadas, demonstrou um grande potencial, porque suas flores atraem uma diversidade de polinizadores. “Além do urucum, murici-da-praia e fedegoso gigante, as espécies do gênero Borreria chamaram a atenção, pois demonstraram ser altamente interativas tanto em áreas de recuperação de areia quanto em florestas preservadas. Essas plantas têm a vantagem de atrair polinizadores generalistas, que desempenham um papel fundamental nos primeiros estágios de recuperação do ecossistema, facilitando o restabelecimento de redes de interação mais complexas”, analisa a especialista.

 

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A doutora em Botânica Carolina Andrino, da Universidade de Brasília (UnB), fez a análise das características botânicas relevantes para o potencial de manejo das plantas estudadas (Foto: Arquivo pessoal)

APLICABILIDADE

Segundo Rafael Borges, o estudo buscou compreender as relações existentes e não chegou a testar sua aplicabilidade em ações concretas, mas o conhecimento produzido apresenta indicações de possíveis ações. “Aí, serão aplicações baseadas em ciência, e não aleatórias. A gente tem um conhecimento adquirido que pode ser aplicado nas ações de manejo”, enfatiza o zoólogo.


“Quando a gente pensa em restauração, é muito difícil as plantas se reproduzirem por semente em uma área não natural, que já sofreu um processo de degradação. A gente acaba tendo que fazer isso por mudas, o que encarece o processo. Então, a gente pegou abelhas e colocou em caixas racionais, que são caixas de madeira que imitam um ninho e que a gente consegue transportar para a área de restauração. Lá, elas vão dar essa contribuição para as interações acontecerem, o que vai garantir o sucesso reprodutivo a longo prazo”, avalia Borges.

 

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Abelha jataí é uma das principais polinizadoras da região estudada (Foto: Divulgação) 


O especialista esclarece que o padrão de seleção de espécies indicadas pelo estudo pode ser utilizado, por exemplo, para a construção de sistemas agroflorestais. “O açaí, por exemplo, se beneficia muito de ter contato com áreas naturais. Então, se você quer iniciar um processo de restauração para incluir dentro do açaizal áreas naturais para aumentar o serviço de polinização, você pode iniciar com as espécies que nós indicamos”, pontua o especialista.

Espécies sem ferrão impulsionam bioeconomia

O biólogo Rafael Borges sugere que os produtores podem se beneficiar não apenas da polinização realizada pelas abelhas, mas dos próprios produtos da apicultura e da meliponicultura, ou seja, oriundos das abelhas com e sem ferrão, respectivamente.


Podem ser feitas criações racionais dos próprios polinizadores, que também podem gerar renda para os produtores. No nosso caso, focamos mais na meliponicultura, com as abelhas sem ferrão, nativas daqui, como a uruçu boca-de-renda e a jataí. Então, a ideia é que o produtor tenha criação dessas abelhas sem ferrão, que vão fornecer a polinização para o cultivo, mas que ele também vai poder comercializar o ninho, o mel, o própolis”, sugere.

 

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Rosemir Ferreira é apicultora e meliponicultora na região da Flona Carajás (Foto: Arquivo pessoal)

NA PRÁTICA

O uso de polinizadores para a melhoria dos cultivos vegetais já é uma realidade bem-sucedida na Amazônia. No entorno da Flona Carajás, agricultores e apicultores ou meliponicultores fazem parcerias, para que uma atividade impulsione a outra. 


Uma das apicultoras e meliponicultoras da região é Joserlandia Arruda, da Associação Filhas do Mel, apoiada pela Vale. Além da criação de abelhas com e sem ferrão, que lhe rende a produção de mel, cera e produtos derivados, como velas, sabonetes e pão de mel, ela cede colmeias de abelhas sem ferrão para hortas vizinhas.


“Teve um rapaz que botou uma horta, mas não estava dando frutos. Ele pediu para a gente colocar abelha sem ferrão lá e ele disse que deu certo. Então, o que fazemos é levar a colmeia até o plantio da pessoa, quando ela está precisando de polinização”, relata a produtora.


Rosemir Ferreira também é apicultora e meliponicultora na região, dona do empreendimento KéMel, que comercializa mel, pólen, cera, geleia real, própolis e pólen. Ela atua em parceria com um produtor de açaí, contribuindo para a polinização de suas plantações. “Em contrapartida, obtemos um espaço adequado para alocar as abelhas sem ferrão, proporcionando benefícios mútuos e reforçando práticas sustentáveis”, pontua a produtora.

 

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A criação de abelhas propicia a polinização e a produção de itens como mel e própolis (Foto: Rosemir Ferreira/Arquivo pessoal) 

PRODUÇÃO

De acordo com Rosemir, a produção de mel das melíponas (abelhas sem ferrão) ocorre em menor escala, mas ela faz questão de manter espécies como jataí, uruçu boca-de-renda e uruçu-cinzenta em cerca de 50 colmeias. 


“Um dos objetivos da KéMel é conscientizar os agricultores sobre a importância das abelhas como polinizadoras para aumentar a produtividade. Orientamos que, ao incorporar as abelhas em suas propriedades, eles podem alcançar um maior volume de produção, além de reduzir significativamente o índice de abortos florais, contribuindo para uma colheita mais eficiente e sustentável”, ressalta. Agora, com o conhecimento obtido com a pesquisa do Instituto Tecnológico Vale, não só o cultivo de alimentos como também as ações de restauração florestal podem ser cada vez mais impulsionadas pela ação das abelhas.

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
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