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“MANGUES DA AMAZÔNIA”

Projeto promove reflorestamento e educação ambiental

RIQUEZA - Iniciativa garante conservação de ecossistema rico em biodiversidade e com alto potencial de sequestro de carbono

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

15/02/2025

A Amazônia abriga a maior faixa contínua de manguezal do mundo, com quase 8 mil quilômetros quadrados de extensão, nas costas do Amapá, Pará e Maranhão. É uma área rica e biodiversa, por conta do grande volume de matéria orgânica carregado pelos rios amazônicos e depositados no litoral, o que confere aos mangues da região características especiais em relação a outras áreas de mangue do País.


De acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e do Instituto Tecnológico Vale (ITV), até o momento menos de 1% dessa faixa contínua de mangues na Amazônia foi impactado por atividades humanas, revelando alto grau de conservação. Isso se deve a fatores como baixa densidade populacional dessas áreas costeiras e ao difícil acesso aos manguezais da região.

 


Ainda assim, já são encontrados pontos de degradação em áreas próximas a concentrações urbanas, principalmente no município de Bragança, no Pará. “É em Bragança onde se encontra o maior impacto sobre os manguezais da costa amazônica, na PA-458, cujo impacto negativo degradou cerca de 90 hectares que ainda não foram recuperados desde o início da década de 1970”, aponta o biólogo Marcus Fernandes, coordenador do Laboratório de Ecologia de Manguezal (Lama) da UFPA - Campus Bragança. A rodovia interliga a sede de Bragança à praia de Ajuruteua e sua construção foi responsável por vários impactos ambientais, como o aterramento de áreas de mangue, a alteração de fluxos de maré e morte de flora e fauna.

DEGRADAÇÃO

 

“Adicionalmente, vários locais ao longo da região de manguezal são alvo da extração de madeira para construção de currais de pesca, construção civil e uso como lenha e movelaria, além da captura intensiva de caranguejos-uçá, o que têm contribuído para a degradação dos manguezais”, complementa Fernandes.


Justamente para evitar o avanço da degradação, promover reflorestamento das áreas afetadas, realizar pesquisas dentro do ecossistema e levar educação ambiental à população da região, um projeto, denominado “Mangues da Amazônia”, atua na região desde 2021. “Buscamos aplicar uma abordagem preventiva, para promover a conservação e o uso sustentável dos manguezais e seus serviços ecossistêmicos”, afirma Marcus Fernandes, um dos especialistas que trabalha na iniciativa.

 

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“Buscamos aplicar uma abordagem preventiva, para promover a conservação e o uso sustentável dos manguezais e seus serviços ecossistêmicos”, afirma Marcus Fernandes, um dos especialistas que trabalha na iniciativa (Foto: Arquivo pessoal)

Três Resex Mar recebem primeira fase

 

De acordo com John Gomes, engenheiro de pesca e gestor do projeto “Mangues da Amazônia”, a ideia surgiu dentro da universidade, mas contou com parcerias para se concretizar. A iniciativa é realizada pelo Instituto Peabiru em colaboração com a Associação Sarambuí e o Laboratório de Ecologia de Manguezal (LAMA), da UFPA, com patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental. “Nos unimos para submeter a proposta à Petrobras e fomos agraciados pela aprovação em edital”, conta Gomes.


O projeto atua em três eixos principais: reflorestamento, educação ambiental e pesquisa técnico-científica. A primeira fase do projeto ocorreu entre 2021 e 2023, nas Reservas Extrativistas Marinhas (Resex Mar) de Tracuateua, no município de Tracuateua, Resex Mar de Caeté-Taperaçu, em Bragança, e Resex Mar de Araí-Peroba, município de Augusto Corrêa.


Nos primeiros dois anos de atuação, o projeto obteve resultados significativos, sempre com a participação da população local. As ações de reflorestamento, por exemplo, ocorreram a partir de conversas com as comunidades, que apontaram as áreas mais degradadas. “Nesse período, foram reflorestados 14 hectares, sendo 35 hectares monitorados nas bordas das áreas reflorestadas. Construímos dois viveiros para a produção de mudas das três principais espécies de mangue (mangue-vermelho, mangue-preto e mangue-branco). No total, foram plantadas 204.372 mudas, com potencial de fixação de 440 toneladas de carbono ao ano e potencial de retirada de mais de 23 mil toneladas de gases do efeito estufa da atmosfera”, detalha Marcus Fernandes. Depois do reflorestamento, as áreas recuperadas são monitoradas para acompanhamento de informações sobre sobrevivência, mortalidade e crescimento.

 

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Área de reflorestamento. Na primeira fase do projeto, foram reflorestados 14 hectares, sendo 35 hectares monitorados nas bordas das áreas reflorestadas (Foto: Amisterdan Botelho)

Pescadores locais partilharam conhecimento

 

Segundo Marcus Fernandes, os resultados não seriam possíveis sem a participação ativa das comunidades-alvo do projeto em todas as etapas, desde a coleta de sementes, produção de mudas, plantio e monitoramento das áreas reflorestadas. 


Além disso, o mapeamento de áreas de pesca do caranguejo-uçá e de corte de madeira, para o planejamento de ações preventivas ou de manejo também foram realizadas em parceria. Em cada comunidade-polo o mapeamento foi realizado por meio de reuniões presenciais com os pescadores locais, que indicaram no mapa as áreas utilizadas, como acessá-las – a pé, de canoa, de rabeta –, o grau de acessibilidade – fácil ou difícil – e a quantidade de pescadores que compartilham atividades nessas áreas. Depois das reuniões, pesquisadores e pescadores seguiram em expedições para o reconhecimento em campo. 


“Com base no conhecimento tradicional dos pescadores locais, registramos mais de 500 áreas de pesca do caranguejo-uçá dentro dos limites das reservas focalizadas pelo projeto Mangues da Amazônia. Elaboramos planos de manejo para a extração do caranguejo e da madeira de mangue. Esses resultados demonstram o sucesso da integração entre conhecimento científico e conhecimento tradicional, promovendo a conservação dos manguezais e o desenvolvimento sustentável das comunidades envolvidas”, afirma Fernandes.

SEGUNDA FASE

 

No ano passado, teve início a fase dois do projeto, após renovação com a Petrobrás. A nova etapa aumentou o número de Resex Mar atendidas: além das três anteriores, foi incluída a de Gurupi-Piriá, no município de Viseu, também no Pará. A expectativa é recuperar mais 24 hectares de áreas degradadas e atingir 5.620 participantes diretos, dos quais aproximadamente 70% crianças e adolescentes.

 

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De acordo com o gestor John Gomes, a segunda fase também dará a oportunidade de implementar ações que foram testadas na primeira fase, sobretudo na área educativa e cultural junto às comunidades (Foto: Divulgação)


De acordo com o gestor John Gomes, a segunda fase também dará a oportunidade de implementar ações que foram testadas na primeira fase, sobretudo na área educativa e cultural junto às comunidades. “O nosso trabalho, na verdade, é de sensibilização. A gente usa o reflorestamento para sensibilizar as pessoas que esse ecossistema é importante para elas, de várias formas, seja para obter alimentos ou pelos outros serviços ecossistêmicos que ele oferece. A gente usa essa sensibilização na educação e na cultura para que elas preservem e a gente continue tendo a maior faixa contínua de manguezal do mundo. Já atingimos mais de cinco mil pessoas diretamente”, afirma.

AlfaMangue facilita a alfabetização de crianças

 

As atividades de educação ambiental envolvem iniciativas como o AlfaMangue, que facilita a alfabetização de crianças entre 7 e 12 anos utilizando a temática do manguezal; o Clube do Recreio, que promove atividades lúdicas para crianças de 3 a 6 anos em contato com a natureza e o manguezal; o Clube de Ciências, para crianças de 10 a 14 anos com atividades de iniciação científica com ênfase no ecossistema manguezal; e o Jovens Protetores do Mangue (Promangue), que forma jovens de 15 a 23 anos em serviços ecossistêmicos do manguezal, comunicação não violenta, vídeo de bolso, direitos humanos, entre outros temas. Além disso, são promovidas ações sociais e culturais, como rodas de conversa com equipe psicossocial e o CineResex, que leva sessões de cinema para as comunidades.  


John Gomes conta que o apoio às comunidades parte das demandas que elas próprias apresentam. “Eles vão dizendo algumas dores deles e a gente vai tentando oferecer suporte para que a gente possa melhorar sua condição. Então, quando falam que a criança está com dificuldade de alfabetização, de leitura, a gente oferece o AlfaMangue para eles. Essa é a importância de a comunidade estar inserida, porque ela realmente discute com a gente e a gente vai tentando desenhar as ações, dentro do nosso escopo”, diz o gestor do projeto.

 

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“Mangues da Amazônia” promove o projeto “Escola vai ao mangue”, que ensina estudantes sobre o ecossistema e educação ambiental (Foto: Divulgação)

CINEMA

 

Para o pescador Moisés Araújo, da comunidade Acarpará, de Bragança, o principal benefício do projeto tem sido a conscientização da comunidade. “Por exemplo, as atividades dos Protetores do Mangue ou o CineResex que, além de conscientizar, também trouxe algo novo a que a comunidade não tem acesso, que é o cinema. E o replantio, junto com as escolas, faz a comunidade ter consciência do seu papel nessa recuperação. Antes não tínhamos muita consciência de que havia áreas degradadas, que precisamos preservar”, avalia o ribeirinho.


De acordo com Araújo, já é possível perceber efeitos práticos das ações. “Nas áreas recuperadas, já podemos perceber a presença do caranguejo, que antes não estávamos mais encontrando nas áreas degradadas. E o maior lucro que nós temos, enquanto comunidade, é o da conscientização, para que tenhamos uma vida melhor, uma vida digna, caminhando lado a lado com a natureza e tendo a natureza como amiga”, reflete. Moisés atuou desde início no projeto, como voluntário, mas hoje em dia é contratado, o que se transformou em geração de renda para ele e sua família.

 

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Pescador Moisés Araújo foi voluntário desde o início do projeto e é agora contratado do “Mangues da Amazônia” (Foto: Divulgação)

Um dos ecossistemas mais produtivos do planeta

 

Segundo o biólogo Marcus Fernandes, o mangue amazônico é um dos ecossistemas mais produtivos do planeta. “As ações do projeto ajudam a conservar a biodiversidade dos manguezais, que funcionam como berçários para diversas espécies marinhas e terrestres. O reflorestamento protege a fauna marinha e terrestre, que depende desse ambiente para reprodução, desenvolvimento dos filhotes, alimentação e local de descanso e refúgio”, explica o especialista.


Uma outra grande vantagem da preservação dos manguezais amazônicos é seu potencial de captura e armazenamento de carbono. “Os manguezais têm um alto potencial de sequestro de carbono, superando diversos outros ecossistemas terrestres e aquáticos. Isso acontece porque acumulam grandes quantidades de matéria orgânica no solo, onde o carbono fica armazenado por séculos ou até milênios. Em comparação com outros sistemas, os manguezais da região amazônica chegam a armazenar até três vezes mais carbono por hectare do que florestas tropicais”, aponta Fernandes.

EQUILÍBRIO

 

Outros benefícios incluem a estabilidade do solo, a redução da erosão, a proteção das comunidades ribeirinhas do aumento do nível dos oceanos, a manutenção da qualidade da água e a garantia do equilíbrio ecológico dos estuários e zonas costeiras. “Promover o equilíbrio ambiental na faixa costeira garante a segurança alimentar e econômica dos moradores locais com a provisão de recursos pesqueiros e florestais, o que gera o desenvolvimento sustentável na zona costeira”, enfatiza Fernandes.

 

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John Gomes lembra o papel social e educativo do projeto: “É uma oportunidade para as comunidades" (Foto: Amisterdan Botelho)


Já Gomes lembra o papel social e educativo nesse processo. “Quando a criança consegue ler, consegue escrever, vai até a universidade, visita laboratórios, consegue olhar outro universo além do que está habituada a olhar diariamente, é uma oportunidade para essas comunidades. O projeto é essa entrega, para a gente tentar fazer o mínimo no combate às mudanças climáticas e para as comunidades que não acessam alguns direitos”, afirma o gestor.
 

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
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