Quem é da Amazônia provavelmente já ouviu a expressão “curar garganta”, ou mesmo já passou pela experiência: um algodão, embebido em óleos de copaíba e andiroba, mel, gotas de limão e alho amassado, é passado diretamente no fundo da garganta do doente, para resolver uma inflamação no local. O procedimento é desconfortável, mas tanto quem faz quanto quem recebe garantem: é “tiro e queda” e resolve rapidamente o problema.
O resultado anti-inflamatório se deve, em parte, às propriedades do óleo de copaíba, velho conhecido da medicina tradicional amazônica. A chamada oleorresina, extraída das várias espécies do gênero Copaifera, tem conhecida ação anti-inflamatória, cicatrizante, antisséptica e antimicrobiana, todas já estudadas pela ciência. Estudos mais recentes pesquisam também a ação antitumoral do produto, tornando a copaíba uma promessa no combate ao câncer.
A pesquisa mais recentemente publicada a respeito do tema foi a da bióloga Jhéssica Caetano Frota, servidora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), mestre em Biociências pela mesma universidade e doutora em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Tanto no mestrado quanto no doutorado, Jhéssica estudou as atividades antitumorais e anti-inflamatórias da oleorresina de copaíba.
PESQUISA
Jhéssica é natural de Santarém, no Pará, e por isso conhece as propriedades do óleo de copaíba segundo a medicina tradicional da região. “É um produto natural bastante difundido e utilizado na região amazônica. Esse conhecimento etnofarmacológico que veio sendo difundido e passado pelos nossos ancestrais chegou até nós e ainda é utilizado de forma terapêutica, especialmente como anti-inflamatório, como cicatrizante, dentre outras utilizações. Então, tendo em vista esse grande potencial, surgiu o intuito de também estudar esse produto natural na atividade anticâncer. E escolhi pesquisar propriedades antitumorais porque atualmente, infelizmente, a incidência de câncer vem aumentando na população mundial”, explica.
Durante o mestrado, Jhéssica avaliou a capacidade da copaíba em combater células cancerígenas, em pesquisa feita in vitro, em culturas de várias linhagens de câncer, como de mama, de próstata e osteossarcoma. “Avaliei o óleo de copaíba e suas frações volátil e resinosa e os resultados foram promissores. A oleorresina utilizada foi da espécie Copaifera reticulata Ducke, de amostra coletada da Floresta Nacional do Tapajós, em Belterra, no Pará. Os estudos confirmaram a atividade citotóxica [capaz de causar dano ou morte em células tumorais] nas linhagens testadas, o que me levou a ampliar os estudos no doutorado”, relata.
Já na Unicamp, a pesquisadora fez testes in vivo, com camundongos de laboratório. “Induzimos o tumor na pata dos animais e os tratamos com as amostras de copaíba e suas frações. Observamos resultados promissores na diminuição dos tumores, comprovando esse potencial farmacológico. O efeito da copaíba foi capaz de paralisar a proliferação de células das linhagens de glioblastoma, câncer de mama e câncer de pulmão, em todas as concentrações testadas, por exemplo. Também houve ação anti-inflamatória expressiva sobre o edema de pata”, complementa.

Segundo Jhéssica, os resultados mostram a importância de estudos futuros mais aprofundados para o desenvolvimento de novos fitoterápicos anticâncer. “Os estudos realizados foram preliminares, pré-clínicos. Esses achados podem subsidiar estudos futuros mais aprofundados, que passem para a fase clínica, com humanos”, esclarece.
Cientista quer formulações no SUS
O engenheiro químico Valdir Veiga Júnior, professor do Instituto Militar de Engenharia, do Rio de Janeiro, e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), passou toda a vida acadêmica estudando o óleo de copaíba, desde a iniciação científica, na graduação, a partir de 1992. “Durante o mestrado, trabalhei no desenvolvimento de metodologias para a detecção da adulteração dos óleos de copaíba vendidos no País, com óleo de soja ou mesmo diesel adicionados. O resultado dessa adulteração é que os óleos, ao invés de serem anti-inflamatórios, potencializavam as inflamações”, destaca.
Já no doutorado, o pesquisador estudou óleos das principais espécies de copaíba do País. “E, como professor da Ufam, continuei os estudos, descrevendo os constituintes ativos da copaíba para a leishmaniose e doença de Chagas, além de outras ações antimicrobianas. Até hoje os estudos continuam, agora com formulações padronizadas com propriedades cicatrizantes, já testadas em estudos clínicos. Essas pesquisas geraram várias patentes e estamos dialogando com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para os passos finais, para disponibilizar essas formulações para o SUS (Sistema Único de Saúde)”, adianta.
POTENCIAIS
De acordo com Jhéssica Frota, existem mais de 70 espécies do gênero Copaifera no mundo, sendo a maior biodiversidade localizada no Brasil, com 27 espécies. Essas árvores estão distribuídas em todas as regiões do País. Na Amazônia, são catalogadas nove espécies. “A atividade biológica da copaíba, a partir da composição química do óleo que ela produz, é diferente de acordo com vários fatores, como o clima do local onde está, o tipo de solo, o período do ano em que o óleo foi extraído, a temperatura. Tudo isso influencia na concentração dos constituintes químicos do óleo e consequentemente na sua atividade farmacológica”, detalha.

De acordo com Veiga Júnior, todos os óleos de copaíba são muito bioativos, mas cada espécie produz um óleo de composição diferente. “São os mesmos tipos de substância, mas com variações importantes nas quantidades relativas entre os constituintes. Existem muitas diferenças, não só entre as espécies amazônicas e de outras regiões do País, mas também se árvores da mesma espécie e idade estiverem em solos de composição mais argilosa ou arenosa, por exemplo”, destaca.
Embrapa fortalece manejo e cadeia produtiva
Ana Cláudia Guedes, agrônoma da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amapá, atua no fortalecimento da cadeia produtiva de produtos florestais não madeireiros, ou seja, tudo o que se extrai da floresta que não seja madeira, como óleos, frutos, sementes, folhas, raízes, cascas e resinas. Dentre as espécies não madeireiras com que trabalha, está a copaíba.
“Temos trabalhado com a espécie na Estação Ecológica do Jari e na área da Floresta Nacional do Amapá, com as mulheres extratoras de óleos da Associação ‘Sementes do Araguari’”. O coletivo produz e comercializa biocosméticos, como sabonetes, xampus, condicionadores e hidratantes feitos de copaíba e andiroba como alternativa de renda em substituição ao trabalho em atividades de garimpo, que ocorriam na região até 2009.
“A cadeia produtiva da copaíba é bem simples, porque o óleo é extraído do tronco. Por meio de um trado ou uma perfuratriz, o tronco é perfurado e a oleorresina é coletada. Esse material é filtrado, envasado e comercializado in natura, geralmente em feiras. Mas esse óleo também pode ser beneficiado para elaboração de produtos como sabonetes. Nosso papel, na Embrapa, é ajudar a fazer o manejo desses recursos, para que os comunitários sempre tenham a copaíba e os outros produtos não madeireiros”, explica Ana Cláudia.
Para a agrônoma, a copaíba é um importante produto da bioeconomia regional. “E não é qualquer bioeconomia: é uma bioeconomia inclusiva, porque envolve os agroextrativistas de populações tradicionais. Esses extratores da oleorresina de copaíba trabalham de maneira sustentável, com todas as técnicas orientadas pela Embrapa e com uma tecnologia, a perfuratriz mecanizada, que proporciona maior rendimento para um dia de trabalho, já que promove uma perfuração mais rápida do que com o trado manual”, explica.

Conhecimento tradicional
De acordo com Ana Cláudia Guedes, os conhecimentos da medicina tradicional são essenciais para os avanços da pesquisa farmacológica. “É a partir de conhecimentos passados de geração para geração de amazônidas que se iniciam pesquisas para comprovar que aquele produto, que vem sendo utilizado para determinadas enfermidades, tem propriedades que justifiquem seu uso. O potencial da biodiversidade amazônica para a produção de fármacos é imenso. Não sabemos quase nada das espécies medicinais da Amazônia. Mas sabemos que tem um potencial gigantesco”, ressalta.
Embora a copaíba exista em todo o País, sua associação com propriedades terapêuticas é mais fortemente enraizada na região amazônica, a ponto de seu óleo ser chamado de “bálsamo da Amazônia”. Segundo Jhéssica, há muitos usos conhecidos para o óleo na região. “As principais utilizações relatadas da oleorresina de copaíba, na região, são como anti-inflamatório, cicatrizante e também para tratamento de doenças nas vias respiratórias, como bronquite e faringite. Também é usado no tratamento de doenças de pele e mucosas, como dermatite, eczema, feridas e úlceras. É usado até mesmo para picadas de cobra, como antisséptico”, enumera.
A pesquisadora santarena conhece pessoalmente essa aplicação. “Minha mãe conta que minha avó costumava fazer o procedimento de ‘curar a garganta’ com óleos de copaíba e andiroba. Eu nunca tive essa experiência, mas já utilizei o óleo de copaíba ingerindo, quando estava com a garganta inflamada, junto com limão e mel. Também já usei como cicatrizante, passando no local de um ferimento. É algo bem presente no nosso dia a dia”, conta.

“CURAR GARGANTA”
A dona de casa Regina Maranhão, de 64 anos, moradora de Belém, é uma das que mantêm viva a tradição de “curar garganta”. Ela costuma fazer o procedimento nela mesma, quando está com a garganta inflamada. “Tenho esse hábito desde pequena. Aprendi com a minha mãe, que ‘curava garganta’ da molecada da rua. E ela aprendeu com a minha avó. O resultado é imediato, você já sente o alívio. Hoje em dia, muita gente vai direto para o remédio da farmácia, mas eu prefiro os remédios naturais, como copaíba e andiroba. Valorizo esse conhecimento passado por gerações”.
PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção da Liberal Amazônia é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. Os artigos que envolvem pesquisas da UFPA são revisados por profissionais da academia. A tradução do conteúdo também é assegurada pelo acordo, por meio do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multissemiótica.