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PATRIMÔNIO ESPELEOLÓGICO

Cavernas e grutas da Amazônia abrigam diversidade

MAPEAMENTO - Região tem 4.603 cavidades naturais catalogadas, das quais 2.862 ficam no Pará

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

17/01/2025

Você já ouviu falar em espeleologia? A palavra lembra espelho, mas nada tem a ver com o objeto que reflete imagens: é a ciência que estuda cavernas, grutas e outros tipos de cavidades naturais subterrâneas. O termo advém do latim spelaeum e do grego spélaion, que se traduzem como caverna ou cova.


Segundo a revista científica Nature, Ecology and Evolution, o Brasil é o líder mundial no potencial de identificação de novas espécies em suas cavidades naturais. Atualmente, há 25.522 cavernas catalogadas no País, de acordo com o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav), ligado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Mas o potencial de descoberta de novas cavidades é muito maior.


Por isso, além de zelar pela conservação do patrimônio espeleológico brasileiro, pesquisadores do Cecav elaboraram um mapa da potencialidade de ocorrência de cavernas no Brasil. O maior número de pontos com alto potencial de ocorrência se concentra em Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Norte, mas há também áreas na Amazônia com grandes chances de novas descobertas.

 


De acordo com o geógrafo Abraão Levi Mascarenhas, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), há, na Amazônia brasileira, 4.603 cavernas catalogadas. O Pará se destaca na área com mais da metade das cavidades já mapeadas: 2.862, segundo dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estado tem algumas áreas principais de concentração de cavernas: as províncias espeleológicas de Carajás; do Parque Estadual Serra das Andorinhas, em São Geraldo do Araguaia; de Altamira-Itaituba; e da região de Santarém e outros municípios do Baixo Amazonas, seguindo em direção ao estado do Amazonas.

PROBABILIDADE

É justamente nas duas últimas regiões citadas que se concentra a maior probabilidade de encontrar novas cavernas, de acordo com o mapa elaborado pelo Cecav. E foi em uma dessas regiões que a também geógrafa Luciana Freire, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), realizou os estudos de sua tese de doutorado. O trabalho apresentou uma proposta de planejamento ambiental para a província espeleológica de Altamira-Itaituba, para garantir a geoconservação do patrimônio espeleológico dessa região amazônica, bem como propor o desenvolvimento do geoturismo nas cavernas.

 

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Geógrafo Abraão Levi Mascarenhas, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), dentro da Caverna Serra das Andorinhas. “Há, na Amazônia brasileira, 4.603 cavernas catalogadas” (Foto: Arquivo pessoal)

Cavidades guardam a história da região

 

O trabalho da pesquisadora Luciana Freire observou que algumas cavernas da região estão tendo usos inadequados, pondo em risco a preservação dos locais. “Quando eu falo da exploração inadequada, quero dizer que, com a visitação, a gente encontra pontos de degradação, como, por exemplo, o desvio de suas águas subterrâneas, que muitas vezes são nascentes de rios e igarapés. Além disso, há paredes com pichações, gerando falhas nas rochas”, aponta a geógrafa. 


De acordo com a Resolução 347/2004 do Conselho Nacional de Meio Ambiente, as cavidades naturais subterrâneas são consideradas patrimônio espeleológico nacional e, portanto, locais de proteção ambiental. “Elas resguardam tanto elementos bióticos quanto abióticos, de beleza específica, mas também relacionados à própria história cultural, porque elas têm registros arqueológicos que trazem informações sobre como o homem viveu num passado distante. Também resguardam tipos específicos de rochas e de vida, como insetos, aracnídeos e morcegos. Nelas, há vários tipos de espécies que a gente não conhece e que ainda estão para ser registradas, como as novas espécies que foram catalogadas durante a construção da hidrelétrica de Belo Monte”, conta Luciana Freire.

PRESERVAÇÃO


Por isso, segundo a professora, é tão importante preservar e estudar esses locais peculiares. “Nelas, a gente tem formas e rochas totalmente diferentes do que a gente tem no ambiente externo, nas áreas de céu aberto, porque são ambientes sem luz. Estudando espeleologia, a gente pode entender um pouco sobre a importância dessas cavernas e até mesmo valorizá-las e torná-las conhecidas, principalmente na região amazônica, pois pouca gente sabe da existência delas”, ressalta a geógrafa.


Ainda de acordo com Luciana Freire, o ambiente sem luz produz uma biodiversidade muito específica. “Existe um ramo da biologia, chamado bioespeleologia, que estuda os tipos de vida que se desenvolvem nas cavernas. São formas de vida únicas, que podem até resguardar formas de cura para doenças”, sugere.

 

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Geógrafa Luciana Freire, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), dentro da Gruta Leonardo Da Vinci, em Vitória do Xingu-PA. Ela realizou os estudos de sua tese de doutorado sobre a província espeleológica de Altamira-Itaituba (Foto: Arquivo pessoal)

Pesquisadores estudam geodiversidade amazônica

Para Abraão Levi, da Unifesspa, o cenário para os estudos das cavernas na Amazônia é imenso. “Hoje, muito se fala em biodiversidade, mas pouco se fala da geodiversidade, da importância do patrimônio geomorfológico para o entendimento dessa grande Amazônia. É um cenário muito promissor para as geociências”, afirma o professor. 
O docente faz parte de um grupo de pesquisadores da Unifesspa que tem estudado as cavernas do sudeste do Pará. “Em parceria com o Grupo de Espeleologia de Marabá e a Fundação Casa de Cultura de Marabá, temos feito esforços significativos para o estudo e proteção dessas cavernas”, relata.


Luciana, que é do Ceará, também enxergou esse potencial, ao escolher como objeto de estudo a província espeleológica de Altamira-Itaituba. “Quando cheguei aqui no Pará, fiquei um pouco admirada pela riqueza espeleológica que o estado traz, e mais ainda pelo fato de que as cavernas se diferenciam das mais conhecidas no País. A maioria das cavernas que conhecemos são formadas em rochas calcárias. Já no Pará, são cavernas que estão muito associadas às rochas areníticas e também ferríferas, principalmente na região de Carajás”, detalha.

Serra das Andorinhas se destaca no turismo

No Pará, a maior concentração de cavernas registradas e estudadas fica na região de Carajás e em São Geraldo do Araguaia, na fronteira com o Tocantins, área de transição entre os biomas Amazônia e Cerrado. No município, se localiza um complexo com duas unidades de conservação: o Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas (Pesam) e a Área de Proteção Ambiental São Geraldo do Araguaia (APA Araguaia).


Nas duas unidades, já foram registradas 398 cavidades, incluindo cavernas, grutas e abrigos. “Dentre essas, 64 estão na APA Araguaia e as demais dentro do Parque. E São Geraldo do Araguaia é um dos dez municípios do Brasil com o maior número de cavernas”, informa Wagner Bastos, biólogo do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio), órgão estadual que administra as unidades.

 

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Há dez espécies de morcego que são endêmicas das cavernas do Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas  e da Área de Proteção Ambiental São Geraldo do Araguaia (APA Araguaia), inclusive um dos maiores morcegos das Américas (Foto: Ideflor-Bio)


O especialista explica que as cavernas das unidades abrigam grande biodiversidade. “Como temos essa mistura, o encontro do Cerrado com a floresta amazônica, a biodiversidade é incrível, na Serra das Andorinhas como um todo, e nas cavernas não é diferente. Temos dez espécies de morcego que são endêmicas dessas cavernas, ou seja, só ocorrem nesses espaços e em nenhum outro do mundo”, salienta o biólogo. “Além disso, há uma espécie carnívora que habita essas cavernas que é um dos maiores morcegos das Américas, com envergadura de um metro, da ponta de uma asa à outra”, complementa. 


Wagner Bastos indica que a maior e mais conhecida cavidade da região é a Caverna Serra das Andorinhas. “Ela tem aproximadamente um quilômetro de galeria, que você pode percorrer. Você consegue fazer a travessia dela de um ponto ao outro: chega passando por dentro de uma área com floresta amazônica fechada e preservada, entra na caverna, atravessa e, quando você sai no outro lado, já é uma área bem característica de cerrado, com a vegetação mais aberta, muitas gramíneas e poucas árvores”, esclarece.

TURISMO

Por todas essas particularidades, a Caverna Serra das Andorinhas é a mais procurada da região e recebe muitos visitantes: além dos pesquisadores interessados na geodiversidade e biodiversidade do local, há os turistas que fazem os passeios nas duas unidades de conservação. 


“Fazemos trilhas para visitar as cavernas, com grupos mais reduzidos, de no máximo dez pessoas. A ideia também é levar um pouco de conhecimento, trazer as pessoas para conhecer esse mundo da espeleologia, entender como funciona a biodiversidade que tem ali dentro e como a gente deve proteger e preservar esses espaços”, diz Wagner Bastos. Os roteiros turísticos são realizados por condutores de trilhas capacitados pelo Ideflor-Bio em parceria com a Secretaria de Estado de Turismo (Setur).

 

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Equipe do Ideflor-Bio entra na Caverna Serra das Andorinhas, a mais visitada por turistas no Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas (Foto: Ideflor-Bio)


Um dos turistas que conheceu a Caverna Serra das Andorinhas foi o educador físico Wesley Botelho, de Araguaína, no Tocantins. Acostumado a fazer trilhas na natureza, ele conta que o passeio na Serra das Andorinhas foi sua primeira experiência em cavernas, que o fez explorar outras cavidades em outras regiões.


“Gostei da experiência em São Geraldo do Araguaia e, quando fui para Palmas também conheci outras cavernas, além de na Chapada Diamantina, na Bahia. Pretendo ir para outras partes do Brasil, mas ainda quero voltar em São Geraldo para novas explorações, outras cavernas que ainda não conheci”, diz. “A caverna de São Geraldo possui grandes salões e um piso plano, o que facilita o turismo. No entanto, a diversidade de fauna mostra que o uso turístico deve ser sustentável”, destaca o turista, já consciente sobre a necessidade de preservação do patrimônio espeleológico amazônico. 

 


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