A quinta geração de conexão móvel, o 5G, promete ser o próximo grande passo da tecnologia baseada no fluxo de informações, com mais rapidez e menos oscilações de sinal para acesso à internet.
Se por um lado tem-se a certeza de que a velocidade pode ser 100 vezes maior que a internet 4G atual, a dúvida que paira é o quanto esta tecnologia estará disponível em larga escala em localidades de baixo interesse das operadoras da telefonia e com pouca infraestrutura.
É o caso da maior parte da Amazônia Legal. Nas duas maiores cidades da região, Belém e Manaus, o novo sinal já está disponível, mas somente em alguns bairros e os usuários ainda não sentem a diferença nas conexões.
Presente nas capitais e algumas cidades da região metropolitana, o 5G na Amazônia ainda não alcançou polos regionais importantes como Santarém, Marabá, Parauapebas e Castanhal, no Pará, todos com mais de 200 mil habitantes.
Pelo calendário estabelecido pela Agência Nacional de Telecomunicações, a ativação deve iniciar em julho de 2026 em cidades com mais de 200 mil habitantes, com a instalação de uma antena para cada 15 mil moradores.
Em municípios com menos de 30 mil habitantes, o prazo vai até 2030: são 41 no Amazonas e 64 no Pará.
Mas não é a primeira vez que a Amazônia fica para trás quando o assunto é internet: treze anos após o lançamento da banda 4G, 51,1% das áreas não urbanas do Pará não tinham qualquer cobertura de internet até 2022.
O Estado mais populoso da Amazônia Legal tem 690.661 usuários de internet assinantes de banda larga fixa, aproximadamente 9% da população, sendo que um terço deste total está em Belém, a capital.
É um cenário que se repete nos outros estados da região: um relatório publicado pela Agência Nacional de Telecomunicações em 2021 aponta que apenas 18,8% das áreas rurais de Tocantins possuem acesso ao 4G. Rondônia (18,1%), Acre (17,8%), Mato Grosso (12,7%), Amapá (11%), Amazonas (8,8%) e Roraima (3%) aparecem na base da lista, com a menor cobertura não urbana do Brasil.
Desigualdades regionais
Os nove estados da Amazônia Legal possuem, em média, 80,08% de moradores com acesso ao sinal 4G.
São números distantes dos 99,79% do Distrito Federal, 99,32% de São Paulo e 99,24% do Rio de Janeiro.
Para o pesquisador Weverton Cordeiro, do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os números revelam que o processo de consolidação na região será lento e insuficiente.
Isso se deve ao fato de o custo de instalação ser muito alto e o número de usuários, baixo. A equação desequilibra as planilhas financeiras das operadoras, que não vislumbram lucro imediato nesta parte do Brasil.
"Mas os prejuízos são inúmeros. Cada vez mais falamos de educação a distância, democratização do ensino via internet, uso de internet em sala de aula. E a Amazônia está ficando de fora deste processo. Se você tem dificuldade de baixar um PDF, toda uma geração está ficando para trás em uma região já estigmatizada e cheia de carências sociais. Do ponto de vista comercial, as vendas deixam de ser feitas por conta da internet das maquininhas. Operações básicas feitas com facilidade em outras regiões do Brasil viram entraves na região: contato com fornecedores, vendas via internet, organização das cadeias de produção. A região perde muito em potencial de crescimento e geração de renda. É mais uma janela de marginalização da Amazônia", aponta Cordeiro.
Nascido e criado em Itaituba, no sudoeste do Pará, Weverton Cordeiro sabe bem o que é precisar de internet e não tê-la na palma da mão.
Hoje, o município tem uma cobertura de 81,59%. Boa parte se deve graças à rede de fibra óptica da Eletronorte, que é usada para monitorar a grade de energia instalada na região. E, mesmo assim, não é o suficiente para o uso da população, segundo o pesquisador.
A falta de internet de qualidade e em larga escala na região pode ser até prejudicial para o meio ambiente, na opinião do professor Tadeu Paes, especialista em educação e cibersegurança.
"O 5G pode ajudar e muito no monitoramento das florestas, da fauna, do gado. Veja o quanto avançamos no combate ao desmatamento, queimadas e garimpo mesmo com dificuldades de conexão em algumas regiões da Amazônia. Imagina ter drones ajudando na preservação da floresta com comunicação em tempo real, aumentando a performance de dados e garantindo ações preventivas e respostas rápidas? A internet não é uma questão de mero uso domiciliar ou de entretenimento. É uma política pública que pode ajudar o país a evoluir em diversas frentes", avalia.
Internet via satélite é cara e pouco eficiente
O bilionário Elon Musk ganhou as manchetes do Brasil em 2022 ao dizer que iria levar internet para 19 mil escolas rurais brasileiras, com foco na Amazônia.
Por enquanto, a empresa dele que atua no ramo, a Starlink, chegou a apenas três escolas na região com conexões via satélite.
O então Ministro das Comunicações, Fábio Faria, afirmou que somente o investimento para a instalação do gateway, o portão de entrada da internet, foi de R$ 10 bilhões.
Já o projeto Loon, do Google, queria conectar a Amazônia com ajuda de satélites instalados em balões, pairando sobre o território.
A iniciativa foi cancelada e um dos motivos foram os altos custos. Isso dá a ideia de o quanto a internet via satélite, predominante na Amazônia, é cara.
Ela é a opção para localidades sem acesso a cabeamento ou fibra óptica. Além disso, a internet via satélite dispensa a instalação de torres no solo.
Basta que o usuário tenha uma antena própria equipada com uma unidade de transmissão e recepção que se comunicará com o satélite no espaço.
Mas as limitações são muitas: a conexão costuma utilizar ondas de rádio, passíveis de muitas interferências.
Além disso, como a antena é central para o funcionamento, condições climáticas específicas podem derrubar o sinal, como é o caso das tempestades fortes.
E mais: a antena deve estar posicionada de maneira exata para estar conectada ao satélite no espaço, o que diminui a amplitude de uso da rede.
"A dificuldade era tão grande que lembro que em Itaituba tínhamos a torre de celular acoplada com a torre do satélite. Ou seja, um sistema fechado, pouco amplo", lembra o professor Weverton Cordeiro.
Governo aposta em infovias fluviais
É pelos rios que o Governo Federal planeja driblar os altos custos e limitações da internet via satélite: lançado em 2020, o projeto Norte Conectado quer implantar infovias subaquáticas com 12 mil quilômetros de extensão, conectando 59 municípios do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima.
A expectativa é que 10 milhões de brasileiros sejam beneficiados. Por enquanto, das oito infovias, uma já foi concluída e a segunda está em fase de conclusão.
O primeiro trecho, nomeado Infovia 00, liga Macapá, capital do Amapá, ao município de Alenquer, oeste do Pará.
A ativação foi feita em julho de 2022 com 770 quilômetros de extensão. O cabeamento passa também pelos municípios paraenses de Almeirim, Monte Alegre e Santarém e custou R$ 90 milhões, segundo dados do orçamento da União.
Já a Infovia 01 tem cerca de 1.100 quilômetros e liga Santarém, no oeste do Pará, a Manaus, capital do Amazonas, passando pelas cidades de Curuá, Óbidos, Oriximiná, Juruti e Terra Santa, no Pará, e Parintins, Urucurituba, Itacoatiara e Autazes, no Amazonas.
Nesta fase, também será executada a interligação dos municípios de Curuá a Alenquer (PA) - trecho que fará parte da Infovia 00. Segundo dados do orçamento da União, foram investidos R$165 milhões na infovia. Seis empresas irão operar e explorar comercialmente por 15 anos a Infovia 00. Já o consórcio que irá operar a Infovia 01 é formado por 12 empresas.
Atualmente, duas escolas em Santarém são beneficiadas por um projeto piloto da Infovia 00 voltado para a educação.
Segundo o professor Geremias Souza de Santos, coordenador do Núcleo Tecnológico Municipal de Santarém, a conexão tem sido fundamental para o ensino público de informática já na educação básica, com foco do primeiro ao quinto ano.
"Os alunos são incentivados a pesquisar mais, não só com o estudo direcionado pelos professores [nas demais disciplinas], mas pelo menos uma vez na semana temos aulas de informática. São 408 escolas no município para as quais nós levamos suporte técnico, manutenção dos computadores. Hoje, 368 fazem parte do Programa de Inovação Educação Conectada, do Ministério da Educação em parceria com o Ministério da Comunicação. São 97 laboratórios de informática", diz ele, ao celebrar a chegada das infovias.
Elas são, de fato, a opção mais viável, na opinião de Tadeu Paes. Segundo ele, há experiências bem sucedidas na região que podem servir de lição às novas iniciativas, como o Navega Pará.
"É um programa lançado em 2008 e que nessa época já tinha essa visão de que as especificidades da região exigiam criatividade e maneiras diferentes de conectar as pessoas. Eles usam uma conexão completamente híbrida, que mistura, fibra óptica, torres, satélite e ondas de rádio. Em cada localidade é diferente, tudo feito com um conhecimento topográfico e demográfico muito apurado. E tudo interligado. Isso faz diferença", diz.
Mas o Navega Pará é operado pelo poder público. Quando o assunto são os serviços privados de internet, o pesquisador Weverton Cordeiro advoga que o governo precisa sentar à mesa com as empresas para garantir que elas atuem também pelo bem-estar social e preservem o acesso à internet como direito constitucional para além de interesses empresariais específicos.
Ele lembra que a internet foi estabelecida como direito fundamental pela Organização das Nações Unidas (ONU), assim como a eletricidade e água potável.
"O governo precisa incentivar a expansão dos serviços, mas com condicionantes claras, contrapartidas benéficas. O ideal seria que o Governo Federal reduzisse impostos e subsidiasse infraestrutura, mas fazendo as operadoras prometerem aumentar a cobertura em determinados locais do país. O leilão do 5G foi bem diferente do leilão dos aeroportos, que foi feito em blocos que mesclavam aeroportos de grande interesse com aeroportos menores, em cidades menores. Ou seja, estamos privando cidades da Amazônia de terem cidadania", argumenta Cordeiro.
DESAFIO
Tadeu Paes acrescenta outro desafio que poderia contar com ajuda do poder público. "Novos investimentos educacionais na área são importantes. Aqui na Amazônia tenho notado a falta de capacitação técnica de profissionais para o 5G. A tecnologia está chegando e a mão de obra é de fora. Isso encarece tudo. Nós entendemos melhor sobre a nossa região, mas temos déficit de profissionais com certificações de empresas como Cisco. Os profissionais ainda estão se adaptando e isso aumenta a lentidão", aponta.
A reportagem entrou em contato com o Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações, que não responderam até o fechamento desta edição. Entre as empresas que venceram o leilão do 5G, a Tim informou que prefere não se pronunciar sobre 5G na Amazônia no momento. A Vivo enviou uma nota afirmando que já opera o 5G em Belém (PA), Ananindeua (PA), Manaus (AM), Macapá (AP), Palmas (TO), Boa Vista (RR), Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO). Já a Claro não respondeu até o fechamento desta edição.