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BIOECONOMIA

Cupuaçu 5.0: Tecnologia aumenta produtividade e valoriza produto

Criado pela Embrapa, kit com cinco clones melhorados geneticamente também é resistente à doença vassoura-de-bruxa e tem período estendido de safra

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

03/10/2024

Doce, creme, suco, sorvete e manteiga. Os usos da polpa e da amêndoa do cupuaçu são vários, e têm gerado uma demanda cada vez maior pela indústria. Agora, a produção de uma das frutas mais saborosas da Amazônia, de sabor forte, ácido e inconfundível, pode ganhar um reforço, a partir de uma tecnologia criada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amazônia Oriental, que promete aumentar a produtividade do cupuaçuzeiro e sua resistência a doenças. 


A tecnologia é o chamado kit clonal Cupuaçu 5.0, que utiliza cinco variedades de clones, por meio de enxertia, para produzir melhoramentos no cultivo e gerar mais renda, sustentabilidade e turbinar o mercado do fruto, um importante ativo da bioeconomia amazônica.


Os cinco clones são cultivares produzidos pela Embrapa, ou seja, plantas geneticamente melhoradas, a partir da seleção de suas melhores características, todas identificadas pela sigla BRS. O melhoramento genético do cupuaçu é um trabalho desenvolvido há cerca de 30 anos pela Embrapa e que já resultou em vários cultivares, dos quais os mais recentes e aprimorados são o que compõem o kit 5.0: as variedades BRS Careca, BRS Fartura, BRS Duquesa, BRS Curinga e BRS Golias.


Os clones são muito mais produtivos que as versões anteriores, com maior rendimento tanto da polpa quanto da amêndoa, e também resistentes à principal doença que ataca a espécie, chamada vassoura-de-bruxa.

 

 

Alta produtividade

Os números de produção do Cupuaçu 5.0 são de encher os olhos: quase seis vezes mais que a média produzida no Estado. Para se ter uma ideia, em um único hectare, são produzidas até 14 toneladas da fruta. A variedade anterior, a BRS Carimbó, produz até oito toneladas, enquanto a média paraense é de apenas 2,5 toneladas a cada hectare. 
Já em relação à produtividade das amêndoas, o kit 5.0 chega a 1,9 tonelada por hectare, em comparação a 1,1 tonelada da BRS Carimbó e apenas 0,04 tonelada da média paraense.


Outra vantagem do kit clonal é a expansão do período de safra, que passa de quatro para seis meses. Isso facilita a colheita e a absorção da produção pela agroindústria, distribuindo melhor as atividades por mais meses e evitando sobrecarga no processamento.


O maior responsável por todo esse trabalho é o agrônomo Rafael Moyses Alves, pesquisador da Embrapa. Ele explica que o kit do "supercupuaçu" é resultado de melhoramentos da variedade anterior, lançada em 2012. “O kit clonal 5.0 é fruto de uma grande pesquisa com uma outra variedade chamada BRS Carimbó, formada por 16, vamos chamar assim, ‘pais’. Esses 16 pais cruzaram entre si e as sementes resultantes produziram uma população melhorada e bastante diversa, cujas sementes nós oferecemos aos produtores. Mas ela é diversa principalmente na resistência à vassoura-de-bruxa, mas nem tanto em relação à produtividade. Então, nós procuramos manter o nível de produtividade desses 16 materiais e chegamos a essas outras variedades do 5.0”, detalha o especialista.

 

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1. Rafael Moyses Alves, agrônomo e pesquisador da Embrapa, está à frente do desenvolvimento do kit clonal Cupuaçu 5.0 (Foto: Thiago Gomes/O Liberal)

Novos mercados

Para além da utilização da polpa do cupuaçu, a grande aposta atual para o fruto é o uso de sua amêndoa, tanto na culinária quanto na indústria cosmética. O óleo e a manteiga, extraídos da semente, são muito apreciados por suas características físico-químicas superiores a outras substâncias, e têm sido cada vez mais demandados pelo setor.
“As amêndoas do cupuaçu costumavam ser um estorvo para a indústria, um lixo, pela dificuldade do que fazer com aquele resíduo. Mas agora já se tem uma utilização mais nobre, que é a extração da manteiga para a indústria de cosméticos e fármacos. E temos um aproveitamento melhor ainda: assim como a amêndoa do cacau faz o chocolate, a amêndoa do cupuaçu tem um potencial enorme de fazer um produto similar ao chocolate, que foi chamado de cupulate”, informa Alves.


Contudo, a demanda pela amêndoa e seus subprodutos tem sido maior que a capacidade dos produtores em ofertá-los. “Atualmente, a indústria de cosméticos demanda uma quantidade muito maior do que tem disponível; os produtores têm dificuldade de atender. Tem empresas pequenas produzindo a manteiga de amêndoas de cupuaçu porque a indústria está querendo, porque ela é muito interessante para fazer cosméticos. Então, o kit 5.0 tem essa vantagem, porque ele tem uma produção boa de polpa, mas tem uma produção excelente de amêndoas. Isso vai gerar uma boa remuneração para o produtor”, ressalta o agrônomo.

 

Substituição da copa

Ao contrário da BRS Carimbó, que é uma semente, a produção do Cupuaçu 5.0 ocorre por meio da enxertia, técnica que une uma planta a outra para que cresçam juntas. São preparadas mudas com cada uma das cinco variedades do kit clonal e enxertadas em brotos de uma árvore já crescida, gerando novos ramos com as características melhoradas. 


Com isso, a substituição de toda a copa do cupuaçuzeiro ocorre de forma gradativa, a partir dos novos ramos. É uma técnica, também criada pela Embrapa, que já era utilizada para o cupuaçu mesmo antes do kit 5.0, para retirar ramos doentes ou improdutivos e substituir por novos e melhores. 

 

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BRS Careca é uma das variedades que compõem o kit Cupuaçu 5.0 (Image: Vinícius Braga/Embrapa)


Alves ressalta que as cinco variedades do kit precisam ser usadas conjuntamente, para garantir a variabilidade genética. “Você não pode colocar um clone só, porque todos os materiais ali vão ser geneticamente iguais. Ele tem que ter outros parceiros para poder fazer esse cruzamento”, destaca. Para isso, as plantas são arranjadas de forma intercalada no local de cultivo.

Genoma

É no Campo Experimental da Embrapa em Tomé-Açu que acontecem essas inovações, onde estão as plantas matrizes, não só das variedades melhoradas do cupuaçu, mas também de outras espécies. De acordo com o técnico agrícola Edilson Rodrigues, coordenador do local, o campo tem a maior coleção mundial de fruteiras do trópico úmido. “Aqui pesquisamos bacuri, muruci, pupunha, açaí, taperebá, camu-camu. Temos aqui os campos de germoplasma de todas essas fruteiras”, conta, referindo-se ao conjunto de amostras de materiais genéticos das espécies, que são a fonte de variabilidade para os melhoramentos.


No caso do cupuaçu, já foi possível sequenciar seu genoma completo, o que abre ainda mais possibilidades de melhoramentos genéticos futuros. A pesquisa de sequenciamento foi desenvolvida por Alessandro Varani, professor de bioinformática e genômica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; Vinícius Abreu, professor da Faculdade de Computação da Universidade Federal do Pará; e Rafael Alves, criador do kit 5.0.


Além da identificação dos genes relacionados à produtividade e à defesa contra a vassoura-de-bruxa. O estudo também descobriu bactérias que vivem nas folhas do cupuaçuzeiro e produzem substâncias que combatem ameaças e fortalecem as plantas. A descoberta pode ajudar a produzir novas variedades ainda mais resistentes a doenças e mais resilientes às mudanças climáticas.

 

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Para Rafael Alves, o cupuaçu é um dos principais insumos da bioeconomia amazônica (Foto: Thiago Gomes/O Liberal)

Bioeconomia

Para Rafael Alves, o cupuaçu é um dos principais insumos da bioeconomia amazônica. “É um dos produtos mais interessantes que nós temos, não só para a bioeconomia, mas também para a restauração de áreas degradadas. Tanto o cupuaçu quanto o cacau são espécies que suportam algum nível de sombreamento e por isso podem ser plantados ao mesmo tempo em que vão se reflorestando áreas alteradas. Como o cupuaçu e o cacau dão uma boa receita para o produtor, ele tem interesse em manter aquelas árvores”, afirma. 


O agrônomo defende os sistemas agroflorestais pela produção justa e sustentável. “Com essas mudanças climáticas, que a gente não sabe onde vão parar, não vejo outra alternativa para quem mora aqui nesse trópico que não seja a utilização de sistema agroflorestal. E o cupuaçu é uma das espécies que mais se presta a esse tipo de sistema”, defende. Para ele, com o kit Cupuaçu 5.0, o potencial do fruto para a valorização da produção amazônica que mantém a floresta em pé é ainda maior.

De olho no futuro

O kit clonal Cupuaçu 5.0 foi lançado oficialmente em 2022 e vem sendo gradualmente inserido nos cultivos, a partir do processo de enxertia. “Nós estamos multiplicando esse material para entregar para os produtores, que vão plantar na forma de muda enxertada”, esclarece Alves.


Embora já haja produtores usando a tecnologia, em municípios como Tomé-Açu, Castanhal e Marabá, o esperado é que o uso do kit clonal vá se multiplicar quando viveiristas passarem a produzir as mudas. 


“A projeção de um maior número de plantas propagadas vai acontecer quando viveiristas credenciados pelo Ministério da Agricultura entrarem em licitações e passarem a vender as mudas para os agricultores. Mais produtores terão acesso a esse material genético”, pontua o técnico agrícola Edilson Rodrigues, de Tomé-Açu.
 

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Adailton Gomes, de Tomé-Açu, foi um primeiros produtores que já iniciaram o processo de substituição de copa com os novos cultivares (Foto: Arquivo pessoal)

 

Foi justamente nesse município que os primeiros produtores já iniciaram o processo de substituição de copa com os novos cultivares. É o caso de Adailton Mendes, que segue os passos do pai na tradição do cultivo do cupuaçu. 


“Meu pai já trabalha há uns dez anos com o cupuaçu, e eu também já venho trabalhando há algum tempo. Quando lançou o 5.0, eu aderi e trouxe para a nossa propriedade, há cerca de dois anos. O processo de substituição da copa dura de um a dois anos, para formar uma planta nova, já com as novas características. Então agora que vamos poder começar a observar as diferenças concretas em produtividade”, revela. 


Mas o produtor diz que algumas pequenas mudanças já são percebidas. “Algumas plantas que produziam pouco já produzem mais, e também vemos um fruto bem grande e com a casca um pouco mais fina”, observa. 


Mendes tem grandes expectativas para os resultados da nova tecnologia. “Quando você faz [o cultivo] com sementes, tem plantas que têm produtividade baixa. Mas quando você usa enxertia, o pomar todo vai produzir por igual. Se você tiver 400 plantas e for feita a clonagem em todas, vai chegar a hora que você vai ter as 400 produzindo por igual”, analisa. “E tem uma ou duas variedades do 5.0 que conseguem estender a nossa safra. Ou seja, quando estiver acabando a safra normal do [BRS] Carimbó, o 5.0 ainda vai ter fruto e isso é um ponto positivo para o produtor, porque se consegue pegar um preço melhor na entressafra”, declara.

 

 

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