As peculiaridades que envolvem Belém, sede da 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP 30), devem servir de atrativos para centenas de turistas que vão visitar a capital do Pará. Durante os quinze dias do megaevento, em 2025, os olhos do mundo estarão voltados para a cidade. Seja pela culinária, pela história do local, museus, ilhas, ou pela própria importância que o bioma amazônico vem ganhando no contexto internacional, a metrópole estará em evidência para pessoas de diversos países. Para atender esse público e, mais que isso, deixar um legado que transforme a vida das pessoas da região, é necessário que alguns gargalos sejam consertados.
Na perspectiva turística, eventos como a COP 30 são considerados agentes de transformação urbana e mudanças de modelos existentes. Isso quer dizer que a requalificação de espaços, suas formas e funções, devem visar o desenvolvimento socioambiental de uma determinada região. É esperado que aconteça em Belém. A cidade tem algumas pendências estruturais que, segundo pesquisadores da área, precisam ser levadas em conta para que o turismo seja uma atividade atrativa de fato, como serviços de macrodrenagem, implantação de transporte público coletivo que atenda a capacidade, criação de parques, restauração de igarapés e melhora na coleta de resíduos sólidos.
A falta de leitos disponíveis para hospedagem na capital paraense para receber o público também é um ponto que precisa de atenção. Atualmente, a cidade conta com 13 mil unidades disponíveis, necessitando de mais, no mínimo, 40 mil para atender o contingente esperado da COP, segundo o Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Pará (SHRBS). Silvia Cruz, professora e diretora da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirma que a resolução desse problema deve ser uma prioridade do poder público e que algumas alternativas, como os navios de cruzeiros ancorados em Belém, podem ser eficazes. “Nós entendemos, também, que a COP é um momento muito importante para a população”.
“Então, por meio de uma experiência anterior, nós temos a percepção que a alternativa poderia ser as chamadas hospedagem familiar. Cria-se um sistema, convoca-se a população, claro, que com um processo de esclarecimento, de sensibilização, que pudesse dar um suporte para essas pessoas e, assim, receber o visitante em suas casas. Nós sabemos que o público da COP é diverso, vamos ter da mais alta diplomacia, mas também nós vamos ter professores, pesquisadores, estudantes, trabalhadores rurais, camponeses, sindicalistas, as populações tradicionais. Essas pessoas que possam vir também para cá, de repente não vão querer ficar num hotel de luxo, vão querer vivenciar a realidade da Amazônia”, diz Silvia.
Educação
Tendo em vista que o turismo mobiliza não apenas o setor, mas tudo que está em volta, como partes indiretas da economia, investir em educação para melhorar esse processo, sua dinâmica e deixar um legado a mais da COP, tem sido um dos focos da preparação para o evento. É nesse sentido que a Faculdade de Turismo da UFPA passou a promover a capacitação dos alunos de uma forma mais específica para que, além do conhecimento técnico, eles possam propor as melhores formas de pensar a região por serem os protagonistas dela. “Por que uma COP na Amazônia? Qual a importância disso? É não só para melhorar a nossa estrutura, mas qual o legado?”, questiona a professora.
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Herança do turismo da COP deve ultrapassar estruturas físicas
De acordo com Silvia, essa consciência criada, junto com os demais fatores trazidos pelos megaeventos - como a Conferência das Partes é -, se encaixam como impactos subjetivos para a região e permitem que os moradores do local sejam capazes de estabelecer suas próprias proposições. “Então, digamos que estimular, inclusive, o conhecimento, fortalecer os laços socioculturais, pensar um projeto de uma outra Amazônia, mas pensado pela população que mora aqui [fazem parte]. Nós vivemos isso aqui, nós conhecemos os nossos rios, a nossa floresta, então nós não precisamos de interlocutores, nós temos que estar envolvidos nisso e só vamos conseguir por meio também da capacitação”, completa.
“Esse legado não pode ser pensado apenas na estrutura física. Nós precisamos pensar e querer um legado que vai também pelas mudanças, pela transformação da vida das pessoas. Então, a COP 30, em Belém. Mas o que esse povo que vem para cá quer da Amazônia e quer contribuir com a população local, para que a gente tenha um processo de mudança no contexto social, no contexto cultural, no contexto ambiental? O legado estruturante é importante, mas o legado cultural, o social, as nossas transformações, inclusive, de ver essa Amazônia, é ver as populações que aqui vivem. Queremos que a COP, sim, tenha legados físicos e estruturantes, mas queremos também o legado social e cultural”, enfatiza Silvia.
Turismo sustantável
O tipo de turismo que a COP irá trazer, o chamado turismo de massa, pode não ser a melhor opção para um espaço como a Amazônia. Conforme destaca Silvia, os impactos que essa atividade traz são grandes. Porém, a saída pode estar no estímulo à sustentabilidade dentro desse processo. “Com base nesse princípio, é claro que tem alguns elementos da sustentabilidade que são colocados para ser considerado. Um dos principais é o protagonismo das populações. Como é esse turismo? Primeiro, que seja pensado pelas populações locais. Nós não podemos ser ingênuos de pensar que por si só se consegue entrar no mercado. Temos que criar canais de interação com o mercado também”.
Condições dignas de trabalho, água potável, reutilização de água da chuva, fim do uso de materiais plásticos e do canudinho são ideias que podem promover a sustentabilidade e atrair turistas. “Então, a partir desse conceito de turismo sustentável, vamos ter outras tipologias, como o ecoturismo, que conversa com a sustentabilidade, vou ter o turismo de base comunitária, que mobiliza as comunidades em um formato mais controlado, mas gera renda, porque as pessoas que querem esse tipo de turismo, estão dispostas a pagar pelo uso daqueles recursos o preço que for cobrado. Muito turista que escolhe um roteiro que tem essa pegada sustentável não faz nada fora desse conceito, porque é um princípio”, finaliza.
Comitê municipal da COP 30 afirma que cidade estará pronta para evento
Os desafios estruturais envolvendo a preparação de Belém para receber tanto as delegações de países, quanto turistas, durante a COP 30 colocaram dúvidas sobre a cidade estar apta para o evento. Entretanto, Cláudio Puty, coordenador do Comitê Municipal da COP, afirma que a capital caminha na direção certa para sediar a Conferência. “A tarefa, de janeiro para cá, foi mostrar que nossas obras estão comprometidas com o governo federal e vão sair. Todas as licitações foram feitas para a reforma do Ver-o-Peso, que já iniciou as obras; o Mercado de São Brás está bastante acelerado e, em setembro, devemos abrir a licitação para o Parque São Joaquim - vai ser uma mudança importante na entrada da cidade”, diz.
A requalificação do Centro Histórico da capital também é uma prioridade. Cláudio ressalta que a reforma da praça das Mercês, no Comércio de Belém, vai ser um espaço para incentivar a bioeconomia e alocar startups que fomentem a floresta em pé. “Todas as obras que a gente está fazendo são para deixar um legado. A reforma do Ver-o-Peso é fundamental para melhorar a qualidade dos feirantes; o Mercado de São Brás que estava abandonado, vai virar um ponto turístico. O São Joaquim, um parque linear, vai mudar a relação do pessoal do [bairro do] Barreiro e da Sacramenta com o rio e vai permitir com que todo mundo se beneficie”, completa.
Turismo receptivo
Junto às obras, é preparado um plano de turismo receptivo, que envolve solicitações ao Ministério do Turismo para demandas de sinalização. O objetivo é tornar o acesso aos lugares de Belém mais inclusivos para os visitantes. “As placas na cidade estão envelhecidas, precisamos de adequação de mobilidade, calçadas, preparação de jovens, taxistas e voluntários em linguística. Vamos lançar um programa de capacitação em línguas em breve, para que possamos ter a oportunidade de aprender as línguas e conviver com tantas pessoas de fora que vem para cá. Belém vai estar melhor do que está agora, passada essa fase de obras, é questão de tempo”, conclui Cláudio.
Setor diz que não vai contribuir para melhorar questão hoteleira
A falta de perspectiva futura vista pelo setor hoteleiro de Belém é um empecilho para que investimentos na área sejam feitos, visando aumentar a quantidade de leitos para a COP 30. A projeção é que de 70 mil a 85 mil visitantes sejam recebidos na cidade durante as duas semanas de evento. Fernando Soares, assessor jurídico do SHRBS, comenta que esse cenário é devido a um pós-COP incerto. “A COP demora 15 dias. E depois?”, questiona. “Belém não tem vocação turística, não tem praias, montanhas… Não se produz aqui”, acrescenta o porta-voz da entidade.
Outros fatores, como mobilidade urbana, alimentação e formas de pagamento são consideradas pelo Sindicato determinantes para resolver a questão turística para a COP. “O brasileiro não anda com dinheiro, nem cartão, paga mais com PIX, que é uma invenção nacional. Como vamos resolver isso? Nem todas as máquinas de taxistas, ou restaurantes, pegam cartão internacional. Sobre a alimentação, Belém é uma das capitais gastronômicas do país, mas isso não implica dizer que o francês vai comer maniçoba e não vai passar mal. Temos que capacitar em idiomas, informática… Então, tem uma série de gargalos que o governo vai ter que transpor”, considera Fernando.
Ministério quer legado para atrair turistas nacionais e internacionais
O legado pretendido pelo Ministério do Turismo (MTur) é deixar a capital do Pará - uma das principais cidades da Amazônia -, preparada para receber turistas nacionais e internacionais. Com isso, as prioridades, disse o ministro da pasta, Celso Sabino, ao Liberal Amazon, vão desde a ampliação da malha aérea doméstica, até o aumento da quantidade de leitos hoteleiros. “E a oferta de qualificação para os profissionais que irão receber os visitantes durante o evento, de modo a garantir a melhor experiência turística a todos. Acredito fortemente no legado deixado para a cidade Belém, para o estado do Pará e para toda a região da Amazônia”, enfatiza.
A conectividade da região, ainda, é um desafio que deverá ser melhorado. A quantidade de pessoas esperadas para o evento deverá fazer com que os sinais de telefonia não sejam suficientes. “Por isso, estamos trabalhando fortemente e não tenho dúvida que a COP 30 será a melhor COP já realizada e deixará um importante legado para nosso país. Temos uma Escola Nacional de Turismo que irá funcionar em nossa capital, o que mudará o patamar de Belém e de toda a região Norte, frente a outros destinos estabelecidos. O turismo é um importante gerador de emprego e renda e um meio eficaz para a promoção da inclusão social, o que é bom para todo o mundo”, finaliza Celso Sabino.