Pequenos e médios negócios têm um peso decisivo para que as atividades econômicas na região se tornem mais “limpas”, sem perder de vista a necessidade de continuidade de crescimento. As micro e pequenas empresas do Pará, por exemplo, representam 73% dos empregos gerados entre janeiro e setembro de 2023, aponta o Ministério do Trabalho. Só no Estado são mais de 500 mil empreendimentos que oferecem desde serviços de alimentação e locomoção e até soluções para a vida das pessoas no cotidiano.
Às vésperas realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30) em Belém, os desafios da sustentabilidade crescem para quem resolveu empreender na região. Na prática, especialistas avaliam que ainda há muito desconhecimento sobre a importância dos pequenos negócios nesta engrenagem.
Até para abrir uma empresa, ainda é preciso percorrer muitos quilômetros, gastar muita papelada e os governos ainda investem muito para oferecer serviços presenciais que poderiam ser automatizados. A adoção de práticas mais sustentáveis, que já vêm sendo adotadas por grandes empreendimentos, com grandes impactos, ainda precisa ser fortalecida entre os pequenos e médios empreendedores.
“De acordo com o Observatório do Clima, as principais fontes de emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) no Pará não são os pequenos negócios, apesar de serem a grande massa de empresas no Estado, com mais de 90% dos empreendimentos”, destaca Rubens Magno, diretor-superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Pará (Sebrae-PA).
“Por terem essa participação expressiva no Estado, eles são peças-chave, protagonistas quando se trata de mudanças climáticas e sustentabilidade”, completa. “Há um cenário positivo, de boas práticas adotadas por esses empreendedores. E quando falamos de boas práticas, não nos referimos a algo grandioso, necessariamente. Podem ser medidas bem acessíveis, como digitalizar processos de gestão e reduzir o uso e descarte de resíduos, como papel”.
Na Amazônia, há exemplos de iniciativas e até governos que buscam na digitalização uma forma de contribuir para que menos papel seja desperdiçado e menos CO² seja emitido no planeta. O assunto é bastante difundido entre os empreendedores dos chamados “negócios de impacto” – aqueles que buscam solucionar um problema com menos impactos ao ambiente e à sociedade.

Gerente da Unidade de Negócios de Impacto do Sebrae-PA, Renato Coelho avalia que entre os negócios eminentemente presenciais, como uma oficina mecânica ou um salão de beleza, há a dificuldade do desconhecimento sobre quais seriam as práticas nocivas ao ambiente ou fora dos critérios sociais para maior alinhamento à sustentabilidade. “Temos trabalhado para mudar esse cenário, levando conhecimento sobre os objetivos do desenvolvimento sustentável, da agenda global e como pequenos negócios têm que se preocupar com questões sociais e ambientais, e não apenas com a lucratividade”.
Fertilidade
Renato Coelho afirma que o ecossistema de negócios de impacto socioambiental na Amazônia é muito fértil. "Nas nossas ilhas, por exemplo, comunidades tradicionais já desenvolvem esses negócios de impacto com visão de guardiões da floresta, vivendo em harmoniosamente com o ambiente. Por exemplo, um restaurante na ilha do Combu, que busca práticas mais sustentáveis, ou um pequeno produtor rural que tem práticas de sistema agroflorestal. Todos esses negócios fazem parte desse ecossistema de sustentabilidade ambiental e ele é muito rico na Amazônia", afirma o gerente.
"Muitas vezes, quando se pensa em negócios de impacto, a gente está pensando em startups que criam soluções digitais para resolver um problema social e ambiental. A gente está trazendo um conceito do Sul e do Sudeste, mas quando a gente olha os pequenos negócios tradicionais espalhados pelo nosso Estado como parte disso, então a gente tem sim um ecossistema fortalecido”.
Crédito pouco acessível é obstáculo
Diferentemente dos grandes negócios, que naturalmente conseguem mais capital parainvestimentos em práticas mais sustentáveis, os pequenos e médios empreendimentos ainda enfrentam a dificuldade do acesso ao crédito – e empreender com sustentabilidade também consome dinheiro. “Esse obstáculo é bastante relatado para que esses negócios possam ampliar, aumentar a produção, e adotar práticas mais sustentáveis”, afirma Renato Coelho.
“Sobre a questão de acesso a crédito, a primeira etapa é o pequeno negócio entender para que ele está buscando recurso, onde ele vai utilizar esse tipo de investimento. Tem que ser um recurso que será utilizado de maneira orientada, assistida, e o Sebrae possui produtos e serviços para acompanhar esse processo, inclusive na utilização deste crédito. Outra questão muito importante é o pequeno negócio entender que as instituições financeiras, principalmente as tradicionais, exigem requisitos e atributos, como faturamento, histórico de transações, anos de existência, então é necessário pesquisar quais são esses critérios a fim de compreender qual a melhor opção. Diante disso, a capacitação é fundamental, principalmente em gestão financeira, para que o empreendedor possa compreender o quanto destes recursos deve ser destinado, seja para capital de giro, para aquisição de algum equipamento, para aluguel de um novo prédio, para que ele possa utilizar esses recursos de forma responsável e isso não se torne depois um problema”, detalha.
Burocracia
Outro principal gargalo tem sido a burocratização. “A desburocratização, por meio de tecnologias digitais, está sendo bastante trabalhada pelas chamadas startups que atuam na região buscando soluções digitais que substituem por exemplo a utilização de papel e a geração de resíduos. A gente pode citar empresas atendidas pelo Sebrae como, por exemplo, uma ferramenta digital em que é possível criar um projeto elétrico no ambiente virtual; outra que estimula o pagamento via Pix; outra, no setor da saúde que digitaliza processos. São ferramentas digitais que, no dia a dia, acabam buscando a emissão cada vez menor de gases do efeito estufa e geração de resíduos”.
Aplicativo encurta o caminho da regularização
Abrir uma empresa na Amazônia ainda é sinônimo de percorrer vários quilômetros, indo de órgão em órgão público, acumulando diversas folhas de papel, coletando assinaturas, boletos, etc. A empreitada custa tempo e dinheiro, além de muita insistência de quem resolve empreender e pode até acabar perdendo oportunidades.
No caso da construção, a partir de 2010, da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, por exemplo, em que mais de 90% da obra ocorreu dentro do município de Vitória do Xingu, onde não havia marco legal adequado para receber um empreendimento daquela magnitude, tanto o projeto quanto os negócios menores que cresceram no entorno precisaram correr contra o tempo, pulando as barreiras da burocracia, para a devida instalação das atividades comerciais.
“Esse problema na demora para se abrir uma empresa não é só da Amazônia, mas em todo o País, e está vinculado a muitas dificuldades no ambiente de negócio brasileiro”, explica Jó Sales, diretor executivo do aplicativo Empresa Digital, projeto instalado em 13 cidades paraenses que automatiza processos envolvendo o registro de novas empresas, licenciamentos e até o encerramento dos negócios junto aos órgãos públicos. A iniciativa ajudou os municípios a deixarem de consumir 6,5 milhões de folhas de papel, deixando de emitir 564 mil quilos de CO² na atmosfera.
“Identificamos a partir da pesquisa Doing Business, que avalia o ambiente de negócios em 192 países pelo mundo, que a posição do Brasil é muito ruim, especialmente do ponto de vista do tempo médio para abrir um negócio. É um problema enorme e as dificuldades se agravaram na Amazônia por uma série de situações, especialmente do ponto de vista de estrutura, logística, acesso à internet, dificuldades operacionais nas prefeituras – que são responsáveis pelas licenças de funcionamento de cada empreendimento”.
Sales diagnosticou, ao criar a solução digital, que havia baixíssima integração institucional e tecnológica entre os órgãos ao oferecer os serviços ao cidadão empreendedor. “Há uma dificuldade muito grande dentro da própria estrutura de cada ente federado, cidade, estado e país, mas especialmente no âmbito municipal, entre as secretarias. São problemas operacionais de procedimentos, de legislação, no dia a dia do serviço público, além da baixa capacidade dos municípios de monitorar e definir a competência diante de um empreendimento que se instala na cidade. Isso impacta diretamente na arrecadação dos impostos, onde esses negócios são capazes de contribuir para que a cidade tenha recursos para fazer investimentos em áreas essenciais, como saúde e educação”.
Ananindeua
Segundo Sales, o aplicativo ajuda municípios e o próprio Estado a se estruturarem, no ponto de vista de tecnologias e de um novo marco regulatório, para efetivamente resolver, facilitar e simplificar procedimentos para que negócios possam se instalar e gerar emprego e renda. O aplicativo desenvolvido pela startup criada por Sales permite resolver vários procedimentos burocráticos pelo celular.
E servidores públicos conseguem dar mais atenção às atividades de maiores riscos, já que os negócios de menor impacto conseguem licenças de forma mais automatizada. Isso tudo gera menos papelada, e poupa o tempo do servidor público dentro das secretarias, como as do município de Ananindeua, que passou a adotar o sistema desde 2023.
“Os números de Ananindeua, para se ter uma ideia, são de 11,5 mil empreendimentos abertos desde março e 44% das atividades econômicas liberadas e licenciadas não só com a viabilidade automática, mas também com o licenciamento de forma 100% digital. Foram 5.153 empreendimentos instalados automaticamente, com dados recepcionados pelas secretarias de forma integrada e em tempo real”, informa Sales.
Os dados do projeto mostram que 2,5 milhões de folhas de papel foram poupadas com os serviços digitais prestados, deixando de emitir 215 mil quilos de CO² no planeta, apenas falando do caso de Ananindeua. As despesas para a gestão pública tiveram redução estimada em R$ 13 milhões em nove meses, segundo balanço divulgado.
Já a arrecadação com o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) no município cresceu R$38,8 milhões no período. Os indicadores, segundo Sales, são melhores do que os registrados no Reino Unido, Canadá, Singapura e EUA, que estão no topo do ranking internacional, de acordo com o Banco Mundial.
Município investe na modernização do sistema de arrecadação
Ducival Júnior, secretário municipal de Gestão Fazendária (Segef) de Ananindeua, comemora os resultados possibilitados com a criação do InovaAnani, a partir de março de 2023, que inclui os serviços do aplicativo Empresa Digital. Ele afirma que o município resolveu investir em instrumentos de modernização do sistema de arrecadação, integrando quase todos os serviços que antes eram presenciais e agora o cidadão pode ter acesso pelo celular.
“A intenção é facilitar a vida do contribuinte, colocando à disposição todas as formas possíveis de serviços. Então é possível pagar usando a internet, sem precisar ir presencialmente, desde o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) até abrir e multiplicar uma empresa, sem precisar sair de casa ou do escritório. Em contrapartida, aumentamos e tornamos mais eficientes as nossas formas de arrecadação”, afirma Ducival.
O projeto Empresa Digital foi uma das 22 iniciativas selecionadas para participar do Bootcamp GovTech 2023, promovido pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Superior, Profissional e Tecnológica (Sectet) com o programa StartupPará. “Se o Pará implantar esse projeto em todos os municípios, isso pode fazer com que 2,4 milhões de quilos de CO² deixem de ser emitidos e colocaria o Pará na primeira colocação no ranking nacional em relação à viabilidade e constituição de empresas, melhorando o ambiente de negócios e melhorando indicadores de competitividade”, afirma Jó Sales.