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MANEJO

Restauração florestal alia produtividade à sustentabilidade

INOVAFLORA - Pesquisas apontam que o uso de espécies vegetais nativas são um trunfo na recuperação de solos e no fomento às atividades de pequenos produtores

Lidyane Albim | Especial para O Liberal

13/12/2024

A falta de experiência e conteúdo técnico de manejo de espécies nativas quase fez o agricultor Antônio Maurício da Silva Batista, morador de Itupiranga, sudeste do Pará, perder tudo o que cultivava na pequena propriedade onde mora com a família. “Eu tinha muita vontade de cultivar cacau. Consegui plantar uns mil pés, mas como eu não tinha conhecimento, nem ninguém que me incentivasse e me explicasse direitinho como é o manejo do cacau, eu acabei perdendo boa parte dessa plantação. Dos mil pés, sobraram uns 40. Não sabia como plantar e manejar para ter um fruto bom. Acabou queimando desordenadamente a área e, da feita que a plantação de cacau queima, ela não volta mais”, conta o agricultor de 52 anos.

 

Em 2020, ele e outros produtores do município receberam a visita de técnicos da Embrapa Amazônia Oriental, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, para uma proposta que, até então, era novidade para Antônio: recuperar áreas florestais alteradas pela ação humana, utilizando espécies nativas da flora amazônica e organizando as espécies em plantios sustentáveis e diversificados. Era o início de um projeto chamado Inovaflora, que foi criado para a região, baseado na restauração produtiva da floresta e que recupera as áreas alteradas com foco na produção.

 

 

“O Inovaflora foi uma iniciativa apoiada pelo Fundo Amazônia. Nós reforçamos a restauração florestal por meio deste edital. Desde os anos 1970, a Embrapa tem seus experimentos com espécies de rápido crescimento que podem ser utilizadas em alternativas de rápida reprodução. Com a degradação e o boom da preocupação com o bioma amazônico, nós recuperamos as áreas alteradas, diversificando e melhorando essa produção que atende a indústrias e outros segmentos. Levamos duas ou três espécies diferentes para compor um sistema produtivo que possa atender o pequeno produtor familiar das comunidades tradicionais do bioma”, afirma a líder do projeto, Michelliny Pinheiro de Matos Bentes, pesquisadora da Embrapa Oriental.

 

Michelliny Bentes explica que a escolha da região sudeste paraense para a implantação do Inovaflora foi motivada pelo grande número de assentamentos agrários, com grande histórico de degradação dos solos e queimadas em larga escala. A preocupação da equipe era evitar que os pequenos produtores quisessem se espelhar no padrão de cultivo dos grandes. Por isso, uma das regras para a adesão ao projeto era o compromisso de não desmatar durante três anos.

 

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Antônio Maurício da Silva Batista quase perdeu tudo o que cultivava em uma pequena propriedade por falta de de experiência e conteúdo técnico de manejo de espécies nativas (Imagem: Arquivo pessoal)

QUALIFICAÇÃO

Os agricultores também receberam qualificação sobre legislação ambiental e técnicas sustentáveis de plantio, para recuperar as áreas cujo manejo não era corretamente orientado. Das 14 famílias inscritas, no entanto, apenas a metade permaneceu seguindo à risca as orientações da Embrapa até 2022, quando o projeto encerrou as atividades. Mas, com financiamento aprovado pelo CNPQ, a expectativa é investir em pesquisa e atrair novos investidores e mais agricultores.

 

“Nós vamos conseguir manter o monitoramento das atividades e, a partir disso, a pesquisa coleta as informações técnicas que irão validar e referenciar esses sistemas. Dessa forma, vamos buscar conhecer que formas e modelos são viáveis para se utilizar com o público da agricultura familiar, que é menos privilegiado em termos de financiamento”, afirma Michelliny Bentes.

 

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Michelliny Bentes, pesquisadora na Embrapa Amazônia Oriental, lidera projeto Inovaflora (Foto: Carmem Helena/O Liberal)

Florestas multifuncionais


Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) publicada na revista Sustainability Science aponta que a restauração florestal pode proporcionar benefícios para o meio ambiente e para a economia. Segundo Pedro Krainovic, primeiro autor do estudo e bolsista de pós-doutorado apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no Instituto de Estudos Avançados da USP, essa é uma das alternativas mais concretas de enfrentar as mudanças climáticas antropogênicas, ou seja, que foram provocadas por ação humana. Mas, para isso, é necessário pensar em estratégias para impulsionar o desenvolvimento econômico, social e ambiental de maneira sustentável.

 

“A restauração florestal ainda é vista por muita gente como uma atividade pouco competitiva de uso do solo. Na minha pesquisa temos como objetivo melhorar a relação entre custo, efetividade e atratividade da restauração florestal, reforçando as possibilidades de integração dessa agenda com a agenda da bioeconomia e, assim, aumentar a probabilidade de cumprimento dos acordos globais pró-clima, com ênfase no aumento de escala da restauração florestal”, explica Krainovic.

BIOECONOMIA

Para o pesquisador, dentre os maiores desafios para incentivar a integração da restauração florestal com a agenda da bioeconomia, utilizando o potencial das florestas multifuncionais, estão: o negligenciamento das comunidades locais, o que aumenta a probabilidade de crimes ambientais como a biopirataria; a ausência de políticas públicas que apoiem a restauração florestal e a bioeconomia, para evitar que povos tradicionais e a própria floresta sejam explorados de maneira inadequada; e a falta de investimento financeiro que incentiva o aproveitamento de espécies arbóreas nativas, o que prejudica a restauração de florestas multifuncionais em larga escala.

 

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Pedro Krainovic estuda a relação entre custo, efetividade e atratividade da restauração florestal (Foto: Arquivo pessoal)

Sustentabilidade para virar páginas da história


Se hoje os olhos do mundo estão voltados para o uso consciente da natureza, em um passado não tão distante a mesma floresta era vista como uma barreira a ser, literalmente, derrubada. O lema do governo brasileiro durante o regime militar (1964-1985) - “Integrar para não entregar” - ajudou não apenas a manter a Amazônia sob as rédeas nacionais, mas também a fomentar a instalação de grandes projetos de ocupação e desenvolvimento econômico no coração da floresta. De acordo com a professora de História, Bárbara Palha, desde a colonização existe essa preocupação em preencher o vazio florestal, mas o impulso ao crescimento econômico brasileiro durante a Ditadura foi o mote para impulsionar a ocupação desordenada e o uso desenfreado dos recursos da fauna e flora.

 

“No governo militar houve uma das maiores - se não a maior - intervenção federal da Amazônia até então, utilizando-se da retórica da ocupação territorial, vazio demográfico, daí o incentivo a grandes projetos de exploração de minério, construção de hidrelétricas, projetos de colonização da Transamazônica, ampliação da malha rodoviária - integrar a região via terrestre. Houve um grande incentivo fiscal a projetos agropecuários, energéticos e minerometalúrgicos, não apenas para aumentar o lucro, mas também para diminuir as atividades que eram características da região, como atividades extrativistas e de subsistência, consideradas atividades que levaram ao subdesenvolvimento, ao atraso e que eram empecilho ao desenvolvimento econômico”, detalha Bárbara Palha.

 

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De acordo com a professora de História, Bárbara Palha, desde a colonização existe a preocupação em preencher o vazio florestal (Foto: Arquivo pessoal)

“Precisamos investir na reformulação da consciência”


O doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) Gregório Duarte, destaca que a lógica econômica de ocupação da Amazônia transformou a floresta em um campo a ser violentamente desbravado, por conta da relação que se estabeleceu entre homem e natureza no sistema de produção. E é necessário investir em educação para que este vínculo possa ser reformulado, preservando os direitos de todas as vidas que habitam a floresta.

 

“Precisamos investir na reformulação da consciência ambiental e ecológica. Significa dizer que a natureza não é exclusivamente uma fonte de extração, de lucro e de apropriação do homem. Pelo contrário: há um consenso com relação ao fato de que a forma pela qual se desenha essa relação entre homem e natureza não pode mais perpetuar e por uma razão específica: a natureza não suporta mais esse tipo de desenvolvimento. É público o fato de que os recursos naturais presentes no planeta terra não dão mais conta diante da forma como o capitalismo se relaciona com a natureza”, argumenta Bentes.

 

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“Precisamos investir na reformulação da consciência ambiental e ecológica. Significa dizer que a natureza não é exclusivamente uma fonte de extração, de lucro e de apropriação do homem", diz o cientista político Gregório Duarte (Foto: Arquivo pessoal)

APELO

 

Foi o que aconteceu com o agricultor Antônio Batista, que precisou refazer a sua vida depois da perda da plantação de cacau. Também chegou a ver a nascente do rio que banhava a propriedade secar por completo, porque, segundo ele, desmatar e plantar capim garantiria um retorno financeiro maior. Mas, depois de diversificar a plantação, respeitando o tempo e o espaço da natureza, e ver a nascente “jorrando água”, ele se orgulha de ver o solo diversificado e brotando novamente. E faz um apelo aos governantes para que a mudança também venha de cima: “Vamos cuidar do nosso planeta. Vamos cuidar do nosso Brasil que é muito rico em floresta”.

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção do Liberal Amazon é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. A tradução do conteúdo é realizada pelo acordo, através do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multisemioses.