Produção da farinha de mandioca, em Bragança - produtores Edith e Carlos Matos.-foto everaldo nascimento.jpg
AGRICULTURA

Mandioca: cultivo enfrenta desafios diante de nova praga

RISCOS - Conhecida como vassoura da bruxa, a doença é nova no País e já atingiu o Amapá. Instituições buscam minimizar danos e evitar a dispersão para outros Estados

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

21/04/2025

Na próxima terça-feira (22), é comemorado o Dia Nacional da Mandioca. A data celebra um alimento de origem amazônica e sua inegável importância cultural e econômica para a região, herança dos povos indígenas. No entanto, apesar da data comemorativa, o momento é de preocupação para o cultivo da espécie na Amazônia e todos os fatores envolvidos nesse cenário, como a segurança alimentar e a produção de renda na região.


Desde julho de 2024, uma praga - nova no Brasil - causada por um fungo atinge as plantações da espécie no Amapá, arrasando cultivos inteiros. Chamada de vassoura da bruxa da mandioca - que nada tem a ver com a vassoura da bruxa do cacau -, a doença torna os ramos da planta secos e deformados, dando a aparência de uma vassoura, além de causar nanismo, proliferação de brotos fracos e finos nos caules e, com a evolução, morte. 

 


A praga foi primeiramente identificada em roças de terras indígenas no Oiapoque, nas proximidades da fronteira com a Guiana Francesa. Edmilson Oliveira, da aldeia Curipi, no município, conta que as plantações da comunidade foram dizimadas. “A praga iniciou nas terras indígenas das margens do rio Oiapoque e depois se espalhou e chegou na nossa aldeia. As folhas foram morrendo de cima para baixo, ficando avermelhadas. Vendíamos de tonelada para os municípios próximos, mas perdemos toda a nossa produção. Já tentamos plantar de novo, e novamente a praga atacou”, relata. 


Edmilson aponta que a perda causou insegurança alimentar e perda de renda para a aldeia. “Plantamos tanto para consumo quanto para vender. Muitas famílias passaram a receber cestas básicas do governo do Amapá. Também estamos tentando outros cultivos, como arroz e milho, para gerar renda. Esperamos conseguir resolver logo esse problema, com a ajuda governamental”, diz.

EMERGÊNCIA

 

A doença tem alto grau de dispersão: pode ser transmitida por material vegetal infectado, por ferramentas de poda e, até mesmo, pelo solo e pela água, facilitando o risco de infecção de novas áreas. O Pará não está imune aos riscos. 

 

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. Edmilson Oliveira, da aldeia Curipi, Oiapoque-AP: "Perdemos toda a nossa produção de mandioca. Já tentamos plantar de novo, e novamente a praga atacou”, relata (Foto: Arquivo pessoal)


Por isso, em janeiro deste ano, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) decretou estado de emergência fitossanitária nos dois estados - Amapá e Pará -, pelo período de um ano. Em março, foi instituído o Programa Nacional de Prevenção e Controle da Vassoura de Bruxa da Mandioca. As normativas pretendem facilitar a adoção de medidas de prevenção e evitar a dispersão para novas áreas ainda não atingidas, proibindo o trânsito de plantas e partes de plantas de espécies hospedeiras da praga oriundas de municípios com ocorrência da doença.


Segundo Edilene Cambraia, diretora do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Mapa, o estado de emergência fitossanitária pode ser declarado sempre que uma praga quarentenária, ou seja, que não existe no país, seja detectada. “Considerando os possíveis impactos econômicos, sociais e ambientais, a gente pode declarar emergência, o que facilita os trâmites a serem adotados. Isso também possibilita realizar ações junto a terceiros, para que possamos trabalhar em conjunto e somar esforços para combater a praga”, explica a gestora. 


A portaria que criou o Programa Nacional inclui 18 instituições diferentes atuando frente ao problema, nos níveis federal, estadual e municipal, além de centros de pesquisa.
A vassoura da bruxa da mandioca não chegou em território paraense, mas, segundo Edilene, o Pará foi incluído na portaria da emergência por ser um estado limítrofe. “A gente estabelece as áreas contaminadas e áreas de risco, suscetíveis porque estão próximas. Como o Pará é o estado vizinho e também o maior produtor de mandioca do país, se for afetado, terá um dano econômico muito maior do que ocorre no Amapá. Então, a portaria define que as mesmas ações que a gente pode fazer no Amapá, pode também fazer de forma preventiva do Pará”, detalha a agrônoma. 

 

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Vassoura da bruxa da mandioca no Oiapoque, no Amapá. A teoria é que a praga tenha chegado ao Brasil vinda da Guiana Francesa, país onde a doença está presente (Foto: Arquivo pessoal/Edmilson Oliveira)


De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Pará produz em torno de 3,8 milhões de toneladas de mandioca por ano, respondendo por cerca de 20% da produção nacional.

Instituições enfrentam desafios no combate à doença

 

Embora isso ainda não tenha sido confirmado, a teoria é que a doença tenha vindo da Guiana Francesa, onde a vassoura da bruxa da mandioca está presente. “Como os primeiros focos foram perto da fronteira, a gente imagina que veio de lá, por conta do trânsito de pessoas e o hábito que elas têm de trocar material. Provavelmente a contaminação no Amapá foi por isso”, explica Edilene Cambraia. 


A praga é nova no mundo e proveniente do sudeste asiático. Por isso, pouco se sabe sobre seu comportamento. “Não se sabe como ela é, em que situações se expressa mais, quando é mais agressiva ou não, como se controla, como exatamente se dispersa. Isso tudo dificulta tomar medidas mais assertivas, até porque como ela se comporta na Ásia pode não ser da mesma maneira como se comporta aqui. Mas todos os esforços têm sido adotados pelo Mapa, pela Embrapa Amapá e outros órgãos. É a nossa prioridade número um, para minimizar os danos que a praga traz para a região e não deixar ela avançar”, garante a diretora do Ministério.

 

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Edilene Cambraia, do Mapa, explica as dificuldades para combater a vassoura de bruxa da mandioca (Foto: Arquivo pessoal)

PESQUISA

 

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amapá, juntamente com a Embrapa Mandioca e Fruticultura, localizada na Bahia, tem realizado pesquisas sobre a nova doença. De acordo com Cristiane de Jesus, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Amapá, estudos têm sido feitos para descobrir como ocorreu a introdução da praga, suas formas de dispersão e como se dá o ciclo da praga no país. 


“Nós identificamos o patógeno que causa a doença, o fungo Rhizoctonia theobromae, e estamos buscando possíveis variedades da mandioca resistentes ao ataque desse fungo. Também pesquisamos culturas alternativas à da mandioca, que possam gerar renda aos produtores afetados. Trabalhamos ainda com as boas práticas de cultivo, para evitar a contaminação de novas roças, e na busca de defensivos agrícolas que possam ter efeito sobre essa praga”, detalha.

IMPACTOS

 

A vassoura da bruxa da mandioca foi identificada pela Embrapa Amapá a partir de uma consulta dos próprios indígenas do Oiapoque, que estavam perdendo suas roças. “Essa doença se caracteriza por dizimar as roças de mandioca e as plantas acabam morrendo, o que causa grande prejuízo para a mandiocultura na região”, afirma Cristiane. 

 

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"A farinha de mandioca é a base alimentar aqui dos produtores da região norte do Brasil. Então, inicialmente, houve elevação do preço e escassez da produção de farinha”, aponta Cristiane, da Embrapa Amapá (Foto: Everaldo Nascimento/O Liberal)


Inicialmente presente no Oiapoque, a doença já atingiu outros cinco municípios amapaenses: Pracuúba, Amapá, Tartarugalzinho, Pedra Branca do Amapari e Calçoene. “A praga está se dispersando do norte para o sul do estado. Saiu das áreas indígenas e já atinge outros produtores familiares”, destaca a chefe da Embrapa.


“Os impactos para os produtores são muito grandes. A farinha de mandioca é a base alimentar aqui dos produtores da região norte do Brasil. Então, inicialmente, houve elevação do preço e escassez da produção de farinha”, aponta Cristiane.
Ainda conforme a diretora do Ministério da Agricultura, a praga tem um potencial de dano muito alto às comunidades. “Ela se dispersa para toda a plantação e a medida de controle e erradicação é a queima: tem que eliminar o plantio todo. Então, compromete toda aquela produção e leva a problemas na disponibilidade do produto. E a mandioca é a base de alimentação e também econômica para aquelas comunidades indígenas e agricultores familiares. Então, provoca um impacto social”, declara Edilene Cambraia, do Mapa.

 

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 De acordo com Rafael Haber, da Adepará, a praga não chegou ao Pará, mas ações de controle estão sendo já desenvolvidas para evitar a contaminação dos cultivos locais (Foto: Adepará)

Pará adota medidas de controle

 

No Pará, a Agência de Defesa Agropecuária do Estado tem adotado várias medidas para que a praga não alcance o solo paraense. Em fevereiro, o órgão publicou uma portaria estabelecendo ações de prevenção. A principal medida foi proibir o ingresso, em qualquer município paraense, de  plantas ou partes vegetais oriundas de áreas afetadas. 


Para garantir que o trânsito indevido não ocorra, a Adepará realiza a fiscalização na fronteira com o Amapá, em conjunto com o Mapa. Além disso, ações preventivas e educativas são realizadas junto aos produtores paraenses, com ênfase nos municípios mais próximos do território amapaense: Almeirim, Gurupá, Porto de Moz, Afuá, Breves e Chaves.


“O risco de chegada no Pará é alto, devido ao trânsito de produtos agrícolas e à proximidade geográfica com as áreas afetadas. Por isso, os técnicos da Adepará já participaram de treinamentos no Amapá, aprendendo a identificar sintomas da praga e métodos de coleta de amostras. Eles também atuam na conscientização de produtores, compartilhando informações sobre prevenção e controle. A mandioca é essencial para a economia e segurança alimentar do Pará”, enfatiza Rafael Haber, gerente de Defesa Vegetal do órgão.

 

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Para Miguel Picanço, antropólogo, a mandioca é a herança mais viva no Pará (Foto: Arquivo pessoal)

ANCESTRALIDADE

 

Além da importância econômica e alimentar da mandioca para a região, ela é um símbolo importante de ancestralidade. Segundo Miguel Picanço, antropólogo da Alimentação, a mandioca foi domesticada há cerca de oito mil anos pelos povos originários da Amazônia.


“A mandioca é nativa da região e todo o repertório alimentar que dela deriva também. Os indígenas amazônidas foram os primeiros a cultivá-la e nesses oito mil anos a mandioca atravessa e organiza seus modos de comer e viver. É uma comida ancestral e essa ancestralidade se manifesta todos os dias nas nossas mesas e nas nossas vidas”, pontua. 


Para o especialista, a mandioca é a herança mais viva no Pará, estado que é seu campo de estudo. “Seja como beiju, tapioca, tucupi, goma, maniçoba, mas principalmente como farinha, a mandioca se emaranha na nossa vida. No nordeste paraense, encontramos pessoas tomando café com farinha”, exemplifica.
Picanço lembra que a mandioca, além de atravessar culturalmente a Amazônia, fomenta economia, trabalho, emprego, renda e fortalece a agricultura familiar. “E funciona como uma linguagem que comunica pertencimento à região e, portanto, comunica também resistência. Mantendo essas práticas alimentares, continuamos nos reafirmando como paraenses, amazônidas e nortistas”, destaca o antropólogo.


O indígena Edmilson Oliveira, que viu de perto o avanço da vassoura de bruxa da mandioca, confirma a relevância do vegetal nos costumes da região. “Não só perdemos a fonte de alimento e de renda, como também para a utilização nos nossos rituais. A mandioca também tem esse lado cultural para nós”, lamenta.

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
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