Começa neste domingo (10) a contagem regressiva de um ano para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), que ocorrerá em Belém entre 10 e 21 de novembro do ano que vem 2025. Faltando 365 dias para o evento que vai reunir milhares de políticos, ativistas e especialistas para discutir como frear o aquecimento global, a capital paraense segue uma intensa agenda para ficar pronta para receber um evento dessa magnitude - enquanto correm articulações para que a primeira COP a ser sediada no Brasil e na Amazônia possa, de fato, considerar e dar peso às vozes e demandas locais nos debates.
Quanto à infraestrutura, Belém tem recebido inúmeras obras e um alto volume de recursos. De acordo com o governo do Estado, no âmbito das obras estaduais estão sendo investidos R$ 4 bilhões: R$ 1,3 bilhão em recursos do Tesouro estadual, R$ 700 milhões de investimentos da Itaipu Binacional e R$ 2 bilhões de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Já as obras municipais, considerando todas as suas etapas, totalizam cerca de R$ 1 bilhão, com financiamentos da Itaipu Binacional, do governo federal, do Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além de recursos da própria prefeitura de Belém.
OBRAS ESTADUAIS
O governo do Estado carimba cerca de 30 obras de preparação à COP 30 em áreas como saneamento, mobilidade e desenvolvimento urbano. O Executivo estadual apresenta como destaques o Parque da Cidade, local que vai receber o evento; o Porto Futuro II, que abrigará um novo espaço turístico, cultural e voltado à bioeconomia; as avenidas Doca de Souza Franco e Tamandaré, que ganharão parques lineares e novos tratamentos de drenagem de seus canais; e a ampliação da rua da Marinha.
O governo do Pará divulgou ainda várias outras frentes de trabalho relacionadas à COP 30, visando mudar o cenário da capital e a tornar apta para receber um evento de grande porte, com melhorias na mobilidade urbana e redução de alagamentos.
Na lista estão a macrodrenagem de canais de Belém - como os das bacias do Tucunduba e do Murutucu - e o asfaltamento de várias ruas, além da construção de três viadutos em Ananindeua, com impactos positivos o trânsito na região metropolitana, e da dragagem do porto de Belém e a construção do novo Terminal Internacional de Cruzeiros, que permitirá que transatlânticos ancorem na cidade e sejam utilizados como hotéis flutuantes no período do evento.
Segundo o governo do Pará, todas as obras pretendem não apenas oferecer melhores condições para a realização da conferência, mas também deixar marcos importantes em infraestrutura, desenvolvimento e oportunidades para a população local.
OBRAS MUNICIPAIS
A prefeitura de Belém lista oito intervenções que também devem se tornar legados para a cidade: a revitalização do Complexo do Ver-o-Peso; a requalificação do Mercado de São Brás; a construção do Parque Urbano São Igarapé São Joaquim; a modernização da avenida Júlio César; o Programa de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Igarapé Mata Fome; a duplicação da avenida Bernardo Sayão; a implantação Distrito de Inovação e Bioeconomia; e da implantação de Unidades de Valorização de Reciclagem (UVRs).
De acordo com o secretário de Planejamento e Gestão de Belém e presidente do Comitê Municipal COP 30, João Cláudio Arroyo, em consonância com as discussões climáticas, as obras levam em conta critérios de sustentabilidade. “Nós temos uma distorção tecnológica na nossa cidade, que é usar cimento e vergalhão. Então, buscamos adequar as nossas obras ao fluxo urbano, o que envolve considerar o bioma. As obras do São Joaquim e do Mata Fome vão recuperar as palafitas, com adequação ao ambiente e também resgatando a identidade amazônica”, explica o gestor.
PRAZOS
Dentre as obras estaduais e municipais, a previsão é que algumas fiquem completamente prontas até a realização do evento. Já outras contarão apenas com partes das estruturas finalizadas.
É o caso do Parque da Cidade, que será o palco das discussões da conferência, mas que deve estar 60% pronto até novembro de 2025, com uma fase posterior prevista para ser entregue em 2027. Da mesma forma, a primeira parte do Porto Futuro II estará pronta em outubro de 2025 - a conclusão da segunda etapa está prevista apenas para o meio de 2026.
As obras municipais também preveem etapas pré-COP e pós-COP, como a modernização da avenida Júlio César e a construção do Parque Urbano Igarapé São Joaquim. Já o Mercado de São Brás deve ser entregue até fevereiro de 2025, enquanto as várias etapas das obras do Ver-o-Peso serão entregues gradualmente, do fim deste ano até outubro de 2025. O Distrito de Inovação e Bioeconomia, por sua vez, deve estar pronto até agosto do ano que vem.
Pesquisadora defende novas soluções urbanas
Roberta Rodrigues, diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), é uma das pesquisadoras de um time que inclui várias áreas do conhecimento e se reuniu para pesquisar as transformações urbanas concretizadas por conta da conferência climática. Ela explica que esse tipo de pesquisa costuma ocorrer em cidades-sede de grandes eventos, como a Copa do Mundo ou as Olimpíadas.
Segundo a professora, é preciso diferenciar o que são as obras efetivamente relacionadas com a realização da COP das demais intervenções. “Existem obras que não são especificamente necessárias para o evento. Então, até que ponto a decisão de grandes obras viárias, como, por exemplo, o prolongamento da rua da Marinha ou mesmo a avenida Liberdade [que vai ligar a avenida Perimetral à Alça Viária] estão relacionadas com a COP?”, pondera a profissional.
De acordo com a pesquisadora, é preciso refletir como esse conjunto de obras significará em melhorias para a cidade e como isso se relaciona, efetivamente, ao patamar que Belém quer atingir para ser uma metrópole mais verde. “Se a gente está tentando se inserir, de uma forma, como protagonista sobre o debate da sustentabilidade das cidades e a sua relação com o nosso modo de vida, será que grandes investimentos rodoviaristas voltados para o carro particular fazem sentido? Porque essas obras que eu citei não são para ônibus. É contraditório. Com essas obras, a gente está muito mais aprofundando o modelo que a gente está criticando, que toda a discussão voltada para a crise climática está dizendo que não dá mais”, analisa a especialista.
SUSTENTABILIDADE
Para a professora, a oportunidade oferecida pela realização da COP, com o volume de recursos recebidos, é um momento para se pensar em novas soluções urbanas, rumo a outros padrões de sustentabilidade. “Com todo esse dinheiro, poderia ser uma virada de chave sobre como estamos produzindo a cidade. Mas as opções que estão sendo feitas não são nessa direção. As intervenções atendem parcialmente os problemas da capital e acaba sendo feito o chamado urbanismo de exceção, que é tocado com urgência, pelas exigências de prazo, o que acaba encarecendo as obras”.
Mas a pesquisadora também ressalta pontos positivos da conferência sediada em Belém. “As obras que já estavam sendo gestadas há mais tempo, antes do anúncio da COP, como o Parque da Cidade e o Porto Futuro II, têm mais relação com as demandas da cidade, com discussões mais maduras e que agora se tornaram mais viáveis financeiramente. O Parque, por exemplo, é um grande acerto. Imagina como seria realizar a COP sem esse espaço disponível?”
Para além das obras
Além da preparação em termos de infraestrutura, como a cidade e os atores envolvidos nas discussões climáticas se organizam para os debates que vão acontecer durante o evento? O secretário João Cláudio Arroyo afirma que a prefeitura espera contribuir com discussões sobre um novo modelo de desenvolvimento para a região, que permita não apenas ter atividades compatíveis com o bioma como também a oportunidade de internalizar as riquezas. “Faço parte do Fórum Protagonismo Amazônico. Lá, discutimos que precisamos construir esse novo modelo de desenvolvimento de baixo para cima. Porque nunca nenhum amazônida participou das decisões para a Amazônia”.
Para o governo do Estado, a conferência é a oportunidade de o Brasil e o Pará serem protagonistas nas discussões mundiais sobre o meio ambiente e a sustentabilidade. “Trazer o debate climático para o Estado possibilitará que representantes de 190 países tenham uma experiência imersiva sobre a Amazônia e, a partir daí, possam também construir acordos para preservar este bioma”, ressalta o Executivo estadual, por meio de nota.
Negociações começam bem antes, explica ativista
A ambientalista Gabriela Savian, diretora adjunta de Políticas Públicas Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), acredita que tanto a COP 29, que começa nesta segunda-feira (11) em Baku, no Azerbeijão, quanto a COP 30, em Belém, são promissoras. “A gente vai ter, na COP 29, as discussões sobre financiamentos climáticos e atualização das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas para redução de emissão de gases do efeito estufa) dos países. Para o ano que vem, serão debatidas as estratégias de implementação dessas NDCs. Nós temos acompanhado essas discussões ao longo do tempo, participando de quase todas as COPs desde 1992, e acreditamos que há avanços significativos nos acordos”, avalia a ativista.
Sobre a falta de participação social nas instâncias decisórias durante as COPs - os acordos são decididos apenas pelos líderes dos países participantes -, Gabriela Savian explica que as negociações ocorrem antes e ajudam a definir as estratégias que serão apresentadas na conferência. “Existe um caminho para chegar lá na COP 30 e essas decisões serem tomadas. Elas não acontecem somente lá naquele momento: acontecem ao longo do ano e já estão acontecendo agora”, esclarece.
COP das Baixadas reúne organizações que querem ser ouvidas
Quem também pretende ter suas demandas ouvidas durante a COP da Amazônia é a população da periferia de Belém. Organizadas em torno de uma iniciativa denominada COP das Baixadas, composta por 15 organizações da sociedade civil, as comunidades periféricas alegam que são as mais impactadas pelas mudanças climáticas, mas frequentemente excluídas das discussões globais.
Waleska Queiroz, representante do movimento, afirma que as Conferências do Clima não são pensadas para a população. “Por isso temos uma grande preocupação sobre como iremos incidir durante a COP 30. Pretendemos fazer ouvir as demandas das periferias por meio de parcerias com organizações nacionais e internacionais que possuem assentos nos espaços decisórios, além de campanhas públicas que ampliem a visibilidade das questões locais”, destaca a ativista.
YELLOW ZONES
As COPs costumam ser divididas em duas áreas: a Blue Zone (zona azul), onde ocorrem as negociações oficiais; e a Green Zone (zona verde), onde há eventos paralelos não oficiais, em que ONGs, empresas e instituições acadêmicas podem se manifestar, mas não decidir.
A COP das Baixadas propõe que, na COP 30, sejam criadas as Yellow Zones (zonas amarelas). “São zonas que destacam os territórios periféricos como pontos de cultura, ciência, soluções e resistência. Elas reforçam que esses territórios são essenciais para a adaptação e resiliência climática e áreas prioritárias de investimentos. Isso pretende não apenas visibilizar as soluções que já emergem das periferias, mas também consolidar esses territórios como centros de inovação e resistência diante da crise climática”, propõe Waleska Queiroz, lançando um novo olhar possível sobre as discussões a respeito do futuro do planeta.
PARCERIA INSTITUCIONAL
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