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LIXO ELETRÔNICO

Iniciativas promovem descarte ambientalmente correto

REALIDADE - Brasil é o quinto maior produtor de resíduos eletrônicos do mundo, mas recicla apenas 3% do total. Cidades amazônicas garantem destinação adequada

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

26/11/2024

Quando seu celular dá defeito, sem possibilidades de conserto, ou quando seu carregador para de funcionar, o que você faz com eles? Muita gente acaba apenas jogando no lixo comum. Mas os chamados resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, ou simplesmente lixo eletrônico, não podem ser descartados dessa forma, pois trazem riscos ao meio ambiente e à saúde humana.

 

Pela definição da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o lixo eletrônico é composto pelos resíduos de quaisquer dispositivos que sejam alimentados por energia elétrica, que são descartados por não ter mais utilidade.

 

Na Amazônia, uma iniciativa leva, a algumas cidades, a oportunidade de descarte apropriado do lixo eletrônico. Trata-se do Instituto Descarte Correto, criado em Manaus, no Amazonas, mas que já chegou a Belém e Santarém, no Pará; a Boa Vista, em Roraima; e a Porto Velho, em Rondônia.

 

De acordo com Andreza Benone, assessora de Comunicação do Instituto, a organização atua há cerca de 20 anos em Manaus. “Esse trabalho foi tão impactante que ele começou a se expandir pela Amazônia. Então, há cerca de três anos a gente decidiu vir para Belém”, conta.

 

Ela relata que já foram centenas de toneladas de materiais reciclados, além da conscientização da população. “Esse trabalho tem alcançado várias cidades que ainda não tinham esse despertar para a reciclagem do resíduo eletrônico. As pessoas às vezes limitam o lixo eletrônico a pilha, celular, mas tem uma infinidade de materiais, como fone de ouvido, TV, geladeira, que têm metais pesados que, se descartados de forma incorreta, acabam gerando esse impacto que a gente não quer para a nossa cidade”, avalia. Dentre os municípios atendidos pelo Instituto, o recordista em volume coletado é Manaus, seguido por Belém. 

 

Andreza Benone explica que o material arrecadado é encaminhado para a fábrica reversa do Instituto. “Lá, a gente verifica o que dá para ser aproveitado ou não. A gente retira o ouro, o cobre, os metais pesados. O que dá para ser reciclado, a gente devolve para as indústrias, para que elas não precisem explorar o meio ambiente novamente. E a gente também tem parcerias com cooperativas de plástico, de vidro, que são materiais que a gente não recicla na nossa fábrica”, detalha.

EM BELÉM

Na capital paraense, o Instituto Descarte Correto trabalha em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) em uma campanha iniciada em junho do ano passado e que já arrecadou 17 toneladas de lixo eletrônico.

 

“Nós começamos com postos de coleta itinerantes, todas as sextas-feiras, em algum ponto da cidade. Essas coletas itinerantes ainda ocorrem, mas agora temos dois postos fixos, um no Horto Municipal e outro no Shopping Boulevard; e um em fase de instalação, no Parque Shopping”, informa Leonardo de Jesus, diretor geral da Semma. 

 

“Esse material é recolhido pelo Instituto, encaminhado para a base deles, para a separação e reutilização dos materiais. Então, nós trabalhamos com a economia circular, porque o lixo eletrônico vira outros materiais, com reciclagem e remanufatura. E tem também o lado social, porque o descarte correto nos fornece equipamentos de informática em troca dessa parceria. Esses equipamentos são doados para instituições sociais, para implementação de salas de informática”, completa o gestor.

 

Na Região Metropolitana de Belém (RMB), outra iniciativa promove a coleta de lixo eletrônico, em uma parceria entre a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e o Instituto Alachaster. De acordo com a Semas, são três ecopontos que recebem esse tipo de resíduo: um no Parque Estadual do Utinga e outro na Usina da Paz da Cabanagem, em Belém; e um na Usina da Paz do Icuí, em Ananindeua. 

 

De ferro e aço a ouro e prata podem ser reaproveitados

Na categoria lixo eletrônico entram não apenas celulares, computadores, notebooks e cabos, mas também outros equipamentos de computação, eletrodomésticos, aparelhos de áudio e vídeo, lâmpadas LED, controles remotos, pilhas, baterias, lanternas e até mesmo CDs e DVDs.

 

Na composição desses materiais, há elementos químicos que podem ser fonte de contaminação, como chumbo, mercúrio e arsênico. Eles não apenas contaminam solos, lençóis freáticos, fauna e flora, como também diminuem o tempo de vida de aterros sanitários e podem causar doenças ao ser humano, que vão desde simples irritações de pele até danos neurológicos.

 

Por outro lado, equipamentos eletrônicos contêm vários materiais que podem ser reaproveitados, como ferro, aço, cobre, estanho, zinco e até mesmo ouro e prata, além das partes em plástico, vidro e papel, que já são comumente recicladas. Isso não só protege o meio ambiente, como gera economia para as empresas, que reduzem a compra de matéria-prima, e geração de renda para toda uma cadeia produtiva, como de cooperativas de reciclagem.

 

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Andreza Benone, assessora de comunicação do Instituto Descarte Correto, mostra alguns materiais que são descartados como lixo comum (Imagem: Igor Mota)

LOGÍSTICA REVERSA

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de 2010, estabelece a obrigatoriedade da logística reversa para produtos eletroeletrônicos. Se a logística é responsável por levar o produto até o consumidor final, a logística reversa faz o caminho contrário: retorna os produtos usados ao setor empresarial, para reaproveitamento, reciclagem ou destinação ambientalmente adequada.

 

De acordo com a PNRS, a responsabilidade de dar destinação correta ao lixo, inclusive o eletrônico, é compartilhada por todos. Fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes devem se encarregar da coleta, do transporte, do tratamento e da destinação final desse tipo de produto. Já os consumidores têm a obrigação de depositá-lo nos postos de coleta adequados.

 

O Global E-waste Monitor 2024, um monitoramento mundial sobre lixo eletrônico realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), aponta que o Brasil é o maior produtor deste tipo de resíduos da América Latina, o segundo de toda a América e o quinto maior do mundo. 

 

São 2,4 milhões de toneladas de lixo eletrônico produzidas em território brasileiro a cada ano. A PNRS estipula que, até 2025, o País deve alcançar a taxa de 17% de reciclagem desse tipo de resíduo. Atualmente, apenas 3% são reciclados no País, segundo estimativas da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica. Não há dados específicos sobre a Região Amazônica.

 

Emaús é referência em recondicionamento

Muitos dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos são descartados como lixo, mas na realidade ainda têm possibilidade de uso, após recondicionamento. Ou seja, não precisam ir para desmontagem e reaproveitamento de seus materiais: podem apenas ser consertados, receber novas peças e voltar a operar.

 

É o que faz o Movimento República de Emaús, em Belém. Todos os anos, a entidade filantrópica realiza uma grande coleta de materiais usados, inclusive eletrônicos, para reaproveitamento, em prol de pessoas em vulnerabilidade. Além disso, os itens são recebidos pela organização não governamental (ONG) em sua sede, de forma permanente durante o ano todo. Os eletrônicos abastecem o Centro de Inclusão Digital (CID) do Movimento. 

 

“A gente recebe doações de qualquer tipo de material de informática, de empresas públicas e privadas e de pessoas físicas. Esse material chega aqui no Centro e é feita uma triagem. O que pode ser reaproveitado, a gente coloca novamente para funcionar. Esses computadores recondicionados são vendidos a preços bem em conta, para manter o projeto, ou doados para famílias ou entidades que atendemos”, conta Reginaldo Nunes, coordenador do CID. 

 

Outra parte dos computadores fica no próprio CID, para promover a inclusão digital dos jovens que frequentam o Centro. “E esse material serve também para as aulas, porque nós mantemos aqui cursos de operador de micro, de manutenção de computador, de recondicionamento de computador e de robótica, para gerar emprego e renda”, completa Nunes. 

 

Ao longo dos 14 anos de existência do Centro já foram recebidos cerca de 14 mil computadores. “A cada ano, a gente recebe cerca de mil computadores. A gente consegue recuperar cerca de 400, para vender ou doar. Então, já foram milhares de eletrônicos tirados do descarte incorreto”, comemora o coordenador. 

 

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Materiais eletrônicos são recondicionados e vendidos por um valor acessível, e ajudam a manter projetos de inclusão digital de jovens (Imagem: Descarte Correto)

EDUCAÇÃO

Além do recondicionamento de computadores, o Movimento de Emaús também promove atividades de educação ambiental sobre resíduos eletrônicos. “Durante o ano, fazemos campanhas em que arrecadamos equipamentos eletrônicos, com ampla divulgação nas mídias, justamente para conscientizar sobre o descarte correto. E também temos ações de conscientização ambiental dentro das escolas, com rodas de conversa sobre reciclagem”, diz Nunes. 

Manual interativo ensina a descartar os resíduos

O bacharel em Direito Moisés Santiago estudou a temática da educação ambiental sobre lixo eletrônico em seu mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia, na Universidade Federal do Pará (UFPA). O trabalho, intitulado “Educação ambiental como instrumento de política pública: uma análise da gestão do lixo eletrônico na cidade de Belém-PA”, teve como um dos resultados a produção de um manual sobre o descarte correto desse tipo de resíduo. 

 

“No ‘Manual interativo sobre lixo eletrônico e seu descarte adequado’, que produzi junto com o professor André Cutrim Carvalho, eu trago, em linguagem clara e acessível, informações sobre os problemas do descarte do lixo eletrônico, sua composição, reciclagem e logística reversa, as empresas sociais que atuam na coleta e destinação desses resíduos em Belém, como os Institutos Alachaster e Descarte Correto”, destaca o pesquisador. Ele também aborda os efeitos da obsolescência programada, uma estratégia das indústrias em criar produtos com vida útil reduzida, mesmo quando é possível produzi-los de forma mais duradoura. A tática força os consumidores a trocar os produtos com frequência, gerando cada vez mais resíduos.

 

REFLEXÃO

Para Santiago, a educação ambiental é fundamental não apenas para informar sobre o descarte correto, mas também para gerar reflexões sobre os hábitos de consumo. “Com a educação ambiental, passamos a refletir sobre o que estamos consumindo, sobre como podemos diminuir o consumo, se estamos descartando corretamente os resíduos sólidos, especialmente o lixo eletrônico”, afirma.

 

“Quando você é educado ambientalmente, você acaba conhecendo conceitos importantes, como saber o que cada cor de lixeira da coleta seletiva significa, ou que antes de consumir você tem que pensar no meio ambiente. Se eu tenho um celular que não tem dois anos de uso, eu preciso comprar um novo para quê?”, questiona Santiago, evidenciando os impactos das nossas decisões diárias para o futuro do planeta.

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção do Liberal Amazon é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. A tradução do conteúdo é realizada pelo acordo, através do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multisemioses.