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DESAFIO EXPLORATÓRIO

Amazônia busca se inserir no mercado global de terras raras

TESOURO - Brasil tem a segunda maior reserva do mundo desses minerais disputados internacionalmente, mas produção ainda é incipiente

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

27/07/2025

Terras raras. A princípio, o termo dá a ideia de materiais dificilmente encontrados na natureza. Mas na realidade eles não são tão raros assim: tratam-se de minerais de um grupo de 17 elementos químicos diferentes que são relativamente abundantes na natureza, mas cuja extração, por meio da separação de outros minérios, é difícil. 


Além desse desafio na exploração, que poucos países dominam, os materiais são, na atualidade, importantíssimos para a indústria tecnológica: são utilizados na fabricação de diversos equipamentos eletrônicos, turbinas eólicas, baterias, eletroímãs potentes e muitos outros aparelhos. Isso torna as terras raras - e sua capacidade de exploração - questões chaves na geopolítica mundial. 


O Brasil, considerado a segunda maior reserva de terras raras do mundo, atrás apenas da China, o maior explorador dos elementos, busca se inserir nesse cenário global. E a Amazônia também faz parte disso: já há reservas conhecidas no Estado do Amazonas e outros locais em exploração. A expectativa é que o País detenha cerca de 21 milhões de toneladas a serem exploradas.

 


Contudo, apesar do enorme potencial, a exploração no Brasil ainda é incipiente. De acordo com Guilherme Ferreira, doutor em Geologia e chefe da Divisão de Geologia Econômica do Serviço Geológico do Brasil (SGB), há apenas uma iniciativa em operação no País, em Goiás, mas já há outros projetos em implantação, como em Minas Gerais, na Bahia e no Amazonas. Além disso, pesquisas apontam para possível exploração em Rondônia, Roraima, Pará e Tocantins. “O potencial da região da Amazônia Legal ainda requer aprofundamento técnico e avaliação detalhada, respeitando a legislação e os compromissos socioambientais”, ressalta o especialista.

RAROS

 

Lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio, lutécio, escândio e ítrio são os 17 minerais que compõem o grupo das terras raras, tão cobiçados internacionalmente. 

 

Dentre as inúmeras aplicações em tecnologia, seu uso se relaciona com a produção de tecnologias verdes, como turbinas eólicas, motores de veículos elétricos, painéis solares e outros equipamentos voltados a fontes renováveis de energia. “Por essa razão, são considerados minerais estratégicos. O Brasil possui grande potencial geológico nesse segmento e o Serviço Geológico do Brasil vem desenvolvendo estudos para identificar áreas com potencial e impulsionar o desenvolvimento da cadeia de valor”, destaca Ferreira.


Uma dessas iniciativas é o Projeto de Avaliação do Potencial de Terras Raras no Brasil, do SGB. “O projeto prevê pesquisas para a avaliação dos depósitos e ocorrências já existentes e a identificação de novas áreas, para ampliar potenciais reservas e a capacidade produtiva desses minerais no Brasil”, explica o geólogo. Além dos estados já citados, há prospecção de terras raras em São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

 

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Guilherme Ferreira (à esquerda) e colega, ambos do SGB, prospectam terras raras em Goiás (Foto: SGB)

China se destaca no cenário internacional

 

A demanda pelos minerais é enorme globalmente, mas a capacidade produtiva é aquém do necessário. A China não só é detentora da maior reserva mundial, como também praticamente monopoliza a tecnologia de extração, que é um desafio, já que é difícil separar as terras raras, com eficiência, dos demais minerais onde são naturalmente encontradas, como tório e urânio, que são radioativos. As tecnologias para a separação e purificação são avançadas e dispendiosas. O Brasil, por exemplo, ainda não domina os processos de separação dos elementos e fabricação dos produtos, e por isso acaba importando tecnologias produzidas a partir de terras raras, como os superímãs. 


Por esse domínio tecnológico, a China é responsável por cerca de 70% da produção global e por 100% do refino das terras raras pesadas (disprósio, térbio, neodímio e praseodímio), utilizadas na fabricação dos superímãs, que têm várias aplicações, como geradores eólicos e motores elétricos.

DISPUTA

 

O cenário acabou se tornando uma disputa mundial entre potências econômicas: os Estados Unidos viram suas exportações desses materiais em risco, após medidas chinesas de restrição no comércio das terras raras para o país norte-americano. No meio dessa guerra comercial, Donald Trump firmou parceria com a Ucrânia para exploração do potencial mineral ucraniano, inclusive de terras raras, como uma retribuição à ajuda que os Estados Unidos têm prestado na guerra contra a Rússia.

 

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De acordo com Mário Tito Almeida, doutor em Relações Internacionais, há uma questão bastante séria no cenário internacional pelo acesso às terras raras, justamente porque a indústria de eletrônicos, de energias renováveis e também de equipamentos militares precisa desses recursos (Foto: Ascom UEPA)


De acordo com Mário Tito Almeida, doutor em Relações Internacionais e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), o conflito internacional envolvendo terras raras não se restringe apenas a Estados Unidos, China, Ucrânia e Rússia. “Existe uma guerra acontecendo na África exatamente por conta das terras raras, um conflito entre Ruanda e República Democrática do Congo, que está sendo de alguma forma estimulado por empresas europeias. Também há disputas na Bolívia e no Peru pelo acesso a esses minerais. Há uma questão bastante séria nesse cenário internacional, pelo acesso às terras raras, justamente porque a indústria de eletrônicos, de energias renováveis e também de equipamentos militares precisa desses recursos”, esclarece Almeida. 


Nesse contexto, segundo o professor, países mais pobres se tornam alvo de interesses internacionais, às vezes até de forma violenta. Já países mais ricos que têm esse minerais aumentam sua influência no sistema internacional. “Quem detém essa tecnologia acaba determinando os rumos do poder no mundo, principalmente porque envolve questões ligadas a fontes energéticas renováveis”, afirma.

 

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De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (SGB), há apenas uma iniciativa em operação no País, em Goiás, mas já há outros projetos em implantação, como em Minas Gerais, na Bahia e no Amazonas (Foto: SGB)

Cenário é delicado para a Amazônia

 

Para Mário Tito Almeida, como o Brasil tem grandes reservas de terras raras, a disputa internacional afeta o País. “É muito estratégico para o Brasil, então é preciso explorar esse potencial investindo em capacitação de pessoal, em pesquisa, para que se possa posicionar claramente e não se perca a oportunidade de gerar desenvolvimento a partir disso. Mas o interesse não é só dos países: é também das empresas transnacionais. Então, é preciso proteger-se e garantir soberania nessas questões”, pontua. 


Quanto à Amazônia, o professor considera um cenário mais delicado ainda. “Além de serem necessários estudos muito próprios para a região, é preciso pensar nas questões ambientais, para equilibrar desenvolvimento e todos os impactos ambientais relacionados à exploração de minérios na região. A Amazônia já tem muitos impactos dessa exploração mais negativos do que efetivamente positivos para a vida da população. Então, as instituições precisam medir esses impactos, valorizando os institutos de pesquisa da própria região e sempre fazendo um diálogo muito sério com as comunidades locais. Isso passa necessariamente pela transparência, em que os interesses sejam claramente colocados e que o equilíbrio do ecossistema seja efetivamente respeitado”, sugere.

Questões socioambientais inviabilizam, diz cientista

 

De acordo com Ponciana Aguiar, doutora em Geologia e Geoquímica e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), apesar de as terras raras serem importantes para a transição energética, já que fazem parte da produção de tecnologias de energia sustentável, sua exploração possui alto risco ecológico e tem sido considerada poluente em vários países.


“Os impactos socioambientais da exploração de terras raras são muitos e diversificados. A mineração é a atividade que mais degrada solos, ar, relevo, águas, florestas e populações que vivem nela. Os riscos de um desequilíbrio ecológico em bacias hidrográficas de rios no Estado do Amazonas, onde já foram descobertas terras raras, são muito altos e podem trazer consequências devastadoras aos povos originários da Terra Indígena Pitinga, até porque os resíduos dessa mineração possuem material radioativo altamente perigoso, que pode levar a doenças agudas e morte”, alerta a pesquisadora.


Por todo esse potencial de impactos, Ponciana vê a exploração de terras raras como inviável na Amazônia, atualmente. “O Brasil ainda não possui tecnologias para processamento de terras raras, o que viria a trazer lucros para poucos e venda de matéria-prima barata para exportação. O País deveria primeiro investir em avanços tecnológicos de produção e processamento de terras raras e principalmente em formas de geração mínima de impactos socioambientais e ao clima”, opina.

PESQUISA

 

Os avanços tecnológicos indicados por Ponciana para a extração mais sustentável das terras raras, já estão sendo pesquisados no País, bem como os potenciais de aplicabilidade desses minerais na tecnologia. 

 

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De acordo com Querem Rebelo, doutora em Física e professora da Ufopa, o projeto “Materiais Avançados à base de Terras Raras: Inovações e Aplicações” (Materia) pretende ajudar a estruturar a cadeia produtiva das terras raras, desde a extração e processamento até a reciclagem dos elementos (Foto: Arquivo pessoal)


Em abril deste ano foi anunciado um aporte de R$ 10,2 milhões para as atividades do projeto Materiais Avançados à base de Terras Raras: Inovações e Aplicações (Materia), ligado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT). A iniciativa, que envolve quinze instituições de pesquisa, pretende impulsionar o desenvolvimento de materiais inovadores à base dos minerais e fortalecer a soberania tecnológica do país, com impactos para a energia renovável.


O projeto é coordenado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e conta com duas outras instituições amazônicas: Instituto Federal do Amazonas (Ifam) e Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). A iniciativa tem três frentes fundamentais de pesquisa: extração sustentável das terras raras brasileiras; estudos sobre cerâmicas complexas, utilizadas em dispositivos optoeletrônicos, sensores e outros equipamentos de ponta; e desenvolvimento de ímãs permanentes, essenciais para motores de veículos elétricos, turbinas eólicas e equipamentos industriais.


De acordo com Querem Rebelo, doutora em Física e professora da Ufopa, o projeto pretende ajudar a estruturar a cadeia produtiva das terras raras, desde a extração e processamento até a reciclagem dos elementos. “Além disso, pretendemos desenvolver materiais inovadores, como materiais magnéticos, catalisadores. E a Ufopa desempenha um papel estratégico na prospecção e caracterização mineralógica desses materiais. Meu trabalho é determinar as propriedades estruturais, ópticas e magnéticas desses compostos, tanto os que são encontrados, como também os que vão ser sintetizados, produzidos a partir desses elementos”, esclarece a especialista. 


Para ela, a participação de institutos de pesquisa amazônicos nesse contexto é essencial. “Esse projeto traz a Ufopa para o cenário nacional da cadeia de terras raras, integrando uma rede nacional multidisciplinar voltada à mineração sustentável e ao desenvolvimento de novos materiais, contribuindo para o desenvolvimento regional”, enfatiza.

FUTURO

Guilherme Ferreira, do SGB, afirma que o Brasil tem grande potencial diante da crescente demanda global pelas terras raras, estratégicas na transição energética. “O País já é reconhecido como um player nesse mercado e pode consolidar ainda mais sua posição no curto e médio prazo, à medida que projetos evoluírem para a produção comercial. Assim, o Brasil pode se tornar um dos polos produtores mundiais destes bens, se investir na cadeia produtiva completa, com responsabilidade socioambiental”, conclui o geólogo.
 

 

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