Apesar do Brasil dispor de uma legislação que obriga a reserva de vagas no mercado de trabalho para pessoas com deficiência, a Lei de Cotas (art. 93 da Lei nº 8.213/91), quase 50% dos cargos para o segmento no País e no Pará não são preenchidos, aponta o levantamento mais recente do Portal da Inspeção do Trabalho do Governo Federal. O maior motivo para a falta de inclusão social ainda é o preconceito e a falsa crença de que esse público é incapaz, aponta o vice-procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT-PA/AP), Carlos Lins de Oliveira Júnior.
“Persiste na sociedade e em grande parte das empresas a ideia de que a pessoa com deficiência é vítima e não possui capacidade de desenvolver-se plenamente, que a deficiência deve ser compensada de alguma forma. São as chamadas barreiras atitudinais. Essas barreiras, que decorrem da falta de consciência dos empregadores e da própria sociedade da plena capacidade de desenvolvimento da pessoa com deficiência, impedem a inclusão da pessoa com deficiência nas empresas e o cumprimento integral da Lei de Cotas”, considera o procurador.
Na contramão desse preconceito, pessoas com deficiência mostram que não há limites quando as oportunidades existem. Em Belém, a especialista em Relações Humanas (RH), Rosiany Sanches, 43, prova desde os 15 anos que não há limitações para sua produtividade no mercado de trabalho. Ela já foi empacotadora de supermercado, vendedora de loja de departamento, mas buscou qualificação profissional e hoje trabalha como analista administrativo na Hydro, na capital paraense.

“Algumas empresas olham para nós como alguém que não tem qualificação. Claro que alguns de fato não têm, como em todo lugar e em todo o segmento, mas isso não é uma regra. Eu, por exemplo, completei o ensino médio e não parei por aí. Também fiz curso superior e pós-graduação”, conta Rosiany.
Ela possui uma deficiência congênita - aquela que existe no indivíduo ao nascer - no braço esquerdo. Por conta da condição, sofreu diversos tipos de preconceitos ao longo da sua vida profissional, mas nunca se deixou abalar. “Eu já fui impedida de fazer um curso de computação porque, para eles, eu não seria capaz de digitar. O que não é verdade, pois hoje digito muito bem, de forma rápida, todo mundo fica admirado me vendo usar o teclado do computador”, diz orgulhosa.

“Quando fui trabalhar em uma loja de um shopping da cidade, um gestor não acreditou em mim. Ele perguntava como eu poderia vender um colchão ou dobrar uma toalha se não tenho as duas mãos. Ele colocou muita dificuldade para que eu integrasse o departamento dele, o de cama, mesa e banho. E eu apenas respondi que se ele não me desse oportunidade, jamais saberia como. Tempos depois, me tornei a melhor vendedora e fui promovida para o administrativo”, relembra a especialista em RH.
Sem barreiras para o mercado de trabalho
No município de Barcarena, nordeste do Estado, Deisiane Martins, 32, também mostra que pode fazer tudo o que quer. No ano de 2009, ela começou a trabalhar na Hydro Alunorte como jovem aprendiz e hoje atua como técnica de Segurança do Trabalho na refinaria. Além disso, está se graduando em Medicina Veterinária e ainda traz no currículo um curso de bombeira civil. A prova de que ter nascido com uma deficiência no antebraço direito nunca foi uma barreira.

Ela relembra que antes de conseguir o primeiro emprego tinha receio de nunca ser aceita no mercado, contudo, bateu na porta justamente de uma organização que promove a inclusão. “Eu tive muito medo de não conseguir um emprego, mas tive a sorte de nunca ter tido dificuldade com isso, pois aqui foi meu primeiro emprego. Algumas empresas contratam pessoas com deficiência apenas por obrigação, quando contratam. Mas esse não é o caso da Alunorte”, diz agradecida.
Fora do mercado, a história de preconceito se repete. Deisiane percebe que na faculdade, onde estuda para ser veterinária, parte dos seus colegas não têm fé que ela um dia poderá exercer a função. “As pessoas têm dificuldade para me enxergar na profissão por conta de algumas atividades que a gente precisa fazer com as duas mãos. Então, alguns duvidam da minha capacidade”, desabafa.

“Uma deficiência não é uma limitação. O limite quem coloca somos nós. Então a gente sabe até onde podemos ir e avançar. Os empregadores precisam dar essa oportunidade para que todos percebam que uma pessoa com deficiência não é incapaz. Nós também somos inteligentes e temos muito a acrescentar para o mercado de trabalho”, declara Deisiane Martins.
Benefícios da inclusão e diversidade
O procurador do MPT-PA/AP afirma que incluir pessoas com deficiência no ambiente de trabalho é capaz de propiciar diversos benefícios para a organização, entre eles, a publicização da responsabilidade social. “Ela não somente atesta um maior compromisso da empresa com uma agenda social, o que representa uma melhora da imagem da organização, como também é responsável por um grande incremento na cultura da empresa que passa a ser mais plural, inclusiva. Essa diversidade é um estímulo à cooperação e é responsável pelo desenvolvimento de relações interpessoais mais sólidas”, considera Carlos Lins de Oliveira Júnior.
Tais benefícios são testados e aprovados na Hydro. A vice-presidente de Relações Humanas, Comunicação, Saúde e Segurança da empresa no Brasil, Nelia Lapa, conta que as vantagens passam pelo aumento de produtividade da equipe, ambiente mais acolhedor e maior competitividade no mercado, beneficiando toda a sociedade.

“A diversidade traz um benefício muito grande para as empresas porque quando temos em uma equipe pessoas muito iguais, ou do mesmo sexo, da mesma nacionalidade, tudo isso que nos faz ser muito parecidos, gerando uma certa miopia. Isso reduz as possibilidades de termos ideias diferentes, pessoas que pensam de forma diferente que podem contribuir com o crescimento das organizações”, acredita a vice-presidente.
Embora a legislação determine que a Hydro reserve 5% das vagas para esse segmento, a empresa tem hoje 5,5%, com a meta de crescer para 6%. Para a gestora, o aumento desse percentual no quadro de funcionários é fundamental para contribuir com as comunidades ao redor das empresas.
“Nós contratamos pessoas com deficiência o ano inteiro. Além de empregá-las, também abrimos portas para o desenvolvimento. Por isso, perdemos muitos funcionários para o mercado porque a Hydro é uma empresa de formação. Trazemos as pessoas, formamos e depois o mercado compete por elas. A princípio, víamos isso como uma coisa ruim, mas hoje entendemos que é uma contribuição para as comunidades à nossa volta, pois no momento em que a gente prepara os profissionais e o mercado compete por eles, criamos mais oportunidades para mais pessoas com deficiência”, diz Nelia Lapa.
Chamando atenção para a causa social, a vice-presidente faz um alerta para que outras organizações não apenas cumpram com a conta exigida pela lei, mas promovam maior inclusão e diversidade nos seus espaços.
“Existem pesquisas que mostram que um ambiente mais diversos se torna mais criativo e um ambiente onde as pessoas produzem mais e melhor. Outras pesquisas dizem que traz mais felicidade e menos estresse. Então, ter pessoas com deficiência, mulheres, negros, LGBTQIA+, tudo que gera mais diversidade, é melhor para as empresas. Quanto mais cedo elas percebem e abrem as portas, melhor vai ser a produtividade”, finaliza Nelia.
Entenda a Lei de Cotas
Criada no ano de 1991, a Lei de Cotas estabelece que empresas com 100 ou mais empregados devem preencher uma parte dos seus cargos com pessoas com deficiência. A reserva de vagas, que é essa parcela de cargos específicos a esse público, depende do número total de empregados que a empresa possui. Locais que possuem entre 100 e 200 funcionários, devem reservar 2% das vagas para PCDs; os que têm entre 201 e 500, 3%; os que possuem entre 501 e 1.000, 4%. Já empresas que possuem mais de mil empregados, precisam fazer uma reserva de 5% dos cargos.
“A Lei de Cotas foi um importante passo para possibilitar a igualdade material pelo acesso das pessoas com deficiência aos postos de trabalho, que normalmente lhes seriam negados em razão da deficiência. Ela, no entanto, é somente um instrumento legal de acesso. Para que a lei seja plenamente cumprida é preciso que toda sociedade seja também conscientizada de que a deficiência não está no indivíduo, mas no meio no qual este está inserido. É necessária uma mudança cultural para a compreensão do contexto, bem como a adequação do ambiente às necessidades de cada um, e não o contrário”, afirma Carlos Lins.
O MPT-PA/AP possui diversos instrumentos de atuação para empregadores que descumprem a legislação. Ao receber denúncia de descumprimento, o órgão instaura Inquérito Civil para apuração das irregularidades. O procurador esclarece que se constatado o descumprimento, é ofertada a possibilidade de assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta – instrumento que permite ao empregador promover adequações em um determinado lapso temporal, sob pena de multa – ou mesmo ajuizada Ação Civil Pública.
Número de reservadas, por natureza jurídica do empregador
Fonte: Relação anual de informações sociais (RAIS).