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AMAZÔNIA

Pesca e aquicultura sustentáveis são alternativas para preservação

ECONOMIA - Atividades têm menor impacto ambiental que outras relacionadas à pecuária, mas exigem gestão, monitoramento e fiscalização

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

08/03/2025

Entre 23 e 25 de abril, Belém sediará o IFC Amazônia (International Fish Congress & Fish Expo Brasil). O congresso é considerando um evento pré-Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), porque pretende debater pesca e aquicultura na região amazônica como uma alternativa econômica sustentável, em consonância com as preocupações do evento de reduzir as emissões de gases do efeito estufa e de evitar a derrubada das florestas. 


Durante a convenção, será debatida e construída a “Carta de Belém”, que vai propor a pesca e a aquicultura como as melhores alternativas de produção de proteína animal sustentável para o planeta, em particular, para a Amazônia. O documento, que já vem sendo elaborado por especialistas, vai ser debatido por entidades nacionais e setores pesqueiro e aquícola durante o IFC e concluído para ser apresentado no Pavilhão Oceano na COP 30.

 


De acordo com Altemir Gregolin, presidente do IFC Amazônia, médico veterinário e ex-ministro da Pesca e Aquicultura, a produção de pescado é a atividade pecuária que tem menos impacto ambiental. “Primeiro, é a atividade que menos emite gases de efeito estufa, sete vezes menos que a produção bovina. Segundo, é a atividade que tem a melhor conversão alimentar, ou seja, exige menor quantidade de alimento para produzir um quilo de alimento. Para o bovino, são necessários oito quilos de alimento para cada quilo de carne. Para a tilápia, por exemplo, são 1,2 kg de ração para cada quilo de proteína. É menos alimento e energia para produzir. E terceiro, porque produz sem derrubar floresta. Então, se a COP se propõe a construir alternativas econômicas viáveis e sustentáveis para os 30 milhões de habitantes da Amazônia, a produção de pescado é uma dessas alternativas”, afirma.

POTENCIAL

 

Gregolin explica que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) prevê um aumento de consumo de pescado de cinco quilos por habitante ao ano, até 2050, o que exige a produção de 50 milhões de toneladas do alimento. Para ele, o Brasil tem melhores condições que a maioria dos países de ampliar a produção, por ter uma costa gigantesca e a maior reserva de água doce do mundo, além de matéria-prima para ração, como milho e soja. 

 

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De acordo com Altemir Gregolin, presidente do IFC Amazônia, médico veterinário e ex-ministro da Pesca e Aquicultura, a produção de pescado é a atividade pecuária que tem menos impacto ambiental (Foto: Ivan Duarte/O Liberal)


 

“Então, nós temos condições, segundo a FAO, de produzir pelo menos 20 milhões de toneladas de pescado ao ano. É a mais nova fronteira de produção de alimentos na agropecuária brasileira. As cadeias de frangos, suínos e bovinos foram prioridades das políticas públicas nacionais, mas só nos últimos 20 anos o pescado passou a receber mais investimentos. Já somos grandes exportadores, inclusive, a região amazônica, especialmente na piscicultura, com tambaqui, matrinxã e pirarucu”, aponta.
 

O veterinário defende maior exploração da atividade na região. “Vamos desenvolver essa atividade. O Pará e a Amazônia têm muita familiaridade, porque têm grande consumo de pescado, as pessoas têm relação com a produção e que pode gerar emprego e renda, além de segurança alimentar. Pela localização geoestratégica da Amazônia, podemos exportar para vários lugares. Por meio de uma política de apoio com crédito, assistência técnica, infraestrutura, organização da cadeia, podemos dar viabilidade a essa atividade e promover um processo de crescimento muito rápido desta produção”, opina.

Amazônia tem exportação expressiva de aquicultura

 

De acordo com o ex-ministro, o Pará e o Amazonas têm exportações expressivas de camarão, pargo e piramutaba. “O Pará exporta mais de 70 milhões de dólares de pescado. Ou seja, 20% de todo o pescado exportado pelo Brasil é do Pará. Fica em primeiro ou segundo lugar, junto com Santa Catarina. Tanto a pesca de água doce e água salgada são importantíssimas. Em 2023, o Pará cresceu 30% na área da piscicultura, inclusive por conta de incentivos governamentais, que deram mais segurança jurídica e trouxeram atração de investimentos”, aponta. 
 

Outro exemplo que Gregolin considera bem sucedido é o estado de Rondônia, hoje o maior produtor de peixes nativos do Brasil, com mais de 60 mil toneladas, tanto para consumo externo quanto para exportação. 

 

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Gregolin defende maior exploração da atividade pesqueira na região. “Vamos desenvolver essa atividade. O Pará e a Amazônia têm muita familiaridade, porque têm grande consumo de pescado", diz. (IFoto: Tarso Sarraf/O Liberal)


 

Para Gregolin, a grande aposta para o crescimento da produção não está na pesca, mas na aquicultura, que é o cultivo não apenas de peixes (piscicultura), como também outros organismos aquáticos, como camarão e ostra. “Há trinta anos, a pesca tem uma produção estável a nível mundial, em torno de 90 milhões de toneladas e, no Brasil, 700 mil toneladas. Não temos a expectativa de elevar essa produção, apenas melhorar a qualidade. Mas a aquicultura é o grande potencial, inclusive da região amazônica, que tem a maior reserva de água doce do mundo, clima extremamente favorável e espécies nobres, como tambaqui e pirarucu. É uma atividade que você consegue fazer a gestão e desenvolver de forma estratégica. A Amazônia pode ser um grande polo produtor mundial de pescado e exportar para o mundo, além de produzir muito alimento pro mercado interno”, destaca. 
 

A ideia do veterinário é criar a marca “Pescado da Amazônia” para colocar o produto nos mercados nacional e internacional, agregando valor e garantindo a sustentabilidade.

ACORDO DE PESCA

 

Para ser sustentável e se perpetuar no tempo, a pesca precisa ser bem gerida. “Aí vem a consciência do pescador e, principalmente, o papel dos governos de fazer uma boa gestão, monitoramento dos estoques. É preciso investir em estatística pesqueira, ou seja, saber o quanto se pesca, e haver fiscalização”, pontua Gregolin.

 

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“Os Acordos de Pesca são estabelecidos entre as comunidades que vivem em um território de pesca artesanal. A própria comunidade acorda, entre si, as regras para aquela determinada área, para que haja a gestão desses recursos naturais em comum”, explica Rodolpho Zahluth Bastos, secretário adjunto da Semas (Foto: Agência Pará)


 

Uma das estratégias que podem garantir a sustentabilidade da atividade são os acordos de pesca. No Pará, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) já firmou doze acordos junto a famílias ribeirinhas que praticam a pesca artesanal. O objetivo é evitar a sobrepesca e preservar a biodiversidade dos rios.
 

“Os Acordos de Pesca são estabelecidos entre as comunidades que vivem em um território de pesca artesanal. A própria comunidade acorda, entre si, as regras para aquela determinada área, para que haja a gestão desses recursos naturais em comum”, explica Rodolpho Zahluth Bastos, secretário adjunto da Semas.
 

Os documentos são construídos pelos próprios ribeirinhos, com a Semas como mediadora e orientadora do diálogo, o que pode levar até seis meses, em debates durante assembleias comunitárias. “O objetivo da Semas é respeitar essa tradicionalidade da discussão, o ritmo da comunidade, de como ela quer abordar e tratar a definição dessas regras do acordo”, ressalta Bastos.

MOTIVAÇÃO

 

O secretário adjunto pontua que os acordos precisam ser estabelecidos por dois motivos principais. O primeiro é a presença dos chamados “geleiros” nas áreas em questão, barcos com alta capacidade de armazenamento de peixes, que costumam usar redes de arrasto. Também chamadas de arrastão, elas capturam tudo o que houver em seu caminho, levando toda a fauna aquática local e deixando as famílias ribeirinhas sem sua base alimentar. “O outro motivo são regras que precisam ser definidas para a prática dos próprios ribeirinhos, como o tamanho das malhas da pesca. Se um determinado pescador pesca com uma malha pequena, ele vai forçosamente pescar um peixe que ainda não está em fase adulta, o que vai dificultar a reprodução da espécie e afetar futuramente a disponibilidade de pesca naquela região. É uma forma de garantir o futuro e a sustentabilidade da pesca naquele lugar”, destaca.


Bastos lembra que os acordos garantem não apenas a perpetuação da própria pesca. “Eles funcionam também como mecanismos de proteção das florestas, porque garantem que aquelas comunidades continuem exercendo sua principal atividade socioeconômica e de soberania alimentar e não busquem outros meios de sobrevivência”, lembra.

Quinze acordos com comunidades paraenses estão em construção

 

Dos doze acordos já firmados com as comunidades em várias regiões do Pará, os maiores estão no oeste do estado, em áreas dos municípios de Santarém, Oriximiná, Óbidos, Juruti e Monte Alegre. “Mas temos também o acordo de Cametá, que envolve mais de 40 comunidades; o do Rio Maúba, em Abaetetuba e Igarapé-Miri; e, mais recentemente, o acordo do camarão-da-Amazônia, que inclui os municípios de Curralinho e Oeiras do Pará e é o primeiro que envolve camarão”, conta Bastos.

 

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Além dos doze acordos implementados, que envolvem 309 comunidades e 18 mil famílias ribeirinhas, há mais quinze em construção (Foto: Everaldo Nascimento/O Liberal)


 

Além dos doze acordos implementados, que envolvem 309 comunidades e 18 mil famílias ribeirinhas, há mais quinze em construção. “Nosso desafio, daqui para frente, é a conclusão dos próximos quinze que estamos em tratativa. Outros devem surgir, mas também vamos avaliar e fazer o monitoramento da efetividade dos acordos que já existem e fazer ajustes se necessário. Porque o trabalho não termina com a conclusão do acordo e a sinalização dos territórios: a Semas vai acompanhar por dois anos a evolução disso, fornecer embarcações para monitoramento, coleta de dados e devolutiva para as comunidades”, esclarece o secretário.

SINALIZAÇÃO

 

Após o estabelecimento do acordo, a Semas realiza a sinalização dos territórios com placas, para determinar visualmente a área abrangida. As placas marcam não apenas os locais, como listam as regras do acordo. “Isso é bastante importante, porque minimiza que vá alguém de fora para pescar naquela área sem saber que ali existem regras que precisam ser cumpridas. Pode fazer com que se afastem um pouco daquela área e, assim, não afetem aquela comunidade que sobrevive da prática pesqueira”, diz o gestor.
 

O pescador Afonso Farias, envolvido no Acordo de Pesca do Igarapé Nhamundá, em Oriximiná, ressalta a importância das placas. “Aqui está explicando tudo, o que pode e o que não pode. Se as pessoas fizerem errado, é porque estão querendo fazer. O povo da nossa região e as pessoas que passam por aqui podem ver que existe o acordo”, afirma. 
 

Farias, nascido e crescido na região, conta que pesca para a própria sobrevivência. “Sou pescador artesanal e pesco dia sim, dia não, somente para os nossos alimentos, para que não falte em casa. Nosso lago tem pirarucu, tambaqui, tucunaré, peixe-boi, tracajá, jacaré. Precisamos preservar para ver o aumento deles”, reflete.

FUTURO

 

O pescador Moacir Batista, do distrito de Curuai, na região do Lago Grande, em Santarém, também reconhece a importância do acordo de pesca da região. “O acordo com certeza beneficia a nossa região, que envolve três municípios, Santarém, Óbidos e Juruti. Foi muita luta e muita conversa para poder aprovar algo que é importante para manter o nosso estoque pesqueiro, respeitar o tempo do defeso e inibir que pessoas que têm barca grande venham fazer pesca predatória, a invasão de geleiros que vão deixando nossos peixes escassos”, comenta.

 

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“Estou sempre lutando pelo meio ambiente, correndo atrás de melhorias para os nossos pescadores e defendendo o pescar da nossa região. É importante garantir a sustentabilidade da pesca com esses acordos para que a gente possa, no futuro, ter o peixe", diz o pescador Moacir Batista (Foto: Arquivo pessoal)


 

Batista, além das suas atividades como pescador, também atua na conscientização, monitoramento e fiscalização do acordo, junto à equipe da Semas. “Estou sempre lutando pelo meio ambiente, correndo atrás de melhorias para os nossos pescadores e defendendo o pescar da nossa região. É importante garantir a sustentabilidade da pesca com esses acordos para que a gente possa, no futuro, ter o peixe. E sem o peixe, não tem o pescador”, reflete.
 

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
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